Uma viagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una em 1868 (Parte 2)

A expedição partiu do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1868 em direção a Santos. Após transpor a barra de São Vicente, a comitiva prefere “palmilhar a praia a pé” à viajar de carro. A descrição do carro (puxado por bois ou cavalos) talvez explique a escolha: “São uns caixões de madeira, oblongos, abertos nos topos, sobre um jogo de rodas sem molas; o modelo foi tirado dos carros de conduzir defuntos da santa casa de Misericórdia, até no que diz respeito ao modo de levar o passageiro, que só pode ir sentado no soalho ou deitado a fio comprido”. Quando o carro sem molas passava por depressões e solavancos “os rins do viajante sofrem desagradável impressão”. A caminhada só foi interrompida pelo rio Itinga (hoje região do Bairro Cidade das Crianças, em Praia Grande) e pelo rio Mangapa (aparentemente a grafia seria esta, mas há falhas de impressão no texto do jornal; observando um mapa, atual o próximo rio após o Itinga é o rio Mongaguá). Aliás, este rio Mangapa (ou Mongaguá) chama a atenção de Capanema, pois “é notável pela abundância de tainhas, as quais ali saem de seu sério, e deixam-se apanhar em anzol”.

Ao chegar a Itanhaém, o Barão a define como “um lugar tristonho” de cuja “grandeza de outrora só restam sobre um rochedo de granito a igreja e as muralhas do antigo convento”. A transposição do rio Itanhaém foi feita por canoas, pois não havia balsas.

 

Convento de Itanhaém (Foto divulgação).

O destino, agora, era o bairro de Peruíbe. A comitiva seguiu a pé pela praia. A descrição da paisagem permite imaginar o que era a faixa litorânea. “A linha telegráfica a acompanha [a praia] paralelamente por sobre um largo tabuleiro coberto de capim com altos e baixos, que com as águas se alagam por toda a orla que separa a praia do terreno coberto de uma vegetação arbustiva chamada jundú e mais para o Sul nhundú ou nhandú”.

Após cerca de 4 léguas (aproximadamente 20 quilômetros) de caminhada pela praia desde Itanhaém, a expedição chega a Peruíbe. Os carros com os materiais e bagagens chegaram uma hora depois.

O olhar de Guilherme Schüch não se limitava apenas a postes e cabos telegráficos. A povoação de Peruíbe mereceu arguta descrição. Comecemos pela paisagem geográfica: “Em primeiro lugar é preciso definir um pouco essa povoação, da qual se fará ideia supondo uma capoeira [vegetação que nasce após a derrubada ou queima da mata nativa, formada por espécimes jovens e resistentes ao sol intenso] entremeada de casas; estendem-se os moradores ao longo da praia, porém suas habitações são escondidas no mato; um pequeno trilho a elas conduz, e isto ainda através de brejo ou de alguma estreita lagoa que se estende por detrás dos baixos cômoros [pequena elevação de terreno; monte; outeiro; duna] paralelos à praia.”

Trilho conduz as habitações escondidas no mato, foto recente no Rio Verde (de Márcio Ribeiro)

E a paisagem humana? O vilarejo era muito povoado? Capanema vale-se de um relato do subdelegado para afirmar que “há ali muito povo”. “Havia uma escola de contrato que era frequentada por 34 alunos, enquanto a da vila da Conceição [Itanháem] só contava com 15 alunos”. Obviamente, a vila de Itanhaém era mais populosa que o bairro de Peruíbe, contudo o número de estudantes indica que o vilarejo era bastante habitado. Lamentavelmente, a escola de Peruíbe foi extinta um ano antes da visita da expedição, por deliberação da assembleia provincial — ao que parece o modelo tucano de gerir a educação tem longas raízes no estado de São Paulo. O fato desagradou profundamente o Barão: “Evidentemente foi um mal, atento o número dos frequentadores”.

E os nativos, quem eram e como viviam ? O engenheiro Capanema os chama peruibanos — curiosamente, amigos descendentes de caiçaras da Barra do Una me revelaram que os mais antigos preferiam este gentílico ao usual peruibense — e afirma que “ cultivam alguma coisa na planície arenosa, e a serra a que estão encostados, ainda está coberta de mato virgem. Ocupam-se também da pesca, principalmente do cação, na estação quente, para o que arrostam [enfrentam] com rara afoiteza [audácia] perigos, levando as suas canoas ao mar, atravessando a rebentação forte da praia, e trazendo na volta o produto da pesca preso a cordas amarradas à canoa, porque esta ordinariamente vira ao aportar e é levada para a terra por debaixo da vaga que se encapela ao chegar na praia”.

Os peruibanos não se animaram a lutar e defender a pátria na guerra contra Solano López. Um inspetor de quarteirão confidenciou a Capanema que “indo lá uma escolta buscar designados ou recrutas foi apupado por todo o caminho pela gente que estava escondida no mato e que não foi possível agarrar”.

A partir de Peruíbe “terminam as facilidades de transporte em carros de defunto” e começa “uma nova fase cheia de impressões para o viajante”. No próximo artigo, acompanharemos a expedição na transposição do morro de Peruíbe e em sua aventura pelo Guaraú e Juréia.

Texto e Pesquisa: Fábio Ribeiro *

*Professor de História da Rede Pública e Mestre em História Social pela FFLCH/USP

Fotos: Márcio Ribeiro e Prefeitura de Itanhaém

Postagem: Márcio Ribeiro

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VEJA TAMBÉM: PARTE 1

Uma viagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una em 1868 (Parte 1)

 

Sobre o autor

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Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."


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