Reutilização de prédios históricos mantém memória preservada

A cidade de São Paulo comemorou 469 anos em 2023 e ao longo do tempo diversos prédios se tornaram importantes não só para a arquitetura, mas também para a arte urbana da cidade. As construções mais marcantes seguem conservadas e são usadas pelos moradores e pela Prefeitura da metrópole para novas finalidades.

Mesmo com novos propósitos, os prédios seguem preservados e ainda guardam marcas do desenvolvimento de São Paulo. A maioria está no centro da cidade e eles podem ser conhecidos pelo público através de visitas guiadas e foram tombados como patrimônio histórico.

A cidade é conhecida por ter seus prédios históricos como um grande atrativo para quem se interessa por história, arte, cultura e arquitetura. Seja como protagonistas de obras e fotografias ou como sede de eventos culturais, os edifícios seguem fazendo parte da agenda de quem mora e visita a cidade além de serem importantes instrumentos de preservação da memória cultural e arquitetônica do Brasil.

“Além da segurança, os cuidados com os prédios históricos que temos em São Paulo são necessários para preservar a história da nossa cidade e estado. É fundamental que sejam mantidos os mais altos padrões de manutenção e restaurações prediais”, explica o engenheiro Paulo Sérgio Ramalho, diretor de uma franquia especialista em pinturas de áreas externas e internas.

Entre os prédios históricos marcantes da cidade estão o Centro Cultural do Banco do Brasil, o Edifício Guinle e o Edifício Martinelli. Cada um deles foi criado com um objetivo e, após anos de uso e restaurações, hoje são reutilizados pelos moradores, fazendo parte da rotina da cidade. Vamos conhecer um pouco sobre eles:

O edifício do Centro Cultural do Banco do Brasil. Foto: Divulgação

Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB): localizado no centro da cidade, o prédio foi inaugurado em 1901 e se tornou popular apenas quando foi adquirido pelo Banco do Brasil, em 1923. O edifício foi reformado com base no projeto de Hippolyto Pujol e passou por novas obras até 1927. A agência funcionou no local até 1996, quando uma repaginação transformou a construção no centro cultural que foi inaugurado em 2001. Atualmente, o prédio oferece visitas guiadas, exposições, teatro, cinema e outras atrações.

O Edifício Guinle. Foto: Yahisbel Adames/Wikimedia Commons

Edifício Guinle: também projetado por Hippolyto Pujol e localizado no centro da capital paulista, o Guinle é uma construção em estilo art nouveau com sete andares considerada o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo. Inaugurado em 1913, ele tem 7 andares e 36 metros, altura fora dos padrões para a época em que foi construído. Inicialmente, ele seria sede paulista para os negócios da família carioca Guinle & Cia, mas atualmente abriga a loja, estoque e sala de reuniões de uma empresa de calçados.

O Edifício Martinelli. Foto: Wilfredor/Wikimedia Commons

Edifício Martinelli: inaugurado em 1929, após cinco anos de obras e com apenas 12 andares, o projeto foi definitivamente concluído 1934, atingindo 30 andares e 105 metros de altura. Com o passar dos anos, o edifício passou por muitas mudanças sociais. Em sua fundação era considerado um prédio de luxo, sendo ocupado por hotéis, clubes, partidos políticos, restaurantes, jornais e boates. No entanto, com a chegada da década de 60, a precarização chegou ao edifício, que enfrentou o colapso dos elevadores, acúmulo de lixo, domínio do crime organizado e casos de assassinatos. Apenas em 1975 o Martinelli passou por remodelação e voltou a receber os devidos cuidados. Atualmente tem sua volumetria e fachada tombadas, além de ser 80% de domínio da prefeitura, abrigando a SP Urbanismo, a Secretaria de Habitação e outros órgãos municipais.

Para falar um pouco mais sobre o processo de reutilização de prédios históricos, a coluna conversou com Fernanda Ghirotto, arquiteta e urbanista e mestre em Preservação do Patrimônio cultural e com Claudio Arroyo, também arquiteto e urbanista. Os dois são diretores da Dekko Arquitetura e Design e falaram sobre a importância da conservação e reutilização de prédios históricos e também sobre os desafios desse processo e ainda citaram outras construções do Brasil que foram reutilizadas. Confira:

Do ponto de vista artístico-arquitetônico e também cultural e urbanístico, qual a importância da conservação e reutilização de prédios históricos?
Fernanda:
A conservação de edifícios históricos, além de ser uma maneira de preservar a história de uma cidade, é também a preservação da memória coletiva de uma sociedade, constituída por atividades cotidianas, modos de viver, de se relacionar, de se apropriar dos espaços públicos e privados. Não é o fato de uma edificação ser antiga que ela se tornará automaticamente um patrimônio cultural a ser preservado. A edificação é reconhecida como patrimônio cultural quando ela é uma referência para um grupo formador da sociedade, se tornando um marco tanto para a cidade quanto para as pessoas que usufruem desse lugar. Elas trazem um senso de pertencimento e identidade para a população que se apropria, usa, valoriza e modifica o lugar.

Claudio: É fundamental que a edificação permaneça em uso, mesmo que para isso seja necessário repensar a sua ocupação, trazendo usos mais atuais e mantendo assim a vitalidade da cidade. Essa conversão de uso é também uma das formas de pensarmos a sustentabilidade na construção civil. A manutenção das edificações existentes evita a geração de entulho na sua demolição, reduz a utilização de novas matérias primas e consequentemente as emissões de carbono.

Quais os desafios encontrados na reutilização de prédios históricos em novas finalidades e, principalmente, na manutenção/conservação tanto estrutural quanto arquitetônica?
Fernanda:
Ao elaborar um projeto de restauração de edificações históricas, é importante o respeito ao imóvel como um todo, observando as técnicas construtivas e os materiais utilizados de forma a não conflitar com materiais e técnicas atuais que podem levar a degradação da edificação. É necessário que os profissionais envolvidos no projeto tenham conhecimento técnico e sensibilidade para propor soluções adequadas tanto para a recuperação quanto para a adaptação das edificações de forma a garantir a compatibilidade entre os materiais, as técnicas construtivas e a harmonia estética, inclusive de novas edificações anexas.

Claudio: Outro desafio é a adequação das demandas e normas de segurança atuais de instalações prediais, como rede de tubulação hidráulica, elétrica, etc, ao imóvel cultural existente. Dessa forma, muitas vezes é necessário pensar em soluções alternativas de projeto para a execução dessas instalações.

A Fábrica Santa Amélia em São Luis (MA). Foto: Divulgação

Falamos na reportagem sobre três prédios históricos da cidade de São Paulo, mas sabemos que são apenas alguns exemplos. Quais outras construções históricas espalhadas pelo Brasil também passaram pelo processo de reutilização?
Claudio: Temos a Fábrica Santa Amélia em São Luis (MA). O local inicialmente abrigou a Companhia de Lanifícios Maranhense e atualmente abriga os cursos de Turismo e Hotelaria da UFMA e Hotel Escola. Tombada pelo IPHAN. Em Belo Horizonte (MG), temos os prédios do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, um conjunto de edificações que abrigaram Secretarias de Estado e que atualmente abrigam Museus e Centros Culturais. O local é tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA) e pela Diretoria de Patrimônio Cultural do Município (DPCA)

Fernanda: Ainda em Belo Horizonte, temos mais dois exemplos: o Cassino da Pampulha, projetado pelo Niemeyer para ser um cassino e que atualmente funciona como Museu de Arte da Pampulha, também tombado pelo IPHAN, IEPHA, DPCA e reconhecido como patrimônio mundial pela UNESCO; e a Serraria Souza Pinto, que foi projetada originalmente para abrigar uma serraria e atualmente funciona como espaço cultural destinado à realização de grandes eventos, feiras, congressos e festivais, e também tombado pelo IEPHA e DPCA.

Em São Paulo, dos três prédios citados, um deles era banco e virou centro cultural, o Guinle era uma sede empresarial e virou loja de sapatos, hoje concentrando estoque e áreas administrativas da empresa, e o outro (Martinelli) era um prédio de luxo tendo abrigado hotéis, clubes, partidos políticos, restaurantes, jornais e boates e hoje é utilizado pela SP Urbanismo, a Secretaria de Habitação e outros órgãos municipais. Aproveitando que vocês são mineiros, quais outras reutilizações interessantes vocês poderiam citar que já aconteceram em Minas?

Palacete que abriga a Academia Mineira de Letras. Foto: Sudhertzen/Wikimedia

Claudio: A Academia Mineira de Letras (AML) em Belo Horizonte foi construída inicialmente para abrigar o consultório e a residência do médico Eduardo Borges da Costa e atualmente conta também com um edifício anexo com uso de auditório. O prédio é tombado pelo IPHAN e DPCA, inclusive. E a PUC Minas Campus Coração Eucarístico, também em Belo Horizonte, originalmente foi destinado a abrigar o antigo Seminário Coração Eucarístico e atualmente funciona como universidade, incluindo salas de aula e órgãos administrativos, além de também ser tombada pela DPCA.

Fernanda: Para finalizar, também gostaria de citar o Complexo do Conde de Santa Marinha (Casa do Conde), ainda em Belo Horizonte. O local é um conjunto composto pelo palacete residencial juntamente com conjunto de galpões utilizados pelo Grande Empório Central e posteriormente foi ocupado pela Estação de Ferro Central do Brasil. Atualmente é tombado pelo IEPHA e pela DPCA e ocupado pela sede da FUNARTE e pela sede do IPHAN.

Sobre o autor

Website | + posts

Cidadão do mundo, jornalista por formação, comunicador por vocação, apaixonado por música, hardnews e ironia, fotógrafo por hobby, escritor e inquieto por criação. Autor de "Coisas da Vida", "O Diário de Arthur Ferraù", "Águas de Março", "Coisas da Vida" e da série "Labirintos do Coração".


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações