Infâncias sem nome, em um Brasil de fome: E SE O MEU ÚNICO SONHO FOR VIVER?

Nessa matéria, busco divulgar um trabalho que trata do que chamarei de “Infâncias sem nome em um Brasil de fome”. O trabalho em questão foi produzido pela pesquisadora e antropóloga social, Sandreana de Melo Silva, e muito tem a dizer sobre a democracia brasileira.

(Imagem retirada da dissertação da pesquisadora Sandreana de Melo Silva)

Em 2019 contatei um documento áudio visual produzido em 2010, quando a pesquisadora Sandreana de Melo Silva, levantava dados para a sua investigação, a ser aprofundada no tempo de Mestrado em Antropologia Social. O último, efetivado entre os anos de 2013 e 2015, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), e resultante na dissertação: “’Saia do Sol galego’: o fenômeno do albinismo no Quilombo Filú em Alagoas”. Ela evidenciou, por meio do texto, o processo de certificação e auto reconhecimento dos habitantes da aldeia quilombola “Filú”, então pertencente ao município de Santana do Mundaú, estado de Alagoas.

(Imagem retirada da dissertação da pesquisadora Sandreana de Melo Silva)

No tempo de coleta de dados da pesquisadora, ao que indica a dissertação, iniciado ainda durante a graduação, a comunidade havia recebido, há algum pouco tempo, a certificação de quilombo, especificamente em 2005. Quando a pesquisa estava sendo realizada, os problemas estruturais locais, continuavam sendo graves. Entre eles: ausência de saneamento básico e de capital financeiro. Os fatos levavam, segundo a Antropóloga, muitos dos integrantes do quilombo, a migração para outros estados do país.

 

A autora registrou, por meio do vídeo “Filú em Lutar e Viver”, valiosas colocações que nos ajudam a perceber, mais claramente, os fenômenos sobre os quais discorria em dissertação. Entre os muitos pontos que chamam a atenção no documento áudio visual produzido, está a fala de Rique, uma das crianças albinas. Quando questionado sobre o sonho que tinha, ele responde: “Viver”. Uma resposta tão comum entre as pessoas que vivem à margem do país, as vezes desconhecidas por quem está no topo da pirâmide. Em meio as condições, a manutenção da vida era uma utopia. E Rique reconhecia isso. A mãe do pequeno menino, ao falar sobre os custos para os cuidados com sua pele albina, ressaltava as dificuldades financeiras. Como Pedagoga, observei esse e outros detalhes. As colocações alusivas à formação escolar, negada e precarizada no pequeno vilarejo, também me apareceram como evidencias de que estamos bem distantes de uma democracia. Abelardo, que foi outro personagem evidenciado pela pesquisadora, no vídeo, em sua colocação, ilustrou o modo como o acesso as letras é percebido pela população desvalida brasileira: “[…] o meu pai viu que a gente não aprendia nada. Aí pouco tempo tirou a gente da escola. É o cabo da enxada”. Isso me remeteu tantas vezes as memórias de minha infância. Me fez pensar por tanto tempo no que havia lido em Vidas Secas, de Graciliano Ramos. A seca que enfrentamos está para além de um fenômeno provocado pela Natureza, como já escrevi em outrora. Inconsciente dos seus direitos e da violência sofrida, Abelardo concluía: “[…] a gente não tinha cabeça de aprender”. A culpa que deveria ser atribuída aos causadores das desigualdades, acaba por ser tratada como algo provocado pelo indivíduo marginalizado. Na percepção do último personagem, a sua condição decorria da ausência de esforço.

Destaco também, entre as problematizações feitas pela pesquisadora, que não havia, na população, uma percepção positiva do termo “Quilombola”, pelo estigma social atribuído a este. A condição de albinismo, de alguns integrantes, levava ao que parecia ser uma confusão identitária.

Nesse texto, convido leitoras a consultarem o bonito e necessário trabalho feito, já há um tempo, por Sandreana de Melo Silva. Nas palavras e imagens, por ela coletadas, encontramos os reflexos de um país marcado por desigualdades. De um país que alimenta a injustiça.

 

Acesse a dissertação:

https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/3198/1/SANDREANA_MELO_SILVA.pdf

 

Sobre o autor

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É Pedagoga e autora da obra "Uma década de PROSA". Busca desenvolver por aqui, reflexões, majoritariamente autobiográficas, sobre o conceito de democracia na sociedade capitalista. Escreve, esporadicamente, poesias e crônicas.


2 Replies to “Infâncias sem nome, em um Brasil de fome: E SE O MEU ÚNICO SONHO FOR VIVER?”

  1. Sandreana Melo

    Boa noite! Gratidão por transformar minha dissertação em uma referência para seu artigo, fiquei maravilhada, quando um amigo de Aracaju-Se, falou que tinha alguém usando minha dissertação como referência, fiquei emocionada! Gratidão!! Sou a Sandreana Melo.

  2. Hebelyanne Silva

    Que lindo, Sandreana Melo!! Que alegria ver o seu comentário a esta matéria.
    Li a sua dissertação e fiquei impressionada com a relevância que tem a pesquisa e o trabalho que você fez, para a sociedade Alagoana. Parabenizo pelo visível mergulho e comprometimento com as vidas estudadas. Precisamos de mais pessoas assim no espaço acadêmico!! Espero que tenha seguido aprofundando a investigação no Doutoramento!!

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