A morte antes da reza

Na semana passada, enquanto cozinhava, recebi a informação de que um vizinho da minha mãe havia morrido. A princípio a informação chegou truncada, não sabia o real motivo da morte. Uns falavam em assassinato, outros em acidente de moto. Até que consegui conversar diretamente com a minha mãe e descobri o que tinha acontecido.

Ele, o falecido, havia sentido dores no peito durante toda a madrugada e pela manhã resolveu ir trabalhar, prometendo à esposa que de lá procuraria um médico. Não procurou. Ele preferiu se consultar com sua mãe de santo. Havia tentado explicar para a esposa que aquilo era só uma dor causada pela “espinhela caída”. A solução, segundo a sua crença, era consultar uma mãe de santo, uma benzedeira. Uma reza forte seria a solução. A esposa insistia para que ele consultasse um médico assim mesmo. Para acalmá-la ele prometeu que procuraria. Talvez até tivesse a intenção, mas só depois de consultar sua mãe de santo.

Chegou ao trabalho e avisou aos amigos que não estava se sentindo bem, que precisava se consultar. “Senti uma pontada no peito a noite toda, era uma dor forte que vinha pelo braço até a palma da mão”, teria dito a um colega de trabalho. Deu partida em sua motocicleta, uma cinquentinha, e seguiu em direção ao terreiro de umbanda.

 

Quando chegou ao Centro de Mãe Geni o relógio ainda não marcava oito horas da manhã. Costumava frequentar aquele lugar quase que diariamente. Sua visita naquele dia não parecia especial. Sentou-se num tamborete logo ao entrar, mal conseguia manter-se em pé.

– A benção, mãe.

– Deus te abençoe, meu filho! Aceita um cafezinho? Coei agora.

-Aceito… Eu tô sentindo uma dor no peito. Não dormi nada essa noite. Tem mais de 12 horas de relógio. Acho que é espinhela caída. Nem consegui trabalhar. Vim aqui pra senhora me rezar.

– Já procurou um médico?

– Vou daqui a pouco, mas queria que a senhora me rezasse primeiro.

-Tá certo.  Vou pegar o café.

O conceito de espinhela caída já existia por essas bandas antes da chegada de Colombo. Os nativos já faziam seus rituais para “levantar” a espinhela caída. Na verdade, a chamada ‘espinhela’ corresponde ao apêndice xifoide, uma extensão alongada, cartilaginosa, que fica na extremidade inferior do esterno, normalmente ossificada nos adultos. O termo correspondia, originalmente, à lombalgia. Em Pernambuco é conhecida como “peito aberto”. As principais características são: fortes dores na boca do estômago, nas costas e nas pernas, acrescido de um cansaço anormal.

Alguns adeptos da umbanda, candomblé e macumba acreditam que esse mal pode ser combatido tomando a medida e depois rezando. Para tomar a medida é necessário pegar uma linha de algodão e medir do dedo anular até o cotovelo. Tomando este tamanho duas vezes passa o fio na cintura dá pessoa. Se passar ou faltar um palmo, a espinhela está caída. Nesse caso é necessário realizar a reza.  E o ideal é que ela seja feita às 18 h.

Quem está com a espinhela caída deve evitar varrer a casa ou pegar peso.

Mãe Geni foi até a cozinha para buscar o café. Enquanto abria a garrafa térmica, também chamada de “quente-frio” no interior da Bahia, ouviu um barulho como se o tamborete tivesse quebrado. Correu para a sala e ele já estava morto, caído no chão ao lado do tamborete. Um infarto fulminante havia levado sua vida. Tinha 48 anos.

Não deu tempo procurar um médico ou realizar a reza.

 

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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