ITANHAEN desvairada

Figura 4: Transporte para Itanhaen, quando ainda Peruíbe e Mongaguá ainda eram parte deste município, assim como Praia Grande era parte de São Vicente; entretanto tudo era Praia da Conceição como registra a cartografia do século XVII. Acervo digital IPHAN.

Externar o conhecimento decorrente da pesquisa sobre Itanhaém, ou Itanhaen, ou ITENGE-EHM é para podermos trocar ideias, aprender sempre mais. A pesquisa é consequência da vivência no local, curiosidade para entender, desvendar sobre fatos, conhecer mais da arquitetura na história urbana que nos revela o patrimônio na paisagem cultural. Dentro do possível, a ideia é, trazer a luz fontes encontradas, livre de interpretações.

Nos últimos anos, presencial antes da pandemia, online durante e recentemente híbrido, tem sido realizado pela Prefeitura Municipal de Itanhaém encontros culturais com os professores da rede municipal de ensino, dos quais tenho participado proferindo palestras sobre o Patrimônio Cultural itanhaense e tido a oportunidade de trocar ideias com eles. No ano 2022, o título da palestra sugerido é “Itanhaen ‘desvairada’”, amei. Foi a inspiração que eu estava precisando para organizar o material já publicado em artigos científicos e disponibilizar como ensaios em forma de livro.

Parei, respirei, resolvi consultar o dicionário para esclarecer os significados e não ter dúvida de usar as palavras de modo adequado. “Desvairado/a é um adjetivo, o verbo desvairar: fazer cair em desvario, enlouquecer; desorientar-se, desencaminhar-se” (AURÉLIO, p.160). No dicionário Tupi Antigo: “Itanhaém (SP-BA). De itá + (e)nha’e~ (r,s): bacia de pedra. Deve-se tratar de marmitas, i.e., buracos em leito rochoso de rio” (sic.). (NAVARRO, 2013, p.573), grafia atual.

Para esclarecer sobre a Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade, fui ler o artigo escrito por Fernando Góes, história da Paulicéia desvairada, publicado na Revista do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo. Paulicéia, é o apelido para a cidade de São Paulo, desvairada é um pouco sobre esta cidade escrita em versos pelo professor do Conservatório Dramático e Musical localizado na Rua/Avenida São João, perto do Largo Paissandú. O jovem professor de piano é Mário de Moraes Andrade, que morava em uma casa no Largo Paissandú, “e da janela ele avistava a Avenida São João, nesse tempo ainda não larga, majestosa, cheia de luzes como é hoje, e via os telhados das casas distantes, as janelas iluminadas dos prédios vizinhos” (GÓES, p.151). Curiosidade e coincidências da vida, minhas duas avós e suas irmãs foram alunas de Andrade no Conservatório, e durante o restauro realizado cerca de 2010/2012 acompanhei a obra como arquiteta pela municipalidade da capital junto com outros colegas, uma experiência muito rica em aprendizado diário.

Faz parte do meu cotidiano no século XXI[1] a Paulicéia Desvairada, livro que reúne versos escritos após dezembro de 1920, demorou um ano para tomar sua forma definitiva, e apareceu após cinco meses da Semana de Arte Moderna. Aconteceu de 13 a 17 de fevereiro de 1922, foi sediada no Teatro Municipal de São Paulo, Mário de Andrade colaborou muito, inclusive com um projeto consistente de renovação da literatura. Sinto-me lisonjeada no ano que completa o centenário desta semana tão fascinante para a cultura nacional estar lendo, relendo sobre o moderno que ainda é moderno. Andrade no prefácio tido como interessantíssimo, é muito sincero, um primeiro desvario:

Leitor: Está fundado o Desvairismo. Este prefácio, apesar de interessante, inútil. […][2]

Sobre a grafia Itanhaen, Mário de Andrade, escreveu sobre Patrimônio Cultural, artigo intitulado: “Itanhaen” publicado em 27 de janeiro de 1921, “Os Debates”[3].

Figura 1: Recorte do título do artigo publicado por Mário de Andrade em 1921. Acervo IEB.

Artigo que cito alguns trechos no livro publicado em 2022. Mário de Andrade não só escreveu sobre o Patrimônio Cultural, mas foi um dos idealizadores e implementadores em 1937 do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Retornando a pesquisa base deste trabalho, foi iniciada em 1997 quando foi feito um curso de pós-graduação “Desenho e Gestão do Território Municipal” e o município em tela é Itanhaém, o curso foi realizado na PUC-Campinas – Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Na ocasião o foco já era o patrimônio cultural itanhaense que vive sempre em precária conservação. Esta especialização permitiu a percepção e a relação do patrimônio em questão com o município e região. Neste momento já questionava a acessibilidade, por isso os estudos preliminares para um projeto de restauro e conservação prezando a segurança[4] e acessibilidade. Esses estudos foram expostos na 3ª. Bienal Internacional de Arquitetura realizada em 1997, sob o título: Itanhaém para o século XXI. Tais estudos foram revisados e participaram da Premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil / IAB-SP em 1998, na categoria Projeto de Urbanismo.

O tempo corre e durante a pesquisa do mestrado[5] na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/Universidade de São Paulo (FAU-USP) sobre a história urbana de São Paulo por um fragmento: a Rua São Bento. Foi estudado lote a lote, a arquitetura dos edifícios hoje (2005-2008), e pretérita; foi feita a leitura das transformações e persistências na paisagem urbana da cidade de São Paulo. Em 2005, para a disciplina Técnicas Construtivas da Arquitetura Tradicional Paulista, ministrada pelo arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos, foi feita uma investigação mais aprofundada no Conjunto Arquitetônico da Conceição de Itanhaém em trabalho de equipe com os arquitetos: Adélia Brandão, Carol Tonaccci, Gilson Braga e eu. Para o trabalho individual, foi feito o estudo sobre o casario de Itanhaém, que estava mais íntegro à ocasião. Como consequência, em 2006, foi realizada uma proposta para as fachadas do entorno imediato deste núcleo histórico colonial com apoio da prefeitura, apresentada na Câmara Municipal de Itanhaém junto com os arquitetos do CONDEPHAAT e do IPHAN, assim como, na Associação Comercial ACAI. Por assumir, em 2006, jornada presencial na capital paulista o assunto da regulamentação para as fachadas em Itanhaém ficou de lado; enquanto na capital, entrou em vigor a Lei da Cidade Limpa que melhorou muito a poluição visual.

O tema história urbana paulista perdurou na pesquisa do doutorado na FAU-USP em convênio com o Dipartimento di Architettura da Università degli Studì di Firenze (DiDA-UniFI), o tema da pesquisa é o alargamento da Rua São João em Avenida São João, no recorte do primitivo Largo do Rosário (atual Praça Antônio Prado) até o cruzamento com a rua Ipiranga (atual avenida); ou seja, nas proximidades de onde Mário de Andrade morou e trabalhou, local do remanescente edifício do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

A metodologia utilizada para os estudos aqui externados, bem como na pesquisa do mestrado, com inventário dos imóveis, desenhos, fontes primárias, com foco na arquitetura dos imóveis lote a lote, foi adotada na pesquisa da rua São João, e da atual Avenida homônima. O objetivo é conhecer o patrimônio para averiguar o valor cultural e ser base para projetos de restauro.

 

Figura 2: Pranchas unidas do estudo preliminar para a proposta “Itanhaém para o século XXI” exposto na 3ª. Bienal Internacional de Arquitetura, 1997. Acervo da pesquisa.
Figura 3: Pranchas unidas para a Premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil, 1998.Acervo da pesquisa.

Artigos científicos foram publicados após eu concluir o doutorado e ter folego para escrevê-los. Em 2018: Itanhaém: Patrimônio Histórico e Arquitetônico na Paisagem Cultural, divulgado nos anais do 5°. Coloquio Ibero-americano Paisagem Cultural: patrimônio e projeto; a base do capítulo 1 deste livro: Mário de Andrade – Patrimônio na Paisagem Cultural.

Alguns artigos foram a base dos capítulos 2: Contexto histórico-arquitetônico-urbanístico no Período Colonial; e 4: As duas igrejas da Vila Conceição de Itanhaen: Ermida Nossa Senhora da Conceição; Igreja Matriz Sant’Anna. São esses: para a XVII Jornada Internacional sobre as Missões Jesuíticas realizado no Rio Grande do Sul foi anunciado: Itanhaém-Abarebebê: patrimônio histórico e arquitetônico na paisagem cultural do litoral paulista. No 3º. Simpósio científico do ICOMOS/Brasil, realizado em Belo Horizonte na UFMG em 2019 foi proclamado: Patrimônio Religioso do período colonial em Itanhaém. No 3º. Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira – CIHCLB, realizado em Salvador na Bahia foi apresentado: Itanhaém: as duas igrejas do período colonial. Também em 2019 com o artigo: Patrimônio Cultural da Vila Conceição de Itanhaém, SP-Brasil; participou e foi publicado no Caderno de Resumos Expandido e na íntegra nos Anais do II Congresso Nacional para Salvaguarda do Patrimônio Cultural – CICOP. Na Itália para o Convegno Internazionale ReUSO foi promulgado os artigos: Le tre chiese di Itanhaém dal período coloniale/SP-Brasile, em 2019 na cidade de Matera; e em 2021, Roma no modo híbrido: Il Complesso architettonico della chiesa e delle rovine del convento di Nossa Senhora da Conceição di Itanhaém. Pela Universidade de Sevilha em parceria com a FAU-USP foi publicado em 2020: Itanhaém: Arquitetura Colonial no litoral sul de São Paulo, no livro organizado por Luciano Migliaccio, e Renata Maria de Almeida Martins, No embalo da rede. Trocas culturais, história e geografia artística do Barroco na América Portuguesa.

O artigo Aldeamento São João Batista de Peruíbe, aqui capítulo 3, corresponde ao material publicado em 2022, para a XVIII Jornada Internacional sobre as Missões Jesuíticas realizado em Montevidéu, Uruguay.

O capítulo 5, Casa de Câmara e Cadeia, revela o começo dos levantamentos realizado na Casa de Câmara e Cadeia, edificação que foi sede da Capitania Hereditária de Itanhaém. Neste capítulo apresenta também, o casario e o entorno, trata da monografia sobre o casario colonial existente, complementado com o levantamento das fachadas do entorno, e por fim o Pelourinho neste entorno.

O capítulo 6, Levantamento digital com Laser Scanner 3D + Fotogrametria, traz a luz, as novas experiências que vem sendo realizadas no local conhecido como centro histórico de Itanhaém, utilizando-se das novas tecnologias. Nos anos de 2017 e 2018, para realizar o levantamento digital com laser scaner 3D e fotogrametria teve participação o Grupo de Pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Stefano Bertocci; dos estudantes de doutorado: Monica Bercigli, Pietro Becherini, Matteo Bigongiari; das graduandas: Anastasia Cottini e Chiara Alessi, todos da Universidade italiana. A participação dos Professores Dr. Luciano Migliaccio, Dra. Beatriz Picolloto Siqueira Bueno e Dra. Renata Maria de Almeida Martins, da FAU-USP. Assim como a participação em 2018-2019 das estagiárias de arquitetura: Emanoelle Cristina Cordeiro, Fernanda Gianotti Pereira Fernandes, Maria Aparecida Oliveira e Maria Beatriz Gabara Rodriguez. Parte deste material, em 03 de maio de 2022, foi apresentado no Colóquio Internacional: Paisagem Cultural, Planejamento e Valorização do Território – Itanhaém e Peruíbe, realizado no modo híbrido com a participação do Bispo Dom Tarcísio Scaramussa da Diocesana de Santos, Diácono de Itanhém Ernesto Bechelli, o Administrador Paroquial Pe. Gleyson Quirino de Oliveira dentre outros membros do clero; do Prefeito de Itanhaém Tiago Cervantes, do Diretor de Cultura Tony Sheen; representantes da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Kátia Blotta; da Associação Comercial e Agrícola de Itanhaém – ACAI e da Associação dos Engenheiros e Arquitetos, ambas representadas por Luciana Zion; da historiadora Fátima Cristina Pires, da arquiteta Renata Freijo Rodriguez.

Por fim, as considerações finais:

Itanhaen ‘desvairada’

dos indígenas, entre rios;

passagem dos jesuítas;

sede da Capitania, de Vimieiro;

sob capuchinos, o barroco;

deslumbre dos ciclistas;

inspiradora dos artistas;

curiosidade dos pesquisadores;

praia, garoçá, coruja, jundú,

 mangue, rio, fauna e flora Atlântica;

mar, tainha, conchas;

caiçaras, pescadores;

banana, palmito, mandioca;

Aki ten!

Seguidas das referências bibliográficas, o índice das imagens e anexos: Artigo Itanhaen, 1920, de Mário de Andrade; Artigo Povoação de S. Paulo, 1942, de Lelis Vieira; e uma CRONOLOGIA.

Este trabalho que vem sendo realizado por mim, tem hoje o apoio do Projeto Jovem Pesquisador FAPESP “Barroco-Açu”, Grupo “Arqueologia da Paisagem”, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) em cooperação com o Dipartimento di Architettura da Università degli studi de Firenze (DiDA-UniFI).

No decorrer do tempo, busquei manter a vela da pesquisa sempre acesa, pois o valor cultural do nosso patrimônio histórico arquitetônico é tão importante que um século atrás Mário de Andrade já escrevera sobre isso.

Venha conhecer um pouco de Itanhaen! Em “Itanahen desvairada”.

Figura 5: Folder do Colóquio Internacional. Disponível em:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Notas

[1] A pesquisa de doutorado é sobre a transformação da rua em avenida São João, sob o título: “Rua São João o ‘boulevard’ paulistano da Primeira República (1890-1930)”, 2017.

[2] ANDRADE, Mário de. Paulicéia Desvairada. 1922.

[3] ANDRADE, Mario de. Itanhaém, publicado no jornal “Os Debates”, edição de 24/01/1921. Acervo do IEB, Coleção Mário de Andrade, DPR019_0021.

[4] Entenda-se por segurança, circulação das pessoas, acessibilidade nas edificações assim como a segurança contra incêndio.

[5] A pesquisa do mestrado intitulada: “Rua São Bento: um fragmento da cidade de São Paulo que registra as transformações e persistências na paisagem urbana”, 2008.

Sobre o autor

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Doutora, na área de História e Fundamentos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo / FAU-USP; em parceria com o Dipartimento di Architettura da Università degli studi di Firenze-Italia / DiDA-UniFI. (2013-2017). Mestre na área de História e Fundamentos em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo / FAU-USP (2005-2008). Especialização em desenho e Gestão do Território Municipal, objeto de estudo Município de Itanhaém; PUC-CAMPINAS, 1997/1998. Cursou como extend student na School of Fine Arts da San Diego State University / SDSU California, EUA, 1994-1996. Concluiu a graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos / FAUS (1989-1994). Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FIAM-FAAM-FMU Centro Universitário. (2009-2019) Atuou como professora colaboradora na disciplina de Laboratório de Restauro do Dipartimento di Architettura na Università degli Studi di Firenze em 2016/2017. Atualmente é pesquisadora e colabora como professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Atua como arquiteta efetiva no Departamento do Patrimônio Histórico - PMSP/São Paulo, Museu da Cidade de São Paulo-MCSP. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto de Restauro de Arquitetura. Membro do ICOMOS. Associada ao Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB/SP. CAU n. A22542-8.


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