Resenha: Meu Pai, o Guru do Presidente

Meu Pai, o Guru do Presidente, escrito pela Heloísa Helena de Carvalho Arribas e Henri Alfred Bugalho, é um livro que pretende retratar a conturbada relação entre Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (o guru do presidente) e sua filha Heloísa de Carvalho (coautora da obra). No entanto, o lançamento apressado acabou comprometendo a qualidade do trabalho.

Dividido em 13 capítulos curtos, com um prefácio – escrito pelo Henri Bugalho – e um posfácio do Carlos Velasco – de longe o texto mais bem trabalhado do livro, apesar dos erros de revisão –, a publicação traz informações pouco conhecidas do ícone do pensamento conservador no Brasil. Segundo relata sua filha, Olavo mantinha relações com uma de suas alunas. Isso teria gerado um processo depressivo em Eugênia – mãe da Heloísa e esposa de Olavo à época – que acabou tentando suicídio.

A autora, ainda criança, teria encontrado sua mãe sangrando numa banheira: “minha reação imediata foi sair em disparada à procura de meu pai. Desci correndo as escadas e o encontrei no escritório da escola… dormindo com Silvana, sua amante”, descreve.

Mais adiante, ela conta que, enquanto sua genitora estava no hospício, depois de tentar se matar, “Olavo de Carvalho se viu livre e assumiu seu relacionamento com Silvana. Para tanto mandou meus irmãos para a casa da minha vó materna, e eu fui morar com meu pai e a sua amante num apartamento na rua Tutoia, no Centro-Sul de São Paulo” (sic).

Informações como essa dão outra imagem para aquele que sempre se vendeu como um pai de família dedicado, moralista e conservador. O livro tem mais algumas informações desse tipo. No entanto, boa parte das denúncias não são aprofundadas e outras são baseadas em boatos. Por exemplo:

“Uma dessas histórias bizarras, quase mitológicas, mas que não posso atestar se ocorreu exatamente desse modo, é a da “barca egípcia”, que acabou virando piada entre os críticos do Olavo de Carvalho nos últimos anos.” (p.73)

Ela não pode atestar, não estava lá, não viu. Depois de contar a história, ela conclui:

“Uma cena cômica da qual é difícil pra mim atestar a veracidade, ainda que tenha ouvido relatos de pessoas próximas a ele, mas das quais não tenho como saber se são confiáveis, pois nem lembro mais sequer o nome.” (sic) (p.74)

Antes disso, na página 37, ela escreve:

“Suponho que tenha começado a estudar ocultismo com o psicólogo Alfred César Muller, isto logo após ele mesmo ter deixado o hospício, sem alta, após um ataque de nervos que motivara a internação.” (sic)

Na página 54:

“Inclusive, acredito até que esta fixação que hoje ele nutre por armas também possa ter a ver com este medo que o consome.”

Na página 61:

“Em algum momento, por alguma razão que desconheço, ele assumiu a imagem de polemista e vestiu a camisa.”

Na página 62:

Por isso acredito que, em algum ponto de sua trajetória, ele deva ter percebido que essa figura raivosa de sábio enfurecido, sempre a insultar a tudo e a todos, poderia ser vantajosa para ele.” (sic)

É sempre: “Ouvi relatos…”, “suponho que…”, “acredito que…”, “por alguma razão que desconheço…”. Este não é um livro que apresente provas, apesar do testemunho de Heloísa ser bastante impactante. Seria melhor se ela tivesse investido mais em suas memórias, se aprofundado na descrição daquilo que ela realmente presenciou, dando um panorama mais nítido de sua relação com o guru.

As provas que Heloísa diz ter contra o pai não são apresentadas nessa edição, mas ela apresenta prints de postagens nas redes sociais. Esses prints, é preciso que se diga, foram impressos em baixíssima resolução, o que dificulta a leitura. Para completar, nenhuma das imagens tem legenda e isso atrapalha a compreensão do contexto. Temos também a certidão de casamento da própria Heloísa – que aconteceu quando ela tinha 16 anos – e a reprodução de uma matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo e outra da Folha de S.Paulo. Ambas sobre as seitas que Olavo teria feito parte.

O livro tem sérios problemas de revisão. Os erros saltam aos olhos. Frases confusas e mal escritas, erros de português, muitas informações repetidas. Os trechos mais importantes são contados de formas sumárias enquanto as incipientes reflexões se estendem por páginas e páginas.

No trecho em que relata os processos que Olavo moveu contra ela, Heloísa escreve:

“Já a investigação por formação de quadrilha terminou arquivada por falta de tipificação penal, pois este crime geralmente está relacionado a grandes grupos criminosos, como Yakuza ou Cosa Nostra.”

Fica difícil compreender o que a autora quis dizer com isso. Será que só pode ser processado por formação de quadrilha quem participa de grandes grupos como os citados pela autora?

Parece que não houve um trabalho de edição. Vejamos outro exemplo. Na página 76, Heloísa faz o seguinte relato:

“Ainda quando eu vivia com Olavo na tariqa Tradição, presenciei um caso que se gravou em minha memória, de uma criança, filha de membros da comunidade do Olavo, que nasceu com duas protuberâncias na testa, quase como se fossem chifres incipientes, e que teve de passar por cirurgia plástica para removê-las. Para mim, isto parecia ser um sinal das atividades realizadas, satânicas, quase um bebê de Rosemary. Esta criança era filha de um dos chefes da tariqa no Brasil e que hoje ainda tem a mãe dela como aliada e fiel escudeira do guru Olavo, e – pasmem! – esta moça hoje, em 2019, é professora de catecismo da Igreja Católica.” (sic)

O que Heloísa quer dizer com isso? Eu realmente não entendi. Uma criança nasceu com chifres por causa dos rituais satânicos realizados naquele ambiente? Não seria melhor descrever tais rituais e dizer que, em sua inocência de criança, ela associou a deformação no recém nascido ao satanismo do grupo?

A pressa na publicação comprometeu a qualidade do trabalho. O que se vê é uma obra que fortalece o discurso olavista. Teria sido melhor atrasar a publicação em dois ou três meses e cuidar melhor da edição, revisão e diagramação da obra.

O livro tem 160 páginas – 27 das quais estão em branco –, com margens enormes, problemas de linhas viúvas na diagramação, numeração de página na parte interna, papel Polén Bolt 90gr m², em tipologia garamond, capa cartonada. Editora Kotter Editorial. Custa R$ 54,90 na Amazon.

José Fagner Alves santos

 

Sobre o autor

Website | + posts

José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações