Diga que não sabe

“Quem lê tanta notícia?”, perguntava Caetano veloso, numa canção de 1967. O que impressionava o compositor era a quantidade de periódicos expostos nas bancas de revistas. Seria humanamente impossível ler tudo aquilo. O que dizer do montante de informações que temos à nossa disposição atualmente? A internet aumentou de forma exponencial a quantidade de informações que recebemos diariamente.

O jornalismo costumava prezar pela veracidade da informação, buscava ouvir todos os lados envolvidos e encontrava sempre algum especialista que pudesse traduzir os dados mais difíceis. Desvios aconteciam, é verdade, mas não eram a regra do jogo. Agora, qualquer cidadão com um celular e acesso à internet pode publicar uma informação em questão de segundos. Sem checagem, sem ouvir o outro lado, sem contexto, muitas vezes, sem compromisso com a verdade.

Nada disso é novidade. Se você não esteve preso numa ilha deserta nos últimos 18 anos, sabe muito bem todo o desgaste que esse excesso de informação tem causado na sociedade. Muitas vezes, como forma de autopreservação, nós fazemos um esforço para diminuir a quantidade de dados consumidos. O grande problema é a forma que realizamos esse malabarismo. Tenho visto muita gente recorrendo a práticas antigas e pouco saudáveis. Por exemplo: Tem a turma que só lê as manchetes, muito raramente vai até o fim da matéria. Alguns replicam a notícia sem ao menos abrir. A ânsia de se mostrar sempre atualizado acaba comprometendo o cuidado que deveria existir. Tem uma outra turma que se informa apenas pelos canais mais alinhados com suas vertentes partidárias. Todas as notícias precisam passar pelo filtro ideológico de seus comentaristas preferidos. Nesse caso, o que vemos é um monte de gente repetindo frases de efeito sem atinar para o real significado daquilo que estão dizendo.

Em qualquer um dos casos, a geração com o maior acesso à informação de que temos notícias é também uma geração desinformada. Não aprenderam a fazer comparações entre veículos de diferentes espectros ideológicos, não aprenderam a ler a matéria por completo antes de comentar, não aprenderam a checar os dados antes de compartilhar, não aprenderam que todo emissor possui um interesse particular.

Ler a matéria completa dá trabalho, exige esforço. O leitor pode, muitas vezes, ser incapaz de compreender plenamente aquilo que lê. Citações de autores famosos pululam nas redes sociais. De uma hora para a outra todos parecem ser especialistas em Nietzsche, Sartre, Bourdieu e tutti quanti. Duvido muito que esse pessoal tenha lido mais do que um parágrafo isolado de cada um desses autores, parágrafo esse encontrado em sites especializados em citações.

Esse verniz de intelectualidade não ajuda em nada no debate público, pelo contrário, alimenta a fogueira das vaidades que tem dividido nosso país. Nossos patrícios não estão interessados na verdade. Seu único interesse é fazer bonito, convencer os incautos, impressionar os mais ignorantes. Torço para que tudo isso seja apenas uma fase de adaptação aos novos tempos, para que a rota seja corrigida durante esse processo.

Não é tão difícil quanto parece. Cabe a cada um de nós demonstrar um pouco mais de humildade. Ninguém é obrigado a saber de tudo, ninguém é obrigado a opinar sobre tudo. Basta um singelo e sonoro: não sei.

 

José Fagner Alves Santos

 

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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