O tabuleiro de xadrez da política

Dentre os jogos de estratégias cujo objetivo é a diversão, talvez nenhum seja tão completo e complexo quanto o Xadrez.

Para alguns, tão divertida quanto uma partida de Xadrez é a política. Assim como numa partida de Xadrez na política vence quem tem a melhor estratégia e joga utilizando-se de todas as peças no tabuleiro.

O jogo é complexo, mas se souber manipular as circunstâncias e se desviar dos ataques da oposição o jogador sairá vitorioso.

O Xadrez é tão especial que conforme mencionado no trabalho de pesquisa científica da educadora física Carolina Bertê em 2017[1], um enxadrista, mesmo que amador, ao praticar este jogo que também é considerado um esporte, arte e ciência, estará exercitando a flexibilidade mental, raciocínios lógico e matemático, capacidade de negociação, antecipação, perseverança e a habilidade de trabalhar sob pressão e diante de adversidades.

Tudo numa única partida de Xadrez.

Talvez por tudo isso os neurologistas afirmam que a prática do Xadrez pode ajudar a prevenir males como o Alzheimer e acelerar a recuperação em pacientes vítimas de Acidente Vascular Cerebral. Conforme noticiado em abril de 2014 no site da Universidade Metodista de São Paulo, a prática do Xadrez pode auxiliar também no tratamento de crianças e jovens que sofrem com o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Apesar de sua grandeza, o Xadrez tem sua origem incerta. Dos egípcios ao deus Ares passando pela Ásia, China e Rússia existem histórias e lendas diversas que tentam explicar não apenas o surgimento, mas também justificar a semelhança existente entre a forma de jogá-lo e o traçar de uma estratégia de guerra.

O Xadrez, Xatranji em Árabe ou Chaturanga como eram conhecidos seus antecessores na Índia, devido à sua complexidade e por ter sido primeiramente praticado entre a nobreza ficou conhecido como o jogo da nobreza ou dos reis.

O jogo do Xadrez se desenrola num tabuleiro composto por 68 casas distribuídas em 8 fileiras horizontais e 8 colunas verticais alternadas em branco e preto. Cada jogador realiza seu combate apoiando-se em 16 peças que são: 8 peões que ficam dispostos na linha de frente; e atrás temos o rei e a dama no centro ladeados pelos bispos que trazem ao seu lado os cavalos e nas laterais da fileira estão as duas torres.

Excetuando-se o rei, todas as peças possuem um valor que pode variar conforme o andamento do jogo. Cada peça possui também características específicas quanto aos movimentos e capturas. Mas o mais importante a saber é que, o objetivo principal do jogo de Xadrez é conquistar o território inimigo e poder dizer “Xeque mate!”, ou seja, “o rei está morto”.

As formas mais comuns de aplicar um xeque-mate são utilizando-se de peças como a dama e torres, dama e rei, torres e cavalos, bispos e torres e torres e rei. Raramente um Xeque-mate é dado usando-se um peão. Na maioria das vezes eles são usados para abrir caminho para a escalada de outras peças ou então para constituir linhas de defesa.

Podendo ocorrer xeque-mate nas circunstâncias mais diversas e combinando-se das mais variadas formas as peças. Dependendo da habilidade dos jogadores, o Xeque-mate pode ocorrer a qualquer momento da partida de Xadrez.

No grande tabuleiro de Xadrez da política as coisas funcionam de forma muito semelhante.

Existe um indivíduo que ocupa a posição de poder e a seu lado estão aqueles que lhe possibilitam alcançar e manter-se em tal posição, ou que podem destroná-lo. Na base dessa estrutura encontram-se aqueles outros dos quais nos acostumamos a dizer que emana todo o poder.

O rei pode ser qualquer um numa posição de poder relevante. Mas aqui usaremos a estrutura do nosso Estado e, portanto, o rei será qualquer um que tenha sido, seja ou venha a ser nosso representante maior, o presidente ou a “presidenta”.

Pois bem. O rei, embora seja a peça mais importante do tabuleiro, possui algumas limitações de movimento. Caminha apenas uma casa por vez, exceto no movimento defensivo conhecido como roque. Nosso “rei” também, apesar de sua importância, possui certas limitações.

Um exemplo é que ele pode criar uma Medida Provisória, a qual imediatamente entra em vigor. Porém o Congresso tem um prazo de 45 dias para dizer se aprova ou não a MP, podendo ela simplesmente perder sua eficácia em caso de rejeição. Até a palavra do rei pode caducar.

Além disso, nosso “rei” tem seus movimentos limitados pelo STE e pelo STF os quais podem, sob determinadas circunstâncias, impedir a continuação de seu reinado.

Apesar do poder que acumula o rei sozinho fica vulnerável.

Por isso ele depende da proteção da dama para protegê-lo das ameaças internas e externas. Portanto, as mesmas leis que limitam seus atos limitam também as ações dos opositores e servem para legitimar decisões.

É amparado em regimentos internos, códigos de ética, interpretações acerca do que é ou não inconstitucional. Ele precisa observar o que pode ou não ser considerado, ou até oportunamente chamado de crime, antes de se movimentar.

Vejamos: Amparado pelas interpretações oportunistas das leis e regras bem como protegido por seus muitos aliados, Michel Temer apesar de todas as denúncias permaneceu presidindo o Brasil.

Do outro lado Luiz Inácio, foi pré-julgado e condenado com base em alguns indícios e muita convicção, em seguida foi censurado e aguarda outros julgamentos todos com o máximo rigor da lei. Afinal, ele deve servir de exemplo para os demais.

E por fim temos Jair Bolsonaro que após ser eleito, antes mesmo de tomar posse já deve estar percebendo que sem a parceria com o judiciário e muitos aliados não durará muito tempo no poder, afinal as primeiras denúncias contra pessoas ligadas a ele já aparecem nos telejornais.

Como a dama num tabuleiro de xadrez, que pode mover-se em qualquer direção, as leis podem alcançar a todos os indivíduos numa nação. Alguns sentirão apenas os efeitos do peso de sua eficácia, outros se beneficiarão pelo fato de saber e poder manipulá-la a seu favor.

Mas contar apenas com a dama pode não ser suficiente. Algumas vezes o rei, ou quem venha a tornar-se o rei, tem de apelar para os poderes dos bispos.

Os bispos, no tabuleiro, caminham e capturam na diagonal. No início do jogo geralmente não prestamos muita atenção a eles, mas, de acordo com o desenrolar da partida, percebemos que uma peça que pode ir e vir no tabuleiro, cruzando para todas as diagonais, possui um potencial de ataque assustador. Quem subestima o poder dos bispos cai sob seu poder avassalador.

Na manutenção do reinado ou na busca por ele, poucas peças são tão poderosas quanto os bispos. Eles são todas as formas de comunicação de massa, capaz de atingir e influenciar a sociedade, mas principalmente o povão, aquele do qual, conforme já dissemos, “emana todo o poder”.

Antigamente poderíamos dizer que o bispo era representado pelas emissoras de TV e rádio, bem como os jornais impressos, mas nos últimos anos isso foi gradativamente mudando. Recentemente, os bispos tradicionais perderam o combate para os novos “bispos”, os quais, juntamente com as redes sociais, guiaram a decisão das massas.

Mas isso não significa que os velhos bispos estão mortos.

Eles continuam manipulando a opinião do público por meio da repetição de discursos construídos de forma seletiva e tendenciosa, apresentados exaustivamente em telejornais. Além disso, tanto os telejornais quanto os jornais impressos, através de seus conteúdos, formarão a opinião do público quanto à segurança, valores, economia e justiça.

Isso para não mencionar as telenovelas, que se constituem uma das mais eficientes formas de manipular o comportamento social dos brasileiros. De acordo com um estudo apresentada em 2009 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), elas influenciam desde os nomes de batismo até taxas de natalidade e divórcios.

Telenovelas vendem ideias, produtos e o melhor de tudo moldam as pessoas conforme os interesses dos grupos que as veiculam.

Mas, para além da televisão, o poder do bispo se revelou o diferencial em 2018, afinal, foi por meio das redes sociais e dentro dos templos evangélicos, principalmente os neopentecostais que se desenhou a vitória esmagadora de Jair Bolsonaro à Presidência do Brasil.

Mas quando o rei – seja ele quem for – já se encontra no trono, os servos mais úteis são os “cavalos”.

Os cavalos são peças que, de acordo com o desenrolar do jogo e conforme seu posicionamento, tornam-se de grande valor. Isso porque um cavalo bem posicionado no tabuleiro (ex: d4) tem poder de atacar até oito casas, além disso, é a única peça no xadrez que pode saltar sobre as demais. Quando devidamente posicionado e auxiliado o cavalo pode ser tão eficiente quanto duas Torres.

Da mesma forma, o nosso rei tem a seu favor o aparato policial e militar quando precisar encerrar situações que exijam o uso da força física.

Conter multidões, dispersar manifestações contra o rei, deter aqueles cujas ações prejudiquem cidadãos corretos aos olhos do Estado e da dama, é claro.

Os mesmos cavalos que dispersam “blackblocks” protegem os manifestantes do “Fora Dilma” e depois dispersam manifestantes do “Fora Temer”. O cavalo é um animal forte, mas servil e predisposto a obedecer cegamente. Sem os cavalos para fazer o trabalho pesado, o jogo ficaria bem mais difícil para o rei.

As torres, por sua vez, são usadas, geralmente, quando o jogo já está bastante desenvolvido. A torre é a única peça que pode trocar de lugar com o rei para protegê-lo. Isso ocorre na jogada conhecida como roque.

As torres seriam as pessoas fortes que auxiliam o rei. Geralmente os governantes, mesmo os mais despreparados, apostam todas as suas fichas em sua equipe de Ministros. Quando o rei é incapaz de entregar os resultados prometidos começa a sacrificar suas torres.

Um exemplo recente foi produzido pelo ex “decorativo” Michel Temer. O orgulho da maçonaria brasileira, até o momento trocou 15 de seus ministros. A maioria por envolvimento em algum escândalo.

O próprio Temer não pode mais dizer-se homem de “moral ilibada”[2] , mas para manter-se no poder sacrificou suas torres, em alguns casos para disfarçar sua incompetência e noutros para criar cortinas de fumaça para seus atos vergonhosos.

Mas as torres servem para isso mesmo. Elas devem proteger e, se necessário, sacrificar-se pela preservação do rei.

Na linha de frente de todas estas peças está a infantaria, os soldados rasos, aqueles que são os primeiros a tombar mortos.

Os peões caminham apenas para frente e uma casa de cada vez, exceto no primeiro movimento, quando podem andar duas casas. Capturam os adversários na diagonal, e no conjunto formam uma barreira de oito peças. Quando o bicho pega, as primeiras peças que sacrificamos em nome da estratégia, seja ela agressiva ou defensiva, são os peões.

Conhecidos como “fazedores de escada para político subir”, o povão, assim como os peões, progride a duras penas e geralmente morre sem chegar a nenhum lugar significativo.

O mesmo povo que abre caminho através do voto para que o candidato venha a ser rei pode, mais tarde, pintar a cara de palhaço e ir para as ruas reivindicar que ele deixe o trono.

Geralmente os “peões” acreditam possuir saberes suficientes para decidir e poderes bastantes para instituir ou destituir o rei. Não percebem que suas decisões são manipuladas pelos bispos e seus parceiros políticos. Nem imaginam que nada mais são do que peças descartáveis no tabuleiro.

Quando surge uma “crise”, os primeiros a serem sacrificados são os da infantaria, e a infantaria são os peões que perdem direitos, empregos, salários e acesso à educação de qualidade e serviços de saúde.

Mas nada disso importa. O objetivo do jogo é conquistar o reinado e ao mesmo tempo preservar o máximo de aliados.

Como iremos ganhar não importa tanto assim. O importante é ganhar e continuar protegido todo o tempo, cercado de aliados eficientes.

Se estivermos com as peças certas a nosso favor não importará se montaremos um regime comunista, fascista ou o que for. Ninguém sequer irá perceber, pois apesar de serem seres pensantes, estão predispostos a acreditar e a obedecer à dama e aos Bispos. E se alguns saírem do controle, vamos de cavalos neles!

Já diria Jigsaw: – Que comecem os jogos!

O sábio Salomão diria que “não há nada novo sob o sol”, e neste caso talvez devêssemos dizer: – Que continuem os jogos! Pois eles nunca terminam.

 

[1] Bertê, Carolina Elis. Xadrez: Um estudo sobre os seus benefícios para o desenvolvimento cognitivo. UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL- 2017

[2] Pesam contra Michel Temer denúncias por corrupção passiva, obstrução de justiça e formação de quadrilha. Diversos amigos pessoais e ex-ministros foram ou estão em iminência de serem presos.

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