Início de uma grande amizade – Capítulo 03

Aos poucos fomos nos recuperando do susto e o fôlego foi voltando ao normal. De todas as vezes em que eu vim a este rio e fiquei deitado nas pedras observando as nuvens, confesso que aqueles minutos foram os melhores. Nem ligava se já passava da hora de eu ir para casa, eu queria apreciar, refletir durante o período posterior ao ataque da turma do Tuca.

“Obrigado!”, falei ao garoto, sabendo que uma palavra tão simples não abarcaria, realmente, a minha imensa gratidão. Não pensava só no fato de ele ter me salvado, mas também por ter me ajudado a, finalmente, criar coragem para saltar. Aliás, nem posso dizer que foi coragem, porque nem pensamos duas vezes para pular. Foi o instinto de sobrevivência mesmo. Mas de qualquer modo, eu já poderia riscar o salto, uma das últimas coisas da minha lista de desejos a realizar.

“Fazia tempo que eu não me divertia tanto”, respondeu ele com um sorriso no rosto que comprovava a veracidade do que dizia. “Cara, onde você estava com a cabeça?”, “Quebrar a janela do Velho Buldogue?”

“Velho buldogue?”, retrucou ele com uma gargalhada, dando a entender que entendera o motivo do apelido. “Realmente foi mal, mas naquele momento era a única arma para enfrentar aqueles moleques,”  justificou. Eu também sabia que, ele ter quebrado a janela do Velho Buldogue, não era certo, mas não tinha como não rir da cena, o velho soltando, literalmente, os cães em cima da gente.

“E aqueles moleques?”, perguntou ele.

“O que tem eles?”

“Quem são, e por que estavam te atacando? A propósito meu nome é Oliver.” “Eu me chamo Leonardo mas todos me conhecem por Léo. Eles são uns baderneiros. Todos na escola têm medo deles”, respondi sem precisar falar que eu estava incluído no “todos”.

“Alguém precisa dar uma lição neles”, disse ele com convicção, na esperança que eu me ajuntasse a ele neste plano, que ao meu ver era furado.

“Mas eles já aprenderam uma lição hoje”, respondi sem conter a gargalhada. Não tinha como negar que aquela cena tinha sido muito engraçada.

“Você viu aquele gordinho que estava com o pacote de bolacha na mão? Acho que em toda sua vida nunca fez tanto exercício”, debochou Oliver, voltando a rir até perder novamente o fôlego.

Eu gargalhei junto e não demorei a sentir umas pontadas do lado direito da barriga. Não sabia se aquilo era de tanto rir ou se era por ter quase pedido o fôlego dentro do rio. Mas, que era engraçado lembrar deles correndo dos cachorros, isso era.

“Será que todos se safaram”, perguntou Oliver.

“Bom, só saberei amanhã na escola.” Imediatamente surgiram várias perguntas em minha mente, mas uma em especial fez meu semblante mudar: Será que eles vão querer se vingar de mim amanhã? Aquela sensação calma se transformou, imediatamente, num balde de ansiedade.

“Então, amanhã vamos dar mais risadas quando eles chegarem na escola.”, afirmava Oliver, com uma naturalidade impressionante. Eu não sabia se ele era muito inocente, ou se era louco. Bom, doido ele é. Para ter quebrado o vidro do Velho Buldogue, só sendo louco mesmo.

Coitado do Velho Buldogue. Mesmo sendo casmurro, desta vez ele tinha razão para soltar os cães. Precisava arrumar uma maneira de pagar o estrago, mas antes de pensar no que eu poderia fazer, Oliver falou: “Bom, amanhã vamos à escola, damos umas boas risadas, e quando acabar, poderemos vir aqui nadar. E depois passaremos no Velho Buldogue para pagar o vidro. Eu quebrei, eu pago.”

A ideia em si parecia interessante, mas ao analisar por partes percebi que alguns pontos não estavam claros. Como daríamos risadas na escola diante de um perigo iminente? E depois, enfrentar o Velho Buldogue não parecia ser um pensamento razoável. Alguma zica poderia acontecer. De repente, lembrei do beagle que estava ao lado do Oliver no começo da confusão.

“Cadê seu cachorro?”, perguntei.

“É mesmo, já tinha esquecido dele”, respondeu colocando o dedo médio e o polegar na boca para dar um assobio ensurdecedor.

“O nome dele é Skipper”, e antes que ele falasse mais, Skipper apareceu como quem estivesse todo esse tempo atrás das pedras.

Oliver pegou-o nos braços e levou-o até o rio para dar um banho para refrescá-lo. Talvez aquele fosse o motivo dele não ter aparecido antes. O cãozinho conhecia o seu dono, não devia estar muito interessado em entrar na água. Rapidamente ele nadou até nossa direção e começou a se chacoalhar. Suas orelhas pareciam as hélices de um avião que acabou de ser ligado.

“Me conta um pouco da escola. Muita gente, muitas garotas?”, perguntou Oliver. “Tem um número razoável de alunos e, por ser uma boa escola, acaba atraindo um pessoal das cidades vizinhas.”, respondi, já ponderando se deveria citar a Alessandra – a garota dos meus sonhos –, ou se seria melhor não tocar no assunto.

“E garotas”, prossegui, “têm algumas bonitas, mas para mim só tem a Alessandra”.

“Hum, Alessandra! Pelo nome já dá para imaginar que ela é bonita”, respondeu Oliver, todo faceiro. “Vocês estão namorando?”, questionou em seguida.

“Não, ela nem sabe que eu existo” respondi caindo na realidade e esperando algum tipo de chacota.

“Não se preocupe, a gente bola uma maneira dela te conhecer”, tranquilizou-me Oliver.

Fiquei até envergonhado. Estava com medo de falar da Alessandra, achando que ele poderia rivalizar comigo. Em vez disso, ele me ofereceu ajuda numa conquista impossível. Parece que eu tinha, finalmente encontrado um amigo. Mas seria possível nos tornarmos amigos de verdade tão rapidamente? Só o tempo poderia responder.

De repente me dei conta de que estava começando a escurecer e que eu precisava ir para casa, pois meu pai já deveria estar preocupado. O tempo em que jogamos conversa fora foi o suficiente para secar as roupas. Mas o problema era que seria preciso dar uma volta enorme a fim de evitar a turma do Tuca e o Velho Buldogue.

“Nos encontramos amanhã na escola?”, perguntei ao Oliver.

“Sim, com certeza. Eu não perderia esse momento por nada. Preciso ver a cara desses moleques de novo”.

Estendi a minha mão direita para cumprimentá-lo e agradeci novamente pela loucura que ele fez. Ele apenas me acenou com um sorriso no rosto, demonstrando-se satisfeito por ter enfrentado e vencido aquela situação. Peguei o caminho da direita em direção à minha casa. Oliver e Skipper seguiram o caminho inverso. Sem pensar comecei a acelerar meus passos, talvez por medo de encontrar alguma emboscada, principalmente num momento em que já escurecia. Fui pensando em qual desculpa daria ao meu pai.

A caminhada longa seria excelente para meditar em tudo o que havia acontecido. E também para criar coragem de falar a verdade para o meu pai. Embora ele fosse muito rígido em certas coisas, ainda era, ao meu ver, o melhor pai do mundo. Mas eu já disse isso antes.

Terceiro capítulo do livro Tudo que tenho de fazer é sonhar, do Eddie Silva, que está em promoção na Amazon. Adquira já o seu exemplar. A promoção é por tempo limitado.

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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