Quanto Vale uma Vida?

Não se iluda!

No Egito Antigo, nem todos eram enterrados debaixo de complexos rituais mágicos com objetos pessoais reunidos e guardados junto com o corpo mumificado em uma tumba cheia de inscrições hieroglíficas.

A maior parte da população, principalmente os escravos, quando morria era jogada em valas coletivas como se fossem sacos de lixo.

Não se engane!

O famoso rei Salomão vivia, juntamente com sua corte, em um mundo de riquezas, isso todo mundo sabe, o que pouca gente sabe é que o povo vivia em miséria, principalmente devido à grande quantidade de tributos cobrados pelo rei para manter suas posses em constante ascensão.

Não desconheça o fato!

A partir da Idade Moderna e com a introdução dos novos meios de produção, as empresas passaram a ver o funcionário como nada mais que uma peça.  Esta deve custar o mínimo possível e oferecer o máximo desempenho. Uma vez que a peça falhe ela é substituída por outra e pronto. Essa peça substituível é você.

Três eventos recentes, aqui no Brasil, nos mostram que independentemente do tempo, existem aqueles que sempre existirão com um único propósito: servir.

Na tarde de 05 de novembro de 2015 ocorria o rompimento da barragem da cidade de Mariana em Minas Gerais. De uma hora para outra a vida de milhares de pessoas mudou drasticamente. Casas, animais, plantações, objetos pessoais e, em alguns casos, amigos e familiares irremediavelmente se perderam.

Sessenta e dois milhões de metros cúbicos de rejeitos levaram consigo histórias, relações de afeto e também dezenove vidas, dentre as quais uma – ocultada por toneladas de lama – jamais terá seu corpo sepultado dignamente.

A mineradora Samarco, que pertence à Vale, até o momento pagou menos que dez por cento dos mais de seiscentos e cinquenta milhões de reais em multas aplicadas desde o desastre em 2015.

Quanto ao pagamento de indenizações às famílias que perderam pessoas e bens, as empresas responsáveis (Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR) protelaram por longos três anos o início dos pagamentos. Durante esse tempo em que famílias foram tratadas com descaso, foram gastos milhões com escritórios de advocacia na busca por assumir o mínimo de responsabilidades.

Foi somente em novembro de 2018 que ocorreu um acordo junto ao Ministério Público. Para as mais de três mil famílias afetadas pelo desastre era o começo do fim de um pesadelo.

Porém, mal apareciam no horizonte os sinais de que a dor de algumas pessoas seria de certa forma reparada e nos surge um novo desastre, e este outro de proporções desesperadoras.

No início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019, nova desgraça envolvendo uma barragem. Dessa vez em Brumadinho, Minas Gerais.

De repente, numa questão de minutos, centenas de vidas se perderam e junto com elas, bens móveis e imóveis. Mais uma vez, no centro da tragédia aparece a outrora Companhia Vale do Rio Doce, atualmente Vale S.A.

Dessa vez foram confirmados, até esta edição, um total de cento e setenta e seis mortos e mais de cento e trinta desaparecidos, dos quais a maioria provavelmente jamais será encontrada.

A Vale se prontificou a pagar o valor de R$ 100 mil às famílias de pessoas mortas sem incluir tal valor nas indenizações. Para alguns pode parecer generoso, mas não é. A maioria das pessoas certamente preferiria descobrir que seu ente querido está vivo.

Para alguns, infelizmente, encontrar um corpo já decomposto sob toneladas de lama será considerado um alívio. Para aqueles que nem isso terão, creio que os R$ 100 mil não trará grande consolo.

E que dizer daqueles que não perderam familiares, mas perderam bens impagáveis, daqueles que gostamos pelo que são e não pelo valor financeiro? Animais domésticos aos quais tinham afeto, amigos e até lugares. Tais coisas, para alguns de nós, não tem preço.

Mas parece que uma desgraça convida a outra.

Na tarde do dia 08 de fevereiro foi a vez da desgraça alcançar o CT George Helal, popularmente conhecido como “Ninho do Urubu”, que pertence ao Flamengo. O local já havia sofrido um pedido de interdição, não tinha alvará de funcionamento e já tinha recebido mais de 30 multas por este motivo.

Como consequência por um possível programa de redução de custos por parte do Flamengo, o Centro de Treinamento, que funcionava ilegalmente já que teria sido lacrado pela Prefeitura do Rio em 2017, custou a vida de dez jovens com idades entre 14 e 16 anos.

Agora Flamengo e Ministério Público estão negociando indenizações e até pensões a serem pagas para as famílias lesadas.

Mas afinal, quem são a Vale e o Flamengo e o que têm em comum?

Primeiramente os volumosos lucros das empresas envolvidas. O Flamengo, por exemplo, apenas com a venda de jogadores lucrou mais de R$ 193 milhões em 2018. E no ano anterior, uma matéria apresentada pela revista Exame demonstrou que o time, além de possuir a maior torcida no Brasil é também o time que mais fatura. Em 2017 sua receita somou mais de R$ 648 milhões. De acordo com o Transfermakt, Flamengo está avaliado em cerca de 83 milhões de Euros.

A Vale possui um patrimônio líquido avaliado em mais de R$ 160 bilhões, e fechou o ano de 2018 com lucros líquidos no valor de R$ 13,51 bilhões.

A empresa atua em 38 países, explora ferro, cobre, alumínio, manganês, fertilizantes e outros produtos de origem mineral.  Suas atividades se estendem à logística, geração de energia e siderurgia. A Vale S.A. emprega mais de 73 mil funcionários e em outubro de 2018 foi avaliada em R$ 304,914 bilhões. Enfim, uma gigante!

Tanto a Vale quanto o Flamengo não diferem muito do sábio rei Salomão ou dos nobres egípcios de outrora. As duas empresas têm por objetivo se beneficiar o máximo possível de todos os recursos disponibilizados pelas peças substituíveis que são seus funcionários. Isso é normal, toda empresa tem esse objetivo.

Acontece que, como Salomão que em sua vida de luxo não se importava com o povo miserável, também empresas como a Vale não se importam se logo abaixo de suas represas existem famílias que podem deixar de existir caso seu descaso se torne evidente por meio de uma catástrofe.

Para eles talvez seja melhor economizar anos e anos de investimentos em segurança e depois negociar uma indenizaçãozinha vagabunda pelas vidas das pessoas.

Como os quase divinos egípcios de ontem, empresas como o Flamengo, estão pouco se lixando para o fato de que o alojamento de seus atletas é inadequado. Para eles importa adestrá-los, experimentá-los e explorá-los ao máximo. Se derem lucro, ótimo! Caso contrário, tem a vala comum do esquecimento os aguardando. Apenas uma peça que não se adequou à engrenagem da empresa.

Os três desastres acima citados são apenas alguns de um universo de descaso por parte das empresas em relação a vida humana, mas se quisermos, podemos forçar um pouquinho  a memória  e nos lembraremos de casos como o desastre envolvendo a TAM em 2007, a Boate Kiss em 2013 e por que não incluir , a destruição do Museu Nacional em setembro de 2018?

Se alguém pensa que algo irá mudar.

Não se iluda!

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