Pensando Queer
O texto me fez ingressar em uma longa e interessante viagem pelas ideias, ainda pouco exploradas, da Teoria Queer. É um livro necessário a todos os viventes.
Autora: Hebelyanne Pimentel da Silva.
MISKOLCI, Richard. Teoria queer: um aprendizado pelas diferenças. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
Estrita por Richard Miskolci, doutor em sociologia pela USP, com estágio Sênio pela Universidade da Califórnia, e ex-coordenador do curso “Gênero e Diversidade na Escola”, ofertado na UFSCar, a obra Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças, decorre de uma aula Magna ministrada na abertura o curso “Educação para a diversidade e cidadania”, em agosto de 2010, na cidade de Ouro Preto. Lançado pela editora Autêntica, o livro identifica-se como parte da coleção Cadernos da Diversidade, publicado no momento de ataque a inclusão do termo gênero no Plano Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC). Organizado em três capítulos: Origens Históricas da Teoria Queer, Estranhando a Educação e Um aprendizado pelas diferenças. E um texto de Giancarlo Cortejo em anexo – A guerra declarada contra o menino afeminado – mantem-se analítica aos processos de normatização, apoiados pela sociedade, e, consequentemente, pela escola.
Já no momento introdutório, o autor narra memórias das suas experiências em instituições de ensino primárias dos anos 1970. Momento no qual o Brasil vivenciava o Regime Militar sob a presidência do General Figueredo. Retrata o clima de repressão, de controle: dos corpos e das mentes. Descreve a estigmatização ao gênero. Estigmatização sempre comum no conjunto da humanidade, porém, intensificada nos períodos historicamente repressores. Em tal conjuntura, as pessoas são formadas para o exercício do poder ou da submissão, exaltando à cultura branca, masculina, elitizada e heterossexual. Pouco sobra aos que distanciam-se disso. O masculino deve ser poderoso e dominador e o feminino submisso, sensível, passivo. Pensa-se a partir dos binarismos: homem ou mulher, feminino ou masculino, homossexual ou heterossexual. A Teoria Queer, nasce como contraposição aos estereótipos, visibilizando as formas de violência presentes na invisibilidade da idealização do real. Ancora-se no desejo de tornar desejável o abandono às heranças colonizadoras.
Surgindo na década de 1980, quando o mundo vivenciava o que Miskolci denominara “momento biopolítico”, pela epidemia de Aids, a teoria fez questionamentos a “verdades” pré-estabelecidas. O autor utiliza-se dos argumentos, para fazer refletir sobre a constituição do próprio HIV como instrumento para a rejeição da homossexualidade. Mesmo presente na produção acadêmica desde a década de 1950, com a publicação de Fábio Barbosa da Silva, orientando de Florestan Fernandes, os estudos sobre homossexualidade eram tímidos e pouco reconhecidos. Adotavam a ideia de visibilização aos oprimidos. A adoção do tema queer na Parada do Orgulho Gay, de 1993, nos Estados Unidos, é descrita, no primeiro capítulo da obra, como um marco histórico importante. Isso porque, por longa data, as manifestações homossexuais defenderam a diversidade, em reivindicação ao respeito e a tolerância, mas a proposta da queer vai para além disso: Busca valorização e naturalização às diferenças.
No desenvolvimento do segundo capítulo, o autor ressalta a importância dos estudos marxistas culturais de: Richard Hoggart, Roymond Williams e de E. P. Thompson. Autores atentos às manifestações populares subalternizadas. Mas, exemplificara que apenas durante os anos 1990, as questões étnico-raciais e sexuais, foram postas nos estudos atentos a cultura. Em caráter de exemplo, recordara os estudos de Tomaz Tadeu da Silva. Ainda durante a década de 1980 e 1990, surgiram também, os trabalhos americanos de: Judith Butler, David M. Halpirin e Eve Kosofsy Sedgwick. Todos com a perspectiva queer. Mas o termo, como conhecido atualmente, fora cunhado por Teresa de Louretis, em 1991.
Passando a ocupar espaço entre os projetos do MEC, mais de duas décadas depois, em 2014, as ideias revolucionárias da teoria, provocaram repulsa da parcela conservadora da população, levando ao surgimento de grupos como o Escola sem partido. O fenômeno levou a público uma onda do que Butler analisou como abjeção (termo sugerido pela psicanálise, e amplamente adotado pelos estudos às subjetividades). Mas as ideias mantiveram-se resistentes. Estudar a exclusão dos excluídos apresentara-se frequentemente como necessidade emergente.
Miskolci propõe, no texto resenhado, o que denominara Pedagogia da Diferença, afirmando ancorar-se nos escritos de Gramsci, sobre a hegemonia cultural. A sua ideia é a de mostrar que a cultura pode ser violenta e, tal violência, que tem ocupado lugar nos processos educativos, precisa ser desconstruída por meio da negação a sua propagação. Como explorado no terceiro e último capítulo, a intenção da concepção, é fazer o sistema educacional deixar de colaborar com a manutenção das desigualdades. Para tanto, precisa atuar como contraposta a lógica dominante. A formação do escritor em sociologia, o ajudara a pensar os processos educacionais, como reflexos de intencionalidades sociais, políticas e econômicas. A condição da mulher no século XX, privada ao lar e a domesticidade, sofreu, segundo ele, algumas alterações, até atingir o estado, ainda injusto, dos dias atuais. Espera-se que o mesmo ocorra com todos os excluídos. A crítica social elaborada, ancora-se, também, nas pesquisas contemporâneas interseccionais. Considerando marcadores como que vão para além do gênero: classe, etnia, geração. Para as salas de aula da Educação Básica, a proposta coloca-se como desafiadora, por fazer pensar sobre a constituição dos profissionais que exercem o magistério, geralmente pouco assegurados do direito de estudar. O livro é, em si mesmo, um material para formação continuada.
Em todos os momentos, o texto provoca a recordação à obra de Foucault, da História da Sexualidade ao clássico Vigiar e Punir. Obras compositoras das referências. Desse sociólogo foram utilizadas três produções, mesmo quantitativo de textos de Judith Butler. Adota-se um modelo de análise pós-estruturalista, com caráter escriturário autobiográfico. O número de autoreferências, percebido em toda a discussão, sugere ser o livro, uma continuação das pesquisas e estudos que vê sendo aprofundado com o passar dos anos. Em linhas gerais, a discussão coloca-se como pertinente a contemporaneidade, sobretudo em contexto de ataque à democracia e de invisibilização dos debates fundamentados, sobre gênero e sexualidade em âmbito público. É indicada, principalmente, para a área da educação, mas deveria ser lida por todas as pessoas que desejam e precisam pensar sobre as entrelinhas do ambiente social hierárquico e excludente. Visando a construção de (atu)ações ancoradas na justiça e na defesa aos Direitos Humanos, tão desrespeitados no passado e na contemporaneidade.
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Sobre o autor
É Pedagoga, Mestra em Educação e autora da obra "Uma década de PROSA". Busca desenvolver, por meio desta coluna, reflexões majoritariamente autobiográficas sobre as condições de vida das pessoas de origem interiorana, especificamente do interior de Alagoas. Escreve, comumente, crônicas e artigos de opinião, mas também utiliza-se da linguagem poética, quando pertinente à temática destacada.