Resenha: A Morte do Super-Homem

“De um jeito ou de outro o medo sempre faz parte da nossa vida. Eu tenho medo de falhar, de machucar pessoas inocentes… e, pra ser sincero já tive medo de criaturas que encontrei… seres poderosos o bastante para me matar.”

 

Não costumo e não gosto de escrever sobre leituras que não me agradaram. Mas vou abrir uma exceção para essa história devido ao grande nível de nostalgia que ela me traz.

A Morte do Super-Homem” foi publicada no Brasil originalmente pela editora Abril no ano de 1993 e até 2021 teve também edições publicadas pelas editoras Eaglemoss e Panini.

A história começa com um mostro surgindo no interior dos Estados Unidos e destruindo tudo que encontra pela frente. Rapidamente o caso é reportado às autoridades e a Liga da Justiça é convocada para dar um basta na situação. Desfalcada do Super-Homem, o seu membro mais forte, a Liga é literalmente estraçalhada pelo monstro, que ganha o nome de Apocalypse.

Ao saber da situação, o Super-Homem deixa a entrevista que concedia a uma rede de TV e parte para ajudar. No momento em que o Homem de Aço se depara com Apocalypse, começa uma das sequências de luta mais impressionantes das histórias em quadrinhos. Os dois oponentes trocam golpes que vão aumentando de intensidade com o passar das páginas, e todos que se intrometem na luta acabam muito mal.

Super-Homem chegando para a batalha

Num momento em que o Super-Homem se afasta para salvar uma família do fogo causado pela briga, Apocalypse entra num shopping à beira de uma estrada. Lá ele vê uma propaganda de um evento de luta livre em Metrópolis e decide ir para tal cidade. Quando o monstro chega à cidade grande, o Super-Homem decide que irá levar a batalha até a ultimas consequências para salvar a população. No final, exaustos e gastando as últimas energias os dois oponentes se esmurram tão forte que acabam mortos.

A NOSTALGIA

Li essa história pela primeira Vez quando eu tinha 10 anos. Na época tive a certeza de estar lendo uma das mais importantes histórias em quadrinhos já feitas, afinal o maior herói de todos os tempos morria no final. Reli mais algumas vezes, ainda durante a adolescência, e continuei gostando muito. Entretanto, depois de 20 anos, durante a ociosidade da pandemia, resolvi reler novamente e a minha opinião mudou radicalmente.

Antes de continuar com a minha opinião sobre a história, é importante contextualizar o cenário dos quadrinhos na década de 1990. Aqueles foram anos difíceis para a indústria das HQs, em que a queda nas vendas quase levou à falência as maiores editoras norte-americanas. Para tentar alavancar o mercado e combater o avanço de novas editoras, a alta cúpula da Marvel e da DC criaram as mais estúpidas histórias, como “A Saga do Clone” do Homem Aranha, “Massacre Mutante” dos X-Men, e a “Queda do Morcego” do Batman (poderia citar aqui várias outras). Quase a totalidade das histórias privilegiavam personagens masculinos estourando de tanto músculos, heroínas com pernas e peitos gigantes, e todos eles armados até os dentes. A arte era o que mais importava, em detrimento dos roteiros, que eram carregados de violência gratuita.

Nesta miríade de absurdos dos quadrinhos americanos da década de 90 é onde nasce a “Morte do Super-Homem”. Foi uma tentativa desesperada de chamar a atenção das pessoas para o maior personagem da cultura pop, mas cujas vendas caíam ano após ano. A estratégia de marketing foi ótima e teve repercussão mundial, com cobertura de todo tipo de mídia. Até aqui no Brasil a história repercutiu, tendo a Rede Globo fazendo uma matéria em rede nacional no Fantástico. Entretanto, o roteiro desta HQ foi muito mal feito.

Como tudo da época, a arte dessa história é incrível. Os desenhos, em especial do Dan Jurgens, são incríveis. Poucas vezes vi o personagem tão bem desenhado, com tantos detalhes e tão forte. A paleta de cor utilizada é outro dos pontos fortes, as cores parecem saltar das páginas ávidas para chegarem aos nossos olhos. Entretanto, como tudo da época, o roteiro é sofrível.

Toda a história pode ser resumida em uma única frase: “Um monstro surge do nada, derrota toda a Liga da Justiça e troca socos com o Super-Homem até os dois caírem mortos”. E não é exagero da minha parte. A história é tão profunda quanto um prato de sopa e infelizmente, ao que parece, foi feita intencionalmente para ser apenas uma bomba de marketing para o personagem.

Durante a narrativa aparecem alguns erros grosseiros de roteiro. O primeiro que é o fato do Apocalypse destruir um caminhão com apenas um soco, e pouco depois este mesmo soco não causa grandes danos em Gelo, uma humana que tem apenas o poder de criar… gelo. O soco deveria pelo menos partir a personagem ao meio. Outro furo facilmente observado é que Apocalypse, um monstro que estava enterrado, que não consegue falar nada além de grunhidos, assiste a uma propaganda de luta livre e entende que ela acontecerá em Metrópolis. Como se não bastasse, consegue ler a palavra “Metrópolis” numa placa e segue na direção apontada.

Helicópteros a uns 20 metros do chão.

Outro erro no roteiro tem a ver com os helicópteros das redes de televisão que cobrem a luta. Eles voam em meio aos prédios e a poucos metros do chão. Eu não entendo muito sobre pilotar tais veículos, mas acho que isso passa longe do protocolo de segurança. Outra bola fora do roteiro se trata da presença da Lois Lane no meio da luta. Os golpes trocados pelos dois oponentes têm a força de quebrar vidraças nos prédios ao redor, no entanto, Lois está a poucos metros deles e nada acontece. Nem um tímpano danificado.

O roteiro inteiro parece se preocupar apenas em focar nas lutas e no quão forte são o Super-Homem e o Apocalypse. Como já falei anteriormente, o mercado de quadrinhos americanos na época era pura pancadaria, e os autores tinham consciência e brincam com isso. Tanto que, no início da história, quando o Super-Homem está numa entrevista de TV, uma garota solta a seguinte pergunta: “Fala um pouco da violência, Super! Você não se cansa dela? Não é melhor discutir um problema em vez de acertar a cabeça de alguém?”. Para quem viveu e entende o contexto das HQs dos anos 90, isso é motivo para uma grande gargalhada.

Apesar do roteiro ser muito fraco e dos imensos furos de roteiro, gostei da leitura. Não pela obra, claro, mas pelo saudosismo que ela me traz. Eu tinha 9 anos quando ela saiu no Brasil e lembro que fiquei muito curioso para ler. Quando a vi na banca de revistas, passei dias pensando em como conseguir dinheiro para comprá-la e para isso eu comecei a ajudar meu pai. Morávamos perto de uma feira livre, meu pai trazia as bananas da roça e eu ajudava a separar em pencas e a vender em nossa garagem. Ao fim do domingo, ganhava alguns trocados que juntei para comprar o meu sonhado volume de “A Morte do Super-Homem”. Devo ter lido umas 50 vezes durante a minha adolescência e é um dos poucos quadrinhos daquela época que ainda guardo.

Vou reler o restante da série (Funeral para um Amigo, Super-Homem Além da Morte, O Retorno do Super-Homem e a Revanche do Super-Homem) e a depender do resultado, farei outra resenha.

Para quem está entediado durante a quarentena ou quer ler algo independente da qualidade do roteiro, ela é um prato cheio.

Pode ser encontrada em sebos, já que está esgotada na editora.

 

Por Maxson Vieira

Sobre o autor

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Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.


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