Resumindo meu artigo anterior

A proposta de Antonio Gramsci era ambiciosa, ocupar os espaços de produção e disseminação de conteúdo. Universidades, jornais, púlpitos, emissoras de rádio etc.

Sua ideia, no entanto, não era de tudo original. Vários pensadores já haviam percebido a importância desses espaços para o controle da opinião pública. No Brasil, muito antes de Gramsci ser amplamente conhecido, o jornalista Júlio de Mesquita Filho já propunha a criação de uma universidade que servisse de instrumento para conservar a hegemonia da classe dominante. Ele mesmo, sendo representante dessa classe, achava o branco superior ao negro, achava que a República brasileira não deveria ter acontecido – em sua opinião, melhor seria continuarmos no regime monárquico – e era do seu interesse manter a plebe longe das decisões que norteavam o País.

Repito aqui sua justificativa para ter criado a Universidade de São Paulo (USP):

Vencidos pelas armas, sabíamos perfeitamente que só pela ciência e pela perseverança no esforço voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas décadas desfrutáramos no seio da Federação. Paulista até a medula, herdáramos da nossa ascendência bandeirante o gôsto pelos planos arrojados e a paciência necessária à execução dos grandes empreendimentos. Ora, que maior monumento poderíamos erguer aos que haviam consentido no sacrifício supremo para preservar contra o vandalismo que acabava de aviltar a obra de nossos maiores, das bandeiras à independência e da Regência à República, do que a Universidade? Atribuíamos à incapacidade dos que se haviam apossado dos destinos da Nação os erros sem número que nos levaram, com a fatalidade das leis incoercíveis, da proclamação da República à revolução de 30 e, desta, ao levante constitucionalista. Para não faltar ao compromisso que havíamos assumido com o grande movimento, lançamo-nos à tarefa que, não fora essa epopéia com que São Paulo reassumiu o seu papel histórico no quadro da Federação, jamais lograríamos tornar uma realidade. E ela aí está. Não quiseram tal qual a ideamos. Nem por isso, entretanto, estamos certos, deixou o decreto de 25 de janeiro de 1934 de assinalar nos fatos da Nacionalidade o maior acontecimento cultural da sua história (MESQUITA FILHO, J., 1969, p.198 – 199).

 

Em resumo, o que ele diz é: já que não foi possível vencer pela força, tentamos pelos meios culturais. Isso é muito Antonio Gramsci, não é verdade? Mas a criação da USP é de 1934. A primeira menção escrita a Gramsci só aconteceria um ano depois. Não querendo desmerecer a genialidade do articulista sardo, mas parece que ele estava combatendo fogo com fogo. É claro que ele aperfeiçoou o processo, deu certo refinamento, mas a ideia central já era utilizada por aqueles aos quais ele combatia.

Exponho tudo isso para colocar em perspectiva essa história. Gramsci estava combatendo o fascismo. Não digo que o comunismo fosse muito melhor, mas era a opção que ele conhecia.

Se publiquei aqui um denso e longo artigo em formato acadêmico (ver Júlio de Mesquita Filho e a contrarrevolução cultural), não o fiz por questões narcísicas. Queria apenas demonstrar o quanto essas questões são complexas.

Alguns podem argumentar que eu deveria ter dado exemplos de oposição na Itália daquele período, em vez de buscar uma referência brasileira. Mas a oposição italiana era o fascismo, como eu acabei de mencionar. Não acho que eu precise explicar o quanto esse regime poderia ser perigoso.

O caso do Mesquita Filho é diferente. Ele foi uma figura importante no cenário nacional. Criou a USP, combateu na Revolução de 1932, foi preso e exilado duas vezes, teve uma universidade batizada com seu nome – a UNESP. Em suma, é uma espécie de herói nacional. No entanto, algumas de suas ideias são extremamente questionáveis.

Nem sempre as explicações rápidas e sucintas dão conta de abranger a complexidade social. Sei que muitos vão me acusar de ser ideólogo do comunismo, mas isso só prova o nível da incompreensão.

José Fagner Alves Santos

 

Referência

MESQUISTA FILHO, Julio de. Um esboço de autobiografia. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 jul. 1969, p.9-10.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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