IV Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié

Felisquié e as pequenas surpresas e encontros num evento do interior

 

A Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié (Felisquié), evento realizado pela prefeitura de Jequié em conjunto com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA) e Serviço Social do Comércio (SESC) chega, em 2022, à sua sexta edição retornando às atividades de forma presencial. Para quem não conhece, a cidade de Jequié possui 156 mil habitantes e se localiza no interior da Bahia, na região de transição entre a Mata Atlântica e a caatinga, no Território Médio do Rio de Contas.

Tais eventos em cidades do interior são de fundamental importância para a divulgação e popularização da literatura. Nasci e fui criado numa cidade muito pequena do interior da Bahia e sempre senti falta de contato formal com a educação literária, bem como com pessoas do meio. Quando fui morar em São José dos Campos, grande cidade do interior paulista, situada apenas a 90 km da capital, tive a oportunidade de frequentar grandes eventos de literatura como a Bienal de São Paulo.

Calixto, da editora No Cego na sua estande

Compareci à Felisquié durante o segundo dia da Festa, e passei por experiências que somente pequenos eventos são capazes de proporcionar. Foi num dos muitos estandes de exposição de livros que encontrei Calixto, o dono da Nó Cego, editora do interior da Bahia, especializada em novos autores. Feliz com sua participação no evento, Calixto comentava com uma escritora: “consegui vender bem hoje”. Isso retrata a dificuldade de pequenas editoras em se manter num mercado dominado por grandes empresas. Para conseguir visibilidade e vender seus livros, o próprio dono (e muitas vezes editor) deve “fazer seus corres”, suar bastante e aproveitar todo evento possível. A surpresa, ao visitar o estande da editora, foi descobrir “Ayre: A Princesinha de Amanda” e “D’Oro: O Reizinho Majestoso” dois livros infantis sobre cultura Iorubá, escritos por Ivanildes Moura e ilustrados por Carlos Elias, filho do Carlos Eden, grande intelectual, chargista e artista polivalente de Jequié.

Estande com o livro de Ivanildes Moura e Carlos Elias

Em outra estande estava um senhor simpático, com chapéu de couro e vários cordéis sobre a mesa. Parei para conversar com ele e descobri que se chama Franklin Maxado, ou “Maxado Nordestino” e possui “já mais de 80 anos, meu filho”. Maxado é escritor, poeta, autor de cordéis e xilógrafo e durante nossa conversa, descobri que largou a advocacia há mais de 60 anos para viver unicamente de cordel e xilogravura.

Franklin Maxado, o mais simpático autor de cordel e Xilógrafo

Apesar da forte chuva, as pessoas começam a chegar ao evento e passar pelo cordelista simpático e de boa conversa. Com a mesa repleta com os pequenos livrinhos, Maxado comenta: “aqui tem uns 120, mas já escrevi mais de 500”. Além dos cordéis, o artista levou xilogravuras para seu estande e, orgulhoso, comentou que conheceu todo o Brasil e vários países ao levar seu trabalho para festivais e eventos de arte. Ao ver que me interessei por uma xilogravura com a imagem de um time de futebol, ele comentou “este é em homenagem à seleção de Portugal campeã da Eurocopa, foi sucesso e vendi todos em Portugal, só sobrou este”. Sobre uma arte representando uma índia com estilo gótico, ele revelou: “este eu fiz durante uma viagem ao Peru”. Acabei levando duas xilogravuras, uma delas retrata uma banda da qual Maxado explica: “a banda se chama Bendegó, e conheci em Canudos, nem sei se ela existe mais, foi há muito tempo”. Para quem não sabe, Bendegó é o nome de um famoso meteorito encontrado no sertão da Bahia no século XVIII e hoje está em exposição no Museu Nacional.

Maxado com duas de suas obras

Dificilmente em um evento numa grande capital, alguém teria tempo e espaço para conversar tranquilamente com um dono de editora e um autor e artista de xilogravuras como Maxado Nordestino.

Xilogravura Portugal Campeão da Eurocopa

Para fechar a minha visita, assisti a um show do Danilo Caymmi, um dos grandes nomes da MPB. Danilo cantou, para um público reduzido – por causa da forte chuva – por mais de uma hora os grandes sucessos de seu pai, Dorival Caymmi, e contou histórias divertidas sobre as composições. Ele finalizou a apresentação com “Andanças” uma das mais belas musicas da MPB, e de sua autoria.

Feliz com meus livros, cordéis, xilogravuras e com as conversas sobre literatura e arte, fui pra casa pensando na grande importância de tais eventos para a cultura do interior e para crianças e adolescentes dessas pequenas cidades. Fica a esperança de mais eventos como esse.

Minhas compras

 

Texto e fotos: Maxson Vieira

 

Sobre o autor

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Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.


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