Labirintos ficcionais no coração do escritor

Publicado originalmente na oitava edição da revista Editoria Livre

Arthur Ferraù é um jovem brasileiro que, após várias desventuras amorosas no Brasil, decide ir morar em Londres para estudar e trabalhar. No novo país, ele vive diversas aventuras enquanto busca um novo amor, sempre acompanhado de seus amigos, com quem ele vive as mais diversas confusões.

Porém, entre uma desilusão e outra, e enquanto ajuda os seus amigos, Arthur descobre o grande amor da sua vida bem ao lado dele e de uma forma que ninguém esperava.

Escrito pelo jornalista Jonatas Oliveira (colaborador desta publicação), O diário de Arthur Ferraú é um romance despretensioso, mas que fomenta a reflexão.

Disponível no site da Amazon, o livro tem uma pegada que lembra alguns seriados de sucesso. A seguir você lê uma breve entrevista com o autor.

Gostaria que você começasse nos contando como se deu o processo criativo. De onde você tirou a inspiração para a história?

O livro é 90% composto de ficção baseada em histórias que presenciei e algumas poucas histórias da minha vida, todas dramatizadas e livremente recriadas para dar mais dinâmica e peso dramático. Os outros 10% são histórias criadas e sem inspiração em tramas reais, mas baseadas em comportamentos reais observados por mim ao longo do tempo, ou seja, não vivenciei as histórias desses 10%, mas tomei conhecimento de pessoas e situações semelhantes e, mesmo sem detalhes para compor as tramas, eu recriei livremente essas histórias. Livremente e sem me preocupar com o quanto elas tinham de veracidade ou não. Nos outros 90%, essa preocupação foi mais presente e determinante em todos os momentos.

Você assume algo de autobiográfico na trama?

Na verdade, ele não tem quase nada de autobiográfico, com exceção de algumas tramas que foram vividas por mim, seja como espectador ou protagonista. Alguns leitores e amigos sempre perguntam se o Arthur Ferraù é meu alter ego e sempre digo que ele é uma espécie de “alter ego sem ser”. O perfil do personagem é de fato parcialmente inspirado em mim, mas eu não concordo com a maioria das posturas e atitudes dele. Além disso, o Arthur é absolutamente intenso e desbravador, dotado de um grande senso de justiça que às vezes o mete em enrascadas, enquanto eu sou muito mais pragmático. Costumo afirmar que o Arthur possui o meu humor e um pouco da dramaticidade que eu tinha quando era adolescente, o resto é tudo dele.

De qualquer modo, você assume ter se inspirado livremente em situações que viu acontecer. Não fica receoso?

Não tive medo da exposição, pois tomei muitos cuidados para não identificar e desvincular o material das pessoas que viveram as histórias reais. Inverti tramas, criei perspectivas diferentes das histórias e pessoas, tudo buscando descaracterizar a vida real, mas usar a essência e o enredo do fato. Por causa desse critério, muitas histórias foram também descartadas, por eu entender que a descaracterização aplicada não era suficiente para evitar a exposição e possível identificação. Por outro lado, são histórias relativamente comuns, que acontecem com alguma frequência e muitos já ouviram falar de pessoas que passaram por situações semelhantes na família, com amigos, conhecidos… Apesar de ainda não ser jornalista naquela época, eu sem querer exercitei o olhar jornalístico. Talvez pautado pela inclinação que sempre tive por essa profissão.

Além de usar suas vivências e a de alguns amigos como matéria prima, o que mais te serviu de base?

Eu sempre gostei muito da série Anos Incríveis (1988 -1993) e confesso que a forma de narrar foi inspirado nela, tanto que o narrador do meu livro tem uma ou outra característica em comum na forma de conduzir a história. Também me baseei em The OC 2003-2004) durante o processo e, involuntariamente, a trama também remete ao seriado Friends e Queer As Folk.

Foi realmente involuntário?

Sim. Falo que é involuntariamente pois, durante o processo de escrita do blog e edição do livro, morava em uma cidade com poucos recursos e não tive acesso a essas obras naquele momento. Sabia que existia um seriado chamado Friends sobre um grupo de amigos, mas só fui assistir a um episódio desta série após 3 ou 4 anos. E Queer As Folk, eu só soube da existência porque um leitor do blog comentou que a trama lembrava bastante, mas só tive acesso a ela uns 6 ou 7 anos depois.

Atualmente você costuma acompanhar novelas ou séries?

Eu gosto muito de assistir séries. No passado cheguei a acompanhar algumas novelas com frequência, mas hoje não me considero noveleiro, daqueles que assistem uma novela após a outra, todos os dias e ao longo dos anos. Quando uma nova obra começa, se a trama parece ser interessante no meu ponto de vista, eu começo a acompanhar e, após alguns capítulos, decido continuar ou não. Respeito muito o trabalho de autores, diretores e atores, por ser uma obra bastante complexa e trabalhosa.

Fale um pouco da sua relação com a dramaturgia.

Quando criança, vendo minha mãe acompanhar algumas novelas, eu até cheguei a dizer que queria ser novelista quando crescesse. Hoje, crescido, eu continuo com esse olhar e gosto muito de observar a vida e contar histórias. Quando estou escrevendo, busco sempre me inspirar no cotidiano e tentar retratar a vida da forma como ela é ou como ela poderia ter sido, romantizando histórias e situações, criando uma espécie de paisagem literária com um pé na realidade e outro na livre criação. Às vezes falo com uma pessoa na rua e crio um personagem. Se for interessante, anoto e depois desenvolvo melhor. Inclusive foi assim que nasceu a história que estou escrevendo atualmente. Acho que a teledramaturgia tem isso de explorar o drama, o romantismo, o cotidiano e eu gosto muito de brincar com isso nos meus textos literários.

Você encara a escrita como um processo terapêutico, catártico?

Escrever ainda é, e sempre foi, um processo muito bom e de certa forma terapêutico. E o formato adotado neste livro permite isso. Eu só não esperava a repercussão que tive na época. Pensei que um simples diário inspirado na vida real e narrado por um personagem virtual não seria muito relevante, mas estava enganado. Quando publiquei o blog, que se chamava Minha vida em episódios, cada postagem levava o termo de “Episódio” no título, como em uma série, e o último episódio da temporada 1 (na época eu pensava em fazer várias temporadas da trama), teve uma repercussão tão grande que ficou por 15 dias no ar, então despubliquei para editar o texto para um livro e recebi alguns emails pedindo que eu republicasse o capítulo, porque ainda não tinha lido ou queria reler. Fiz então uma espécie de “reprise” por mais 10 ou 15 dias e então tirei do ar definitivamente. No processo de edição, eu reescrevi todos os textos, falas e mudei o final da história. Nessa etapa decidi não levar o projeto adiante, porque estava em processo preparatório para uma mudança de cidade para fazer faculdade.

Num momento em que tanto se fala sobre intolerância e homofobia, qual a importância de escrever e lançar um livro com personagem principal gay e temática em defesa dos LGBTs?

Enquanto o assunto não for tratado com naturalidade, devemos sempre falar sobre ele. Precisamos entender urgentemente que a expressão do amor é o que importa e não a forma como ele se manifesta. Meu livro caminha nesse sentido e encara a questão da sexualidade de forma leve e natural, com personagens que trabalham, estudam, sofrem por amor, são gays ou heterossexuais e a orientação deles não é o assunto principal. Fui criado dessa forma, sabendo que o importante é o respeitar, [é] a honestidade e a integridade nas relações e na vida, não importando se “entre quatro paredes”, como diz minha mãe, a pessoa dorme com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto. E o que pretendo mostrar com meu texto é isso, que o fato de uma pessoa gostar de alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto é apenas mais uma característica entre tantas outras que o ser humano possui e ninguém deve ser discriminado por gostar de alguém do mesmo sexo. O que realmente importa são outros valores. Aliás, em tempos tão difíceis, gostar de alguém é algo a ser celebrado, não importa se são dois homens juntos, duas mulheres juntas, uma mulher com outro homem.

Acha que autores que trabalham em cima dessa temática deveriam ter maior destaque?

Seria ótimo. Já vi pessoas sofrendo caladas por gostarem de alguém do mesmo sexo e que buscaram refúgio em lugares e situações muito ruins, ou até mesmo morreram por causa disso. É muito triste saber que isso ainda existe e um incentivo às narrativas que exploram a homossexualidade contribuiriam e muito para uma espécie de “descriminalização moral” que os LGBTs sofrem, retratando a normalidade e mostrando que em vez de pedras, são necessários abraços e compreensões, pois um amor não correspondido dói para todo mundo, não importa se gay ou hétero. Apesar de quê, às vezes, no mundo gay é um pouco mais difícil por não ter com quem desabafar, se abrir. Seja por vergonha, medo ou qualquer outro motivo. E então aquilo fica entalado e o sofrimento fica cada vez maior.

Agora eu faço uma pergunta para o Jonatas jornalista: qual sua análise da cobertura que a imprensa brasileira faz dos temas ligados a comunidade LGBT?

Hoje temos muito mais abertura do que há alguns anos, mas ainda precisamos evoluir em diversas questões que possam ajudar a mostrar a naturalidade e a realidade das pessoas que gostam de pessoas do mesmo sexo, buscando promover a aceitação e também denunciando crimes. Como disse anteriormente, observo muito a vida e o cotidiano e percebo que, para muita gente, a homossexualidade é apenas sexo. Neste ponto a imprensa deveria atuar com força, mostrando que essa é uma visão preconceituosa e absolutamente parcial por não considerar que um homossexual pode ter um sentimento genuíno. Graças a Deus (ou seja lá qual for a manifestação do leitor neste sentido) a arte já está tentando há um bom tempo desmitificar isso e já deu alguns passos nesse sentido. Mas, infelizmente, ainda precisamos caminhar mais porque muita gente ainda morre por ser gay/lésbica.
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Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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