Encontros com o velho Graça: imersa em VIDAS SECAS

Graciliano Ramos é um dos mais incríveis literatos do século XX. Alagoano, escreveu sobre o que sempre nos afetou como sobreviventes do Nordeste. Recordo a dor que senti ao ler: a descrição minuciosa da morte de Baleia, o sofrimento dos meninos, os monólogos de Fabiano, os sonhos de Sinha Vitória. Esse texto foi escrito a partir de estudos feitos com uma amiga e leitora: Maria Larissa do Nascimento Alves. Compartilhamos o mesmo carinho pela obra de Graciliano Ramos.

Autoras:

Hebelyanne Pimentel da Silva.

Maria Larissa do Nascimento Alves.

Pensemos sobre a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos, no tempo e espaço de divulgação. Publicada pela primeira vez em 1938, e já traduzida em 13 idiomas, o enredo debruça-se sobre a trajetória de uma família sertaneja, durante o período de Seca, sendo esta advinda de diversas instâncias: natureza, sociedade. Seca advinda do estado de marginalidade. Como recordado por Álvaro Lins (1947), é o primeiro romance no qual o destacado literato não narra a história por meio de um personagem. Sua escrita é autobiográfica. Em tais tempos, era um marginal, recém-saído do cárcere. Vivia, a duras penas, com o pouco recurso financeiro, fornecido pelo ofício literário. Assemelhava-se às pessoas que criava:

“[…] Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo” (RAMOS, 2008).

Notamos indícios da condição humana, em seu mais fiel estado de desumanidade. Como afirmara Schmitz (2019):

“Pensamento inarticulado, raridade de palavras, onomatopeias, repetições, lacunas, incongruências e silêncios permeiam as Vidas Secas, aproximando a condição do homem à do animal e à da coisa”

A produção remete a visualização global dos fenômenos que determinam a formação dos sujeitos em Estado conjunturalmente hierárquico. Diante dos Fabianos, Sinha Vitórias, Baleias, meninos, são denunciadas as consequências da desigualdade.

Eu, com a minha língua bruta de vocabulário minguado, com tantos problemas de expressão, me encontrava em cada frase dita pelos retirantes. Até recordo que tratei disso em outro momento (SILVA, 2020, 2021). Tantas vezes me senti alguém sem nome, sem forças para continuar trilhando um caminho contra hegemônico. Um caminho que acreditei ser capaz de me levar a superação desse destino por outros planejado. Tantas vezes me faltou capacidade de me sentir pessoa. Eu era um número, como os dois filhos de Fabiano. Tantas vezes a morte mostrou-se mais atraente que a vida. Eu sabia o que Baleia sentia ao despedir-se dessa dimensão. Ela sonhava com um mundo de Preás. Um mundo sem fome.

Nós, que derivamos do mesmo LUGAR, custamos a perceber o que gera a miséria. O que nos coloca em tal condição. Sempre me senti imersa em um caos e foi a literatura que muitas vezes me salvou. Ela parecia me ajudar a sonhar com algo diferente. Aos poucos me fazia tomar consciência de mim e do espaço que ocupo. Como o velho Graça, retirava, progressivamente, a lente turva que me impedia de notar o óbvio. Obviedade que torna perceptível a atualidade do questionamento feito por Castro Alves (2013) em dias de escravidão:

“Mas que Bandeira é esta/ Que imprudente na gávea tripudia?”

 

Sobre o autor

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É Pedagoga e autora da obra "Uma década de PROSA". Busca desenvolver por aqui, reflexões, majoritariamente autobiográficas, sobre o conceito de democracia na sociedade capitalista. Escreve, esporadicamente, poesias e crônicas.


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