Crônica: Mãos nos seios

De: Márcio Ribeiro (Baseado em uma história real)

Eu nunca fiquei tão apavorada como eu fiquei naquela época!

Ai, meu Deus!

Imagina eu, uma adolescente de 14 anos e grávida, em 1964?

Certamente, papai me mataria…

Eu  morava na recém-emancipada  Peruíbe, quando fui à vendinha da dona Herta comprar açúcar pra mamãe…

Não tinha lá, não encontrei no Omura e nem em qualquer outro lugar da vila…

Por sorte, me informaram  que um trem carregado de açúcar tinha acabado de passar em direção à  Ana Dias.

Voltei pra casa, conversei com a mamãe e fui até a vizinha Itariri, comprar o tão indispensável ingrediente…

Entrei no vagão,  me sentei perto da janela e tentava  me distrair olhando a mata lá fora, enquanto o trem não saía…

Muitas pessoas entravam para ocupar os assentos, ao passo que o meu, ao lado,  permanecia vazio.

Eu olhava ao longe uma Embaúva,   quando entrou um moço muito bonito no trem que logo me chamou a atenção.

AI, meu Deus!

Ele sentou-se ao meu lado.

 E Foi um Deus-nos- acuda!

Aquele pedaço de mau caminho começou a conversar comigo de um modo tão açucarado que eu nem prestava mais atenção no que ele dizia: Só no seu rosto bonito.

Sua perna começou a roçar-se na minha, de acordo com o balanço do trem.

Senti um calor muito forte, mas passei a suar frio.

Aquele momento estava muito gostoso e torcia para que a hora não passasse, pois não queria mais sair dali.

Infelizmente, logo o meu ponto de desembarque chegou e pulei com pressa sem me despedir daquele moço bonito.

Comprei rapidamente o açúcar  e voltei logo para o ponto de embarque  na esperança de encontrar o rapaz novamente, mas  nunca mais o vi na minha vida.

Ele não saía mais da minha cabeça.

Ai, meu Deus!

 Aqueles olhos, aquela voz…

Voltei pra casa e todos viram que eu não era mais a mesma…

Jamais tinha sentido uma sensação como aquela e parecia que tinha milhares de borboletas batendo asas no meu estomago.

Estava muito feliz e pisando em ovos, mas a minha felicidade durou pouco e logo se transformou em preocupação e no maior pesadelo da minha vida

O que estaria acontecendo comigo? Que sensação era essa que eu sentia dentro de mim?

Não poderia ser…

Isso não poderia estar acontecendo comigo

Ai, meu Deus!

EU SÓ POSSO ESTAR GRÁVIDA!

Não sabia mais o que fazer e o desespero tomou conta de mim…

Como eu vou fazer para contar para o meu pai e para a minha mãe?

O que vai ser de mim agora?

Ainda ontem, lembrei-me de papai conversando sobre a filha de um compadre dele, que estava “embuchada”.

A pobre menina tinha a minha idade e papai falava que se uma desgraça daquelas acontecesse na casa dele ele mandaria a filha embora na hora  e sem direito a nada. Pior: falou até em matar uma maldita daquela…

Ai, meu Deus! O que fazer?

Eu estou ferrada!

Vou ter que contar pra mamãe, pois logo a minha barriga vai crescer.

Eu estava decidida.

Por sorte minha, resolvi me abrir com a minha prima,  pois não aguentava mais guardar aquele segredo comigo.

Ela era danada. Dois anos mais velha, falavam que ela já se esfregava com homens por aí.

Ai, credo.

Foi a minha sorte ter procurado por ela.

Sábia decisão!

Fui até a casa dela e logo eu disse que queria ajuda…

Ela viu a minha cara de aflição e me levou até o quarto onde poderíamos conversar com mais calma…

Com muita vergonha, contei tudo o que aconteceu entre eu e o moço bonito…

Eu contava aos suspiros, entre a saudade do acontecido e o temor da conseqüência.

Ela ouviu tudo com muita atenção.

Eu contei todos os detalhes e também como ficou o meu comportamento depois.

Terminei de contar e para a minha surpresa e felicidade ela deu uma gargalhada e disse:

– Larga de ser boba, mulher!

Você não está grávida!

Você não sabe como é?

Não tem ideia como se faz um filho?

É pegando nos seios que se engravida…

E foi assim que eu tirei um peso das costas e terminou um dos principais pesadelos da minha vida…

Trem Ouro Branco, foto arquivo Prefeitura de Peruíbe

Texto e Criação: Márcio Ribeiro

Foto: Prefeitura de Peruíbe Arquivo

Contato: [email protected]

Todos os direitos reservados – Julho de 2020

 

 

 

Sobre o autor

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Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."


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