Tribos
Gritar! Julgar! Condenar! Criticar! São muitas as maneiras com as quais as pessoas utilizam seu vocabulário para expressar sentimentos como raiva, angústia, inveja, frustração, entre outros. Infelizmente, estes sentimentos parecem cada vez mais exercerem total hegemonia sobre aqueles nos quais as pessoas utilizam de palavras e gestos para manifestarem verdadeiro carinho e amor, e assim estabelecer um convívio harmonioso, garantido por uma peça fundamental: o saber ouvir.
É justamente esta a mensagem trazida pela comédia dramática Tribos, que está em cartaz no Teatro Tuca. Com diálogos extremamente afiados e sarcásticos, dotados de um humor negro, esta inteligente trama narra a história de Billy, um garoto surdo que convive numa família completamente desequilibrada.
Enquanto seu pai Christopher (Antônio Fagundes) passa o dia a dia se queixando principalmente de seus dois outros filhos Daniel (Guilherme Magon) e Ruth (Maíra Dvorek), que apesar de crescidos ainda moram com o pai e a mãe Beth (Eliete Cigarini) e são extremamente dependentes deles, Daniel se mostra um rapaz completamente bipolar, sendo assolado por surtos agressivos e alucinações em diversos momentos. Já Ruth é alguém que recorre às apresentações de canto que faz na Igreja, única ocupação a qual se dedica, como uma fuga desesperada para ser aceita por um determinado grupo, na fantasiosa crença de ser idolatrada por ele.
O humor negro se faz fortemente presente na família, principalmente por parte de Christopher e de Daniel, que satirizam pesadamente seus próprios familiares e também pessoas deficientes, judeus e por ai vai, denotando uma linha de pensamento sempre politicamente incorreta. Tal cenário fica ainda mais acentuado quando Billy começa a namorar Silvia (Arieta Corrêa), uma garota que, ao contrário de Billy, nasceu numa família de surdos e agora é ela quem está perdendo a audição. Assim que Silvia é apresentada à família de seu namorado, ela é praticamente bombardeada por perguntas satíricas, principalmente por Christopher, que considera uma idiotice a linguagem de sinais e não aceita que ela a ensine para seu filho surdo, já que ele não o considera um deficiente auditivo.
Por trás de toda esta história escrita pela inglesa Nina Raine e dirigida por Ulysses Cruz, existe uma sensacional crítica subliminar que faz refletir o nível acentuado de egoísmo perpetrado na sociedade atual. Apesar de Billy ser o deficiente auditivo, é justamente a família dele que denota total surdez para os problemas do outro, de modo que cada um concentra-se apenas em viver dentro de suas bolhas narcisistas, condenando as atitudes dos demais, ao invés de olharem para seus próprios defeitos, ou ainda julgando as pessoas em determinadas tribos, sem contar que eles já constituem uma tribo da pior espécie por estagnarem-se em suas redomas, enquanto atacam verbalmente os demais.
Isso sem contar a inveja, explícita em Daniel, por exemplo, quem, apesar de proteger o irmão Billy, não se conforma ao vê-lo com uma namorada e ainda arrumando um emprego, ao contrário dele que está sozinho e desempregado e que via no irmão, até então, um exemplo de fracasso que servia para consolá-lo.
Trata-se de uma peça que cativa do começo ao fim, devido aos diálogos inteligentes e reflexivos, que destacam a nossa surdez nos dias de hoje, ou ainda quando até nos dispomos a ouvir o outro, mas com o único intuito de filtrar apenas aquilo que queremos ouvir ou distorcer as palavras do outro, de acordo com os nossos interesses.
Contribui para cativar o público o excelente trabalho cênico de todo o elenco, com destaque para os atores Bruno Fagundes, filho de Antônio Fagundes – cujo personagem mostra-se desafiador por ter que transmitir suas aflições internas de modo muito mais contido que os demais personagens, algo que Bruno tira de letra – e para Guilherme Magon – cujo personagem é o oposto de Billy, exteriorizando ao máximo suas emoções – quem vive o personagem intensamente, paralisando o olhar dos espectadores.
Por Mariana da Cruz Mascarenhas
Sobre o autor
Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.