o projeto “TRAJETÓRIAS, IDENTIDADES E SABERES DOCENTES”, e as memórias biográficas de UM BIÓGRAFO
Ao mediar a exposição autobiográfica feita pelo professor Anderson, em muitos momentos pensei sobre os desafios que enfrentei e tenho enfrentado como pessoa pobre e de origem interiorana, no espeça acadêmico. É uma trajetória que comprova o que venho discutindo por meio dessa coluna e por meio de minhas produções, sejam elas científicas ou não. A democracia é um mito na sociedade brasileira.
Autora: Hebelyanne Pimentel da Silva.
Em 27 de Abril de 2023, recebemos no projeto “Trajetórias, identidades e saberes docentes” a participação do professor Anderson da Silva Almeida, que apresentou em relato autobiográfico os momentos que marcaram a sua trajetória de vida, profissional e acadêmica. Atualmente o professor leciona na Universidade Federal de Alagoas, como adjunto, e ainda tem recebido homenagens pelo seu trabalho de tese, publicado em livro e finalista no prêmio JABUTI: “… Como se fosse deles: Almirante Aragão – memórias, silêncios e ressentimentos em tempos de ditadura e democracia”. Ao iniciar a reflexão, o professor coloca elementos de sua vida pessoal:
“A minha mãe criou a gente como vendedora de cosméticos: Avon, Natura, Hinode… né. Tudo o que as pessoas do interior sabem que circula aí no comércio, do chamado sacoleira. Aos 14 anos eu comecei a trabalhar, aqui em Itabaiana onde eu moro, como auxiliar de joalheiro. Aqui é muito comum essa coisa das semijoias, né. Lixando, né. Naquelas maquininhas. Parecem maquininhas de dentista pra tirar os defeitos dos anéis que saiam das máquinas. E aí eu fui fazer o ensino noturno, já com 14 anos. Ainda na antiga oitava série”
Como pessoa pobre, o jovem Anderson precisou fazer malabarismos durante toda a vida, para manter-se estudando. Ao finalizar um curso técnico, há duras penas, o jovem, sem grandes perspectivas de futuro, fez uma seleção para aprendiz de Marinheiro. Passou na seleção e foi estudar na escola de aprendiz de Marinheiro, em Pernambuco. Foi para a Marinha, na qual após um tempo passou a exercer a função de músico, e aos 21 anos, com esse trabalho, conseguiu ingressar na primeira faculdade, optando pelo curso de História. Entre 2008 e 2010, fez Mestrado, e em 2010 foi aprovado para o Doutorado e conseguiu uma bolsa, que lhe permitiu abandonar emprego na Marinha. Foi durante o Doutorado que ele conseguiu passar em um concurso público e vivenciou a sua experiência como docente. Quando o seu livro foi indicado a premiação ele passou a servir como inspirador de alunos e colegas que exerciam à docência na Educação Básica:
“[…] foi uma forma de mostrar: olha, nós estamos aqui no agreste de Sergipe. O menor estado do Brasil, no Nordeste, mas é possível a gente sonhar. Então eu sempre dizia isso a eles e a elas”
O professor mostra, por meio de suas colocações, que o sonho é um privilégio de classe. Em poucas palavras o professor discutiu cidadania. Uma cidadania negada pela organização social capitalista. Negada também por outros problemas estruturais:
“Os tribunais de justiça, quase todos vem de sobrenomes, né”
“Para quem não nasce com sobrenomes, no interior do Brasil, o trajeto é muito mais difícil, né. Sobrenomes conhecidos. Porque tem muito disso: Você é filho de quem? Quem é você? Mas eu não tô lembrando quem é sua mãe”.
Ele chama a atenção para a necessidade de estabelecer relação entre a complexidade da realidade, e a teoria que se diz preocupada com sua interpretação. A História de vida das pessoas colabora com a construção de um olhar sensível para tais questões:
“Não tem lugar que você possa observar com mais clareza a diferença de classes, do que dentro de um quartel. Porque o lugar de dormir é separado: de soldados, de sargentos e de oficiais. O lugar de comer é separado. É… A refeição é diferente. No hospital, para vocês terem uma ideia, pra quem não conhece. Um hospital militar as enfermarias são separadas, os elevadores são separados. Você não pode ter contato com aquele superior que ele é quase intocável, né. E aquilo ali, me consumia muito”
O Almirante Aragão estava perdido entre as memórias da Marinha. Ele foi uma voz silenciada, e a pesquisa resultante do Doutorado do professor Anderson, foi feita com o objetivo de abolir esse silêncio. O “soldado vermelho” precisava ser ouvido por uma população brasileira que passou anos idealizando a Marinha. Não surpreende quando o professor diz ter se identificado com o personagem, talvez essa seja uma característica de todos os bons biógrafos, que ao escrever sobre outros e outras, pensam sobre si.
Assista a exposição completa, pelo canal do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica da UFAL:
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Sobre o autor
É Pedagoga, Mestra em Educação e autora da obra "Uma década de PROSA". Busca desenvolver, por meio desta coluna, reflexões majoritariamente autobiográficas sobre as condições de vida das pessoas de origem interiorana, especificamente do interior de Alagoas. Escreve, comumente, crônicas e artigos de opinião, mas também utiliza-se da linguagem poética, quando pertinente à temática destacada.