Tradicionais repudiam termo de permissão de uso do núcleo Arpoador à iniciativa privada

Moradores do Guaraú e adjacências pertencentes ao Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira elaboraram uma carta repúdio ao termo de permissão de uso do Núcleo Arpoador, localizado dentro do Parque Estadual do Itinguçu, que prevê a concessão do espaço público para a iniciativa privada por 10 anos.

Segundo o que diz a carta,  os povos tradicionais não foram ouvidos e o edital fere gravemente o  direito a consulta livre, prévia e informada prevista na Convenção 169 da OIT, entre outras coisas, e o Fórum pede também a suspensão imediata do edital para que haja um diálogo amplo com a sociedade.

Por conta disso, caiçaras, moradores, amigos e apoiadores da causa marcaram um ato para o domingo (20) no Guaraú, às 14:30, no pier do bairro, veja o que vem sendo divulgado:

Veja a carta de repúdio na íntegra:

“CARTA DE REPÚDIO AO TERMO DE PERMISSÃO DE USO DO NÚCLEO ARPOADOR- PARQUE ESTADUAL ITINGUÇU – PERUÍBE-SP, SEM CONSULTA ÀS COMUNIDADES CAIÇARAS DA REGIÃO”

“Nós, moradores e moradoras caiçaras que vivemos entre as praias Brava, de Parnapuã, Guarauzinho e Guaraú, vimos por meio desta carta declarar nosso repúdio ao EDITAL nº 03/2022/GS DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS DE APOIO AO USO PÚBLICO NO PARQUE ESTADUAL ITINGUÇU – NÚCLEO ARPOADOR – PERUÍBE-SP POR MEIO DE PERMISSÃO DE USO QUALIFICADA, que concede por meio de permissão de uso o Núcleo Arpoador para a iniciativa privada POR 10 ANOS.
O Parque é consequência da luta dos moradores pela recategorização da lei da Estação Ecológica, o que permitiu o uso público da área, mas ainda assim afeta diversas comunidades que vivem nessa localidade e/ou foram expulsos dela.
Atualmente os moradores CAIÇARAS tem diversas dificuldades de autorização para reforma das casas, dos ranchos de pesca, inclusive com notificação e multa. O Edital fala em valorização da cultura caiçara, mas em momento algum a Fundação Florestal dialogou com os moradores sobre esse projeto e também não os incluiu na construção do mesmo.
O edital fere gravemente o nosso direito a consulta livre, prévia e informada prevista na Convenção 169 da OIT, já que não fomos sequer informados sobre esta permissão na época em que estava sendo planejada, tampouco sabíamos do edital quando este foi lançado. O “Estado”, através da Fundação Florestal, órgão gestor da área, que transfere à iniciativa privada a obrigação de apoiar iniciativas e associações de turismo de base comunitária sobre maricultura é o mesmo que multa moradores locais por fazerem pequenas adequações e benfeitorias em suas casas ou em seus portos, a exemplo do que aconteceu recentemente com um morador da praia Brava quando fez melhoria do seu rancho de pesca.
Cada vez mais, os povos originários da região, os Caiçaras, têm seus direitos cerceados e ceifados e se vêem com as mãos atadas, seus modos de vida sendo impedidos de serem exercidos desde a sobreposição da unidade de conservação em seus territórios ancestrais.
Vivemos aqui há pelo menos 8 gerações e sempre preservamos e lutamos para manter a natureza conservada, manejando nossas terras e nutrindo nossas famílias a partir da pesca e da agricultura tradicional, tudo com muito respeito aos ciclos de vida, garantindo assim nossa segurança alimentar. Mesmo assim, sempre acabamos cerceados em nosso próprio território, enquanto nossas terras são entregues para a exploração econômica com atividades que sempre fomos impedidos de desenvolver aqui, e principalmente por grupos/empresas sem conhecimento da realidade local e sem compromisso com nosso território.
A prática que a Fundação Florestal adota para tratar os territórios de comunidades tradicionais fere nossos direitos, tratando nosso povo como invasor e clandestino, como se não fossemos detentores de direitos, direitos esses garantidos na Constituição Federal, mais especificamente nos artigos 215º e 216º; no Decreto 6040/2007; na Convenção 169 da OIT; na Lei da Mata atlântica; e na própria Lei do Mosaico de Unidades de Conservação Jureia Itatins, nos artigos 6º e 7º. A Fundação Florestal fere ainda as práticas de organização e o tempo da comunidade para realizar as consultas sobre projetos que impactam a região, modo de vida e ecossistemas do Bioma Mata atlântica. A título de exemplo, isso já ocorreu no final de 2020, quando foi gravado um Reality Show nas praias Juquiazinho e Brava, próximo das moradias dos moradores caiçaras, sem que estes fossem ao menos consultados. Dessa vez, a situação é infinitamente mais grave, pois prevê a permissão de uso do nosso território por 10 anos pela iniciativa privada.
Assim, nós caiçaras exigimos do órgão gestor da unidade de conservação:
– Suspensão imediata do edital para que haja um diálogo amplo com a sociedade;
– Realização de audiência pública junto à sociedade civil e às organizações de comunidades tradicionais representativas para serem ouvidas;
– Realização de consulta prévia, livre, informada e de boa fé junto às comunidades caiçaras da região;
Pedimos apoio às instituições de direito e defesa dos povos e comunidades tradicionais, ONGs socioambientais e advogadas e advogados populares para nos apoiar e nos orientar na defesa dos nossos direitos!
A Cultura Caiçara resiste e pede socorro!
Apoie nossos povos tradicionais e seus territórios ancestrais de uso coletivo.
Nessa luta, diga NÃO À PERMISSÃO DE USO DO NÚCLEO ARPOADOR!”

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VEJA A MATÉRIA DIVULGADA PELO ESTADO A RESPEITO DO LANÇAMENTO DO EDITAL:

“Fundação Florestal lança edital para a permissão de uso do Parque Estadual Itinguçu – Núcleo Arpoador

Nesta sexta-feira (4), a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, por meio da Fundação Florestal, lançou o edital para a Permissão de Uso das áreas de uso público e serviços ecoturísticos do Parque Estadual Itinguçu – Núcleo Arpoador, localizado em Peruíbe, litoral de São Paulo. O recebimento dos envelopes das licitantes e a abertura das propostas acontecerão no dia 7/12/2022 às 09h00, em sessão pública que será realizada na sede da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, localizada na Av. Prof. Frederico Hermann Júnior, 345, Alto de Pinheiros – São Paulo.

A iniciativa tem o objetivo de aprimorar a prestação dos serviços na Unidade de Conservação, visando o oferecimento de serviços como hospedagem, alimentação, realização de eventos e/ou locação de espaços para eventos e/ou ensaios fotográficos, locação de espaços para realização de cursos (empresas, escritórios, universidades etc.), venda de souvenirs, artesanato e produtos de primeira necessidade, aluguel de equipamentos náuticos e de lazer, recepção e orientação de visitantes.

O Núcleo Arpoador oferece aos turistas diversos atrativos, desde roteiros náuticos, como passeios pelo rio Guaraú e pelas praias Guarauzinho, Arpoador, Parnapuã e Brava, até opções terrestres, como trilhas que percorrem as mesmas praias. Com a permissão, a UC também terá seu fluxo de visitantes ordenado, além de ferramentas de controle e monitoramento da visitação, oferecimento de informações de qualidade, mantendo as infraestruturas em bom estado de funcionamento e segurança, com a garantia da realização de manutenção predial das edificações.

O projeto também valorizará a produção e mão-de-obra locais, uma vez que as empresas terão que contratar 70% de colaboradores residentes em Peruíbe e priorizar a comercialização de pescados e frutos do mar obtidos da pesca artesanal local, focar em produtos que tenham relação com ações de conservação e/ou que favoreçam a proteção do bioma Mata Atlântica, não utilizar pratos, talheres e copos de plástico ou isopor e divulgar campanha de orientação aos visitantes para que não descartem os resíduos de forma inadequada.

Dentre as estruturas disponibilizadas no edital estão a Casa Sede/Refeitório, com 343m², a edificação possui sala de recepção, três quartos (sendo uma suíte), um banheiro, refeitório com dois banheiros, cozinha industrial e lavanderia; Centro de Visitantes com auditório de 500 m², com sala de estudo, sala de exposição, sala administrativa, copa, sanitários e sistema fotovoltaico; Hospedaria/Sanitários, prédio pré-fabricado de 338 m² em madeira, com dez quartos, dois sanitários coletivos, sistema fotovoltaico, sistema de aquecimento de água e aquecimento a gás alternativo; e, por fim, Central de Energia Solar/Sistema Fotovoltaico, com 36 placas solares dispostas no telhado do refeitório, 40 acumuladores (bateria), com capacidade de sustentar a iluminação de todas as estruturas e dos equipamentos existentes, como: geladeiras, freezer, TV e multimídias.

Para conferir o edital na íntegra, acesse:   https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/editais/2022/11/concorrencia-no-03-2022-gs/

Para mais informações, entre em contato pelo telefone (11) 3133-3979 ou pelo email [email protected]

O PE Itinguçu

O Parque Estadual do Itinguçu, localizado nos municípios de Peruíbe e Iguape, foi criado em 2013, com 5.040 hectares. Juntamente com o PE do Prelado, RDS Barra do Una, RDS do Despraiado, EE Jureia-Itatins e RVS das Ilhas do Abrigo e Guaritama formam o Mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins, que reúne vários ecossistemas de Mata Atlântica como: restinga, mata de encosta, manguezais, praias e costões rochosos.

A Unidade de Conservação, dividida em dois núcleos – Arpoador e Itinguçu – é composta pelo estuário do rio Guaraú, pelas praias do Guarauzinho, Arpoador, Parnapuã, Brava, Juquiazinho e pelos bairros do Tetequera, Barro Branco, Tocaia, Itinguinha e Itinguçu.

O Núcleo Arpoador, implantado em 1989, tem sua origem na Estação Ecológica Jureia-Itatins. Com a criação do Mosaico da Jureia-Itatins, em 2013, passou a integrar o Parque do Itinguçu. Sempre foi referência em atividades de estudo do meio biofísico por grupos organizados, por causa dos vários ecossistemas associados de Mata Atlântica, tais como praias, costões rochosos, mata de encosta, estuário do rio Guaraú com uma significativa porção de manguezal, bem como, cachoeiras e rios que formam esse ambiente.

No núcleo, há ainda uma população tradicional caiçara, que tem como subsistência a pesca, a agricultura de pequena escala e o ecoturismo.”

Fonte:

https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/fundacaoflorestal/2022/11/fundacao-florestal-lanca-edital-para-permissao-de-uso-do-parque-estadual-itingucu-nucleo-arpoador/

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O espaço está aberto para a manifestação da Fundação Florestal, caso desejem se manifestar!

Postagem: Márcio Ribeiro

Imagem e Carta: Divulgação

Contato: [email protected]

Percorrendo as praias de Peruíbe e região

 

Sobre o autor

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Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."


One Reply to “Tradicionais repudiam termo de permissão de uso do núcleo Arpoador à iniciativa privada”

  1. Sandra Regina Audi Ricco

    Está região tão preservada é alvo de toda sorte de interesse, ora querem construir uma usina termoelétrica, ora querem abrir à exploração comercial. Deixe o mosaico Itatins paz e no máximo que seja usado para pesquisa científica.

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