Resenha: Dylan Dog – Johnny Freak

“Queria estapear vocês… mas não são dignos.”

Essa é uma publicação da editora Conrad, de outubro de 2001, quando lançou uma minissérie em seis volumes do personagem italiano, no intuito de pesquisar o mercado brasileiro para publicações regulares do Dylan Dog.

Para quem ainda não conhece o personagem, Dylan Dog é um ex-policial de Londres, que resolveu largar o emprego e se dedicar a investigar crimes que envolvem o sobrenatural, daí o seu apelido “Detetive do Pesadelo”. Sua publicação teve início no final da década de 80 na Itália e alcançou enorme sucesso, batendo recordes de venda. Na década de 1990, chegou a vender mais 1 milhão de exemplares mensais somente em seu país de origem.

Com roteiro de Tiziano Sclavi e Mauro Marcheselli e arte de Andrea Venturi, “Johnny Freak” é uma das mais fortes e tocantes histórias do Dylan Dog e do universo dos quadrinhos. É impossível não se comover com a história, principalmente ao saber que ela é baseada em fatos reais.

A edição começa mostrando um garoto que não tem as pernas, preso num pequeno quarto e sendo tratado como cachorro. Ele recebe comida duas vezes por dia em um pequeno pote e toma água num bebedouro no chão. Apesar dos maus tratos, o garoto demostra grande talento para a arte, sendo que o quarto está repleto de pinturas. Mas logo um incêndio toma conta do quarto e ele consegue fugir com muita dificuldade e acaba queimando as mãos no processo.

 

O garoto Johnny Freak no seu quarto antes do incêndio

Ao investigar a morte de um cachorrinho, Dylan Dog acaba encontrando o garoto ferido por causa do fogo, e o leva para o hospital. Lá é descoberto que ele é surdo mudo, que as suas pernas foram amputadas cirurgicamente e que alguns órgãos também foram retirados. Logo a história do garoto comove a todos no hospital. E ele, através da imprensa, ganha o nome de Johnny Freak (Freak quer dizer aberração). Apesar das comorbidades, Johnny se mostra um garoto muito alegre e com grande carisma, comovendo Dylan que o leva para casa e pretende adotá-lo.

O primeiro encontro entre Dylan e Johnny

Alguns dias após levar Johnny para casa, Dylan é visitado por um casal afirmando que o garoto pode ser o seu filho sequestrado anos atrás. Um exame de DNA confirma a hipótese e Dylan perde seu filho adotivo. Ao voltar a investigar o caso dos cachorros mortos, Dylan descobre que os pais de Johnny possuem outro filho e que, assim como o pai, é médico cirurgião. Rapidamente Dylan volta a investigar o passado do garoto e descobre a terrível verdade por trás da ausência das pernas e órgãos. O final é um dos mais comoventes dos quadrinhos.

Dylan e Johnny num dos momentos finais da história

É um pouco difícil falar ou escrever sobre essa leitura, especialmente sem dar algum tipo de spoiller, e confesso que estou com dificuldades em como começar. Ela traz uma carga emocional muito grande, especialmente para leitores que possuem convívio com crianças.

Estou escrevendo este review em junho de 2021, e nos últimos meses foram noticiados diversos episódios de violência contra crianças, levando algumas delas à morte. Esses acontecimentos sempre geram muita comoção e revolta por parte da população, afinal crianças não conseguem se defender e, na grande maioria das vezes, querem apenas brincar. Dentre todas as indagações que surgem em meio a casos de violência contra crianças, uma das mais complexas é o “porquê?”, ou qual a motivação para cometer um crime dessa magnitude.

Nessa história do Dylan Dog, é retratado um crime desumano contra uma criança, mas que se torna muito pior ao serem relevadas as motivações que levaram a ele. Um dos fatos que torna essa história perturbadora é a total falta de amor dos pais pelo filho, a ponto de o machucarem deliberadamente, desprovidos de qualquer remorso. Outro ponto que nos induz à reflexão é o amor de Johnny pela vida e a sua disposição para sorrir mesmo diante de todas as dificuldades.

O roteiro é magistralmente escrito pela dupla Tiziano Sclavi e Mauro Marcheselli. Sem erros de continuidade, prende o leitor numa trama comovente que deixa várias reflexões ao término da leitura. Senti o argumento um pouco datado, mas talvez seja culpa da tradução feita há vinte anos.

Os desenhos são muito bons e funcionam perfeitamente para o enredo, mas são prejudicados pela edição. O formato escolhido pela editora Conrad para tentar reinserir o personagem no mercado brasileiro foi o formatinho (13,5 x 20,5 cm), o que, em conjunto com a impressão pobre, prejudicou muito a arte. Vale informar que a capa dessa edição foi feita pelo Mike Mingola, o criador do Hellboy.

Atualmente os direitos de publicação do personagem estão com a editora Mythos, que afirmou algumas vezes que não tem interesse em republicar a história, o que é uma pena. Dentre todas as histórias da Bonelli, essa, sem sombra de dúvidas, merece uma republicação à altura, com boa qualidade de impressão e capa dura.

Apesar de estar esgotada há anos e ser difícil de encontrar, recomendo demais a leitura dessa história. Quem der a sorte de encontrá-la em algum sebo, não deixe passar.

 

Por Maxson Vieira

Sobre o autor

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Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.


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