Crônica: Eu tirei nota máxima, mas a professora queria me dar zero

A professora tentou me humilhar por conta do 10 que eu tirei na prova dela, sabia? Ela disse que eu não era digno daquela nota e que pessoas como eu atrapalham os bons alunos da sala, impedindo que eles cresçam.  Um absurdo, não?

Quer saber como isso aconteceu? Então fique por aqui, leia as próximas linhas que eu vou contar para você…

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Quando aluno, eu tinha uma tática para fazer os trabalhos em duplas ou em grupo. Eu procurava os bons alunos para fazer as atividades de exatas, mas ficava no meu lugar quando a vez era de humanas – como eu desenrolava bem nestas matérias, quem quisesse fazer comigo que viesse me procurar, horas, bolas, bolinhas…

Ter um bom trânsito entre os condomínios de luxo e a periferia da sala de aula me ajudava muito nestas horas.

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Eu cursava o ensino médio no Carmen Miranda e a professora pediu para fazer a prova em duplas.

Como a atividade era de humanas, fiquei na minha como de costume, calminho e calminho, pois mesmo sem ver a prova, tinha a certeza da chegada de uma boa nota. As duplas foram se formando e ninguém me procurou naquele dia, de modo que eu era o único a fazer a prova sozinho.

Lembro de ver uns papéis voando de carteira em carteira pedindo respostas, muitos olhares para trás e de sentir o cheiro de neurônios fritando vindo dos “Backyardigans” espalhados pela classe.

Eu já tinha acabado a minha prova, mas ainda não a tinha entregado, pois eu me ocupava em desembrulhar alguns papéis que estavam em volta da minha carteira com os pedidos de respostas dos meus amigos.

Quando eu já tinha mandado alguns papéis de volta, alguém bate na porta e pede para entrar. Era a Graciela, que chegava atrasada e muito preocupada com a prova…

Ela era uma aluna quieta e como os alunos da sala eram bastante simpáticos, todos disseram:

– “Faz com o Márcio. Ele está sozinho!”

Apesar de eu já ter terminado, óbvio que eu aceitei colocar o nome dela na minha prova. Primeiro por que não me custava nada, segundo por que eu estaria ajudando alguém e terceiro porque eu poderia precisar dela no futuro, visto que ela era mais estudiosa do que eu.

A cara de preocupação da pobrezinha se desfez e no seu lugar vieram as expressões de alívio e gratidão. Após alguns minutos de disfarce, entregamos a prova e ainda me sobrou alguns minutinhos para bater uma bolinha na educação física de uma outra sala qualquer, roubando o lugar de algum perna-de-pau.

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Passados alguns dias, voltamos a ter aula com aquela professora que viera trazer os resultados da prova.

Ela estava furiosa com os alunos, pois a maioria não se saiu bem e, antes de mais nada, deu um sermão geral.

Advertiu que só uma dupla tinha tirado nota máxima e todos nós acreditamos que foram os ditos mais dedicados e inteligentes que sentavam lá na frente…

E assim ela foi entregando as notas e começando pelas piores. Pensei que a minha avaliação seria entregue lá pelo meio dos chamados, mas os nomes foram sendo falados e nada do meu aparecer.

Quando praticamente não restava mais ninguém, os olhos da professora brilharam como qualquer vampiro prestes a chupar o sangue de alguma donzela e ela disse mais ou menos assim naquele dia:

– “Tenho orgulho de entregar agora a única nota máxima da sala e para uma aluna muito especial, a única que foi capaz de tirar 10, graças a sua competência e inteligência.

Graciela, meu bem! Você tirou nota 10, quero te dar aqui os parabéns pela sua dedicação e aceite, por favor, essa caixa de bombons como presente.

Você é ótima e peço para que seja sempre assim”

Nesta hora, todos da sala ficaram surpresos, boquiabertos e olhavam para mim e para a professora, indignados. Todos sabiam que eu fizera a prova sozinho.

E a professora continuou:

“Pena que tem gente que se aproveita do seu talento, né, meu bem? Não deixe as pessoas se aproveitarem de você, meu amor”

E virando-se para mim, ela disse com olhos de fúria:

-“Infelizmente tem gente incompetente que se aproveita de você, né, senhor Márcio Ribeiro!

Eu deveria deixar você com zero para aprender e nunca mais se encostar nos outros. Aproveitando-se da graciosidade da pobrezinha!”

Neste momento, a sala toda riu do papelão que a professora fazia. Aliás, quem ali estava demonstrando incompetência?

A Graciela respondeu em seguida com um tímido charme “inocente”:

– “Pode deixar, professora e muito obrigada.”

Eu encarei a professora no fundo dos olhos, com seriedade e pensativo.

Ela me encarou de volta com expressão forte e aguardava que eu desse alguma resposta imediata. Olhei de esguelho e vi que todos da sala esperavam o mesmo.

Pensei, pensei e pensei…

Havia uma certa tensão no ar…

Decidido, desfiz a cara de seriedade, fiz a cara mais doce e marota do mundo e disse:

-“Eu posso ir para a quadra jogar bola?”

Texto e Criação: Márcio Ribeiro

Imagem: Chuk Yong por Pixabay

Contato: [email protected]

Data: 15/10/2023

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Sobre o autor

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Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."


2 Replies to “Crônica: Eu tirei nota máxima, mas a professora queria me dar zero”

  1. Gílson Médici

    Muito bom, Márcio! Gostei muito do texto. E as atitudes, sua e da Graciela, deixaram-me perplexo. Dois parabéns a você!

  2. Everton Carvalho Everton Ilkiu

    Excelente texto!
    Tenso, dinâmico, mas com um toque de mistério e humor.
    Parabéns?

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