Resenha: Dylan Dog – O Retorno do Monstro

Essa é uma publicação da editora Conrad, de abril de 2002, que compõe uma minissérie em seis volumes do personagem italiano, no intuito de pesquisar o mercado brasileiro para publicações regulares do Dylan Dog.

Para quem ainda não conhece o personagem, Dylan Dog é um ex-policial de Londres que resolveu largar o emprego e se dedicar a investigar crimes que envolvem o sobrenatural, daí o seu apelido “Detetive do Pesadelo”. Sua publicação teve início no final da década de 1980 na Itália e alcançou enorme sucesso e batendo recordes de venda. Na década de 1990, chegou a vender mensalmente mais 1 milhão de exemplares somente no seu país de origem.

Com roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Luigi Piccatto e capa do Mike Mingola, “O retorno do monstro” foi publicada originalmente na Itália no ano de 1987.

A história começa mostrando uma garota chamada Steele acordando de manhã em uma mansão e, aparentemente, ela está cega. Anda pela casa procurando seus pais e empregados, mas não nota que todos eles estão mortos pela casa. Ao chegar ao escritório, consegue tatear e acha seu pai, mas a cabeça dele se solta do pescoço e ela percebe que ocorreu uma tragédia.

Alguns anos mais tarde, essa mesma garota, agora mulher, casada e com uma filha procura Dylan Dog para pedir ajuda. O homem que supostamente cometeu a chacina fugiu da prisão psiquiátrica onde estava e Steele supõe que ele irá se vingar dela. O homem em questão se chamava Damien e era um trabalhador da fazenda dos pais da garota.

Dylan aceita trabalhar no caso e inicia as investigações pela prisão psiquiátrica. Lá ele descobre que Damien possui algumas peculiaridades incríveis como força e resistência muito acima do normal e que é praticamente imune à dor. Ao chegar à antiga mansão, Dylan é recebido por um verdadeiro exercito protegendo a propriedade, mas mesmo assim elabora um plano de ação caso o assassino invada o terreno. Mesmo com toda a segurança, Damien tenta furar o bloqueio e a perseguição a ele revela segredos tanto da velha propriedade, quanto do passado de Steele.

Momento em que Steele acorda, mas não percebe que todos na mansão estão mortos

Gostei muito do enredo deste volume de Dylan Dog. O primeiro aspecto que chama a atenção diz respeito ao mal causado quando os pais interferem nas escolhas dos seus filhos. O desejo de ver os filhos seguindo determinado caminho, algumas vezes parece superar a vontade de vê-los felizes.

Há alguns anos conheci uma garota que foi vítima da soberba dos pais. Ela vinha de uma família tradicional que há décadas possuía um grande escritório de advocacia. Ela, entretanto, gostava muito da vida no campo, e sonhava em se formar em agronomia para tomar conta da fazenda dos avós. Pressionada pelos pais, acabou fazendo faculdade de direito, mas depois da formatura foi proibida de entrar na fazenda e decidiu fugir de tudo. Desde então, passou a rodar o Brasil como andarilha. Parece coisa de “adolescente revoltada”, mas, se analisarmos, ela deve ter passado por uma frustração muito grande ao se ver proibida de seguir os seus sonhos.

Exemplos como este não são poucos e muito frequentemente envolvem questões de relacionamento amoroso. Qualquer pessoa já passou pela experiência própria ou de algum amigo(a) arrumar um(a) namorada(o) e encontrar dificuldades com a família de um dos lados. Exatamente o que ocorre neste volume do Dylan Dog quando Steele, ainda adolescente, é proibida de se relacionar com um rapaz humilde. Ela levou por toda a vida problemas psicológicos relativos a isso.

Outra questão interessante trabalhada deste volume é que, nem tudo é o que parece. A nossa sociedade possui uma grande capacidade de fazer pré-julgamentos e, muito frequentemente, os condenados são pessoas de classes sociais mais baixas. Com uma constância muito grande, vemos pessoas pobres e pretas serem acusadas e julgadas por crimes que não cometeram. Nesta história, o Dylan Dog tem uma pequena intuição de que as coisas não são exatamente como são contadas, mas somente no final tudo se encaixa. Uma pena que, como na maioria das vezes na vida real, foi muito tarde.

O roteiro escrito pelo Tiziano Sclavi, criador do personagem, é muito bem desenvolvido, mas um pouco prejudicado pela quantidade limitada de páginas. A editora Bonelli raramente foge dos padrões definidos para cada personagem, e as histórias do Dylan Dog são limitadas a 100 páginas. Neste volume, isso se mostrou um problema, pois o roteiro poderia ter sido mais bem trabalhado com umas 30 páginas a mais. A revelação da verdade por trás do assassinato dos pais de Steele ocorreu muito rapidamente nos momentos finais e de forma bastante direta, o que deixou uma sensação de que havia mais coisas a serem contadas.

Os desenhos são muito bem feitos, e acima da média para a época da publicação. O artista trabalha muito bem os cenários e os espaços negativos dos quadros. A narrativa gráfica é fluida e agradável, sendo possível ler a aventura em menos de uma hora.

Para quem gosta de suspenses e histórias e ler sobre famílias que escondem a sujeira debaixo do tapete, este é um prato cheio.

A edição tem 100 páginas com miolo em papel off-set e capa cartonada. Atualmente, esta edição pode ser encontrada apenas em sebos, pois está esgotada há bastante tempo. A editora Mythos, que detém os direitos de publicação do personagem no Brasil já se mostrou reticente a republicar histórias repetidas do personagem. Vamos torcer que mudem de ideia.

 

Por Maxson Vieira

Sobre o autor

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Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.


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