Resenha: Black Hammer (Sem spoiler)

Publicação da editora Intrínseca que, entre os anos de 2018 e 2020, trouxe ao Brasil essa que é uma das mais premiadas histórias do Jeff Lemire.

A história começa mostrando um grupo de super-heróis vivendo como uma família, numa pequena fazenda onde todos os dias parecem iguais. São eles: Abraham Slam, Menina de Ouro, Coronel Weird, Madame Libélula, Barbalien e Talkie Walkie. Eles não sabem como foram parar naquela fazenda, em qual lugar ela fica, ou, muito menos, como sair de lá. A única certeza é que irão morrer se tentarem ultrapassar um determinado perímetro, assim como morreu Black Hammer, o mais poderoso do grupo.

Perto da fazenda, e dentro do perímetro seguro, existe uma pequena cidade onde tudo parece meticulosamente em ordem. As pessoas vão aos seus trabalhos, às igrejas, às lanchonetes e o cotidiano se repete sem grandes surpresas, pelo menos até alguém do grupo começar a investigar a fundo a história do lugar.

Com o passar das páginas, é revelado que todos eles foram parar naquele lugar, há 10 anos, após derrotarem o vilão chamado Antideus. Esse personagem é retratado como a materialização de todo o mal no universo, cujo único objetivo é destruir toda a existência.

No período em que se passa a história, todos os personagens já perderam a esperança de sair da fazenda e estão acomodados. Com exceção da Talkie Walkie. Ela é a única a não se conformar com a situação e se empenha a construir sondas para tentar se comunicar com o exterior. Após várias reviravoltas, os segredos daquele lugar e de toda a situação vão sendo revelados durante os quatro volumes da série.

Ao começar a leitura desse material, é inevitável a comparação com a série de TV “Lost”. Todos os elementos que prenderam a atenção de milhões de pessoas à televisão, estão presentes nesse quadrinho. O que é a ilha/fazenda? Como foram parar lá? Estão mortos? Quem são as pessoas que habitam a ilha/fazenda? Como sair? Essas perguntas não foram respondidas em “Lost”, mas vão sendo desvendadas em Black Hammer ao longo das suas 688 páginas de história. Há várias estórias paralelas que dão profundidade aos personagens, mas vou me conter e não contar spoilers.

Essa série é uma das maiores homenagens que algum escritor já fez para os quadrinhos de super-heróis. E isto só poderia vir de um grande fã e leitor dos quadrinhos da Marvel e DC. Jeff Lemire mostrou ser essa pessoa. E fica evidente o quanto que ele se inspirou nas histórias das duas maiores editoras de quadrinhos americanas para escrever esse enredo. Elementos presentes nas aventuras de Capitão América, Demolidor, Thor, Shazam, Mulher Maravilha, Caçador de Marte, Novos Deuses, Os Perpétuos e Flash Gordon foram utilizados para compor as características dos personagens de Black Hammer.

Qualquer leitor acostumado com esses heróis vai identificar referências por toda a obra do Lemire. São tantas que ficaria impossível citar todas neste texto, mas uma das mais interessantes e criativas é a referência em relação aos intermináveis reboots que existem na DC comics. Mas nem só de referências vive esse quadrinho, mas também de críticas.

Uma das críticas envolve a personagem Menina de Ouro. Ela é uma mulher de meia idade chamada Gail, que ao gritar o nome de um velho feiticeiro, ganha poderes de super força, voo, resistência… (parece familiar?). Mas ao contrário do Billy Batson, a Gail volta a ser criança de 9 anos quando ganha os poderes. É como se o Lemire nos lembrasse de que os quadrinhos de super-heróis foram criados para o público infantil.

Outra crítica bastante forte ocorre em relação a pessoas que não querem enxergar a realidade. Em determinado momento da história, alguns personagens decidem viver numa eterna fantasia em vez de encarar a realidade do seu mundo. Muito atual para os dias de hoje, principalmente no Brasil onde pessoas pobres professam ser de direita, capitalistas, a favor de grandes empresas e do estado mínimo.

Também é possível perceber certa ironia no fato de que o único personagem que ainda cultiva a esperança de sair da fazenda é um robô, um ser sem sentimentos. Lembro-me de uma passagem de Sandman (que é uma das referências de Black Hammer), em que Morpheus disputa, e ganha, um jogo de palavras com Lúcifer e a última palavra proferida é esperança. A esperança, um poder que supera até o fim da existência e o fim dos deuses e mundos, reside num robô e não em um humano.

Apesar de possuir uma premissa muito parecida com a série “Lost”, o Lemire não cai nos mesmos erros e encontra soluções satisfatórias para os enigmas apresentados. Ao final da leitura, todas as respostas estão lá (boas ou ruins, dependendo do ponto de vista). Outro ponto forte é a dinâmica da obra, que prende o leitor desde a primeira página. A vontade é ler todos os volumes no mesmo dia.

A arte fica por conta do Dean Ormston e casa muito bem com a história. simples, mas objetiva e agradável, consegue deixar tudo mais interessante. A colorização feita pelo Dave Stewart é muito bonita, ele usa uma paleta muito variada. Apesar de muito colorido, as cores contribuem para o ar depressivo que envolve os personagens.

Gostei muito da leitura e indico a todos que gostam de boas histórias de mistério e suspense. Indico mais ainda para quem assistiu todas as temporadas de “Lost”, pois estes podem sonhar com possíveis finais diferentes.

As edições da Editora Intrínseca são simples, mas muito bem feitas. Constam de capa cartão, papel couchê e alguns extras. O preço de capa de cada um dos quatro volumes é de R$ 49.90, mas podem ser facilmente encontradas com bons descontos em sites especializados.

 

Maxson Vieira

Sobre o autor

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Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.


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