É mais fácil seguir o grupo

Existe uma crença muito difundida de que a história humana avança em etapas gradativas e que culminará numa revolução transformadora. O tipo de revolução muda conforme o viés ideológico.

A esquerda acredita na chegada do socialismo real, a direita no liberalismo redentor. Comecemos pelo socialismo. Segundo essa crença, as pessoas terão igualdade de oportunidades numa sociedade muito mais integrada e empática. O liberalismo, por sua vez, prega uma perspectiva não menos utópica. De acordo com essa visão de mundo, basta deixar o mercado com total liberdade que ele se autorregulará. Esse processo seria, na concepção liberal, o único modo de diminuir as desigualdades e permitir que a história siga o seu rumo natural em direção a uma sociedade mais justa.

É claro que eu estou fazendo simplificações grosseiras das duas correntes ideológicas, mas é só para que fique evidente o quanto elas são, em essência, utópicas. A ideia de uma evolução social contínua deixa de considerar os movimentos de resistência e oposição. Não acredito num processo histórico que seja linear, etapista e escatológico. Um pouco de estudo da História pode ajudar na compreensão do quanto alguns processos são cíclicos, outros são completamente caóticos, imprevisíveis, desordenados.

A necessidade humana de colocar ordem em tudo contribui para essa escatologia reinante. Além disso, temos a herança do cristianismo que, como argumenta John Gray, forneceu alicerce teórico para as religiões políticas dos últimos séculos.

Observe o fervor das militâncias nos centros universitários, nas organizações comerciais, nas redações de jornais e revistas, nos ambientes públicos. É pura e simples pregação religiosa e doutrinária.

John Gray afirma que,

A política moderna é um capítulo na história da religião. Os grandes movimentos revolucionários que tanto influenciaram a história dos dois últimos séculos foram episódios da história da fé: momentos do longo processo de dissolução do cristianismo e ascensão da moderna religião política. O mundo em que vivemos no início do novo milênio está coberto de escombros de projetos utópicos, os quais, embora estruturados em termos seculares que negavam a verdade da religião, constituíam de fato veículos para os mitos religiosos.

Num país em que faz parte da cultura se apegar a todos os santos e crenças, as religiões políticas encontraram solo fértil para sua proliferação e desenvolvimento. Mas essa não é uma característica exclusiva dos brasileiros, é apenas mais uma apropriação cultural que desenvolveu traços muito regionais e caricatos. Gray complementa sua análise afirmando que,

Apesar de ser apresentada nas roupagens de ciência social, esta crença de que a humanidade estaria no limiar de uma nova era não passa da mais recente versão de crenças apocalípticas que remontam às épocas mais antigas.

Em resumo, estamos substituindo as religiões tradicionais por suas versões políticas. Semelhante ao cristão recém convertido, o militante deseja pregar a boa-nova a todos que encontrar em seu caminho. Às vezes, no entanto, acontece de o evangelizador encontrar alguém que milita por um credo diferente. É nesse momento que a intolerância pode resultar em perda da civilidade. E é sobre isso que precisamos refletir constantemente. Afinal, que tipo de avanço acreditamos estar construindo quando a simples diferença de opinião transforma o outro em alguém inferior? Será que as diferenças só devem ser aceitas quando nos é conveniente? É preciso abandonar o comportamento de manada, é preciso refletir em privado. Infelizmente é mais fácil seguir o grupo.

 

José Fagner Alves Santos

Foto da Nicole De Khors do Burst

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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