Direito de reclamar

Os últimos dias têm sido sofridos aqui na capital paulista. O calor anda tão intenso que está difícil até para dormir. Levanto duas ou três vezes no meio da madrugada para tomar banho. Tenho a impressão de que estou revivendo meus dias em Salvador ou no Rio de Janeiro. Parece que o calor me persegue. Além disso, temos a falta de emprego, a inflação, a violência, o medo da zika.

Por causa da crise andei pensando em sair do país, provavelmente influenciado pela debandada de brasileiros para Miami – sem falar da proposta de um antigo professor que sugeriu que eu me mudasse para Richmond. A grama do vizinho sempre parece mais verde. Fugir desse calor insuportável seria apenas mais um dos benefícios que eu, supostamente, teria. Tanto se fala da miséria educacional do nosso Brasil, da criminalidade absurda, da corrupção, da saúde precária. Como não pensar em partir para outro lugar qualquer?

A resposta é muito simples. Basta recorrer ao simbolismo apresentado por um João Ubaldo Ribeiro, um Jorge Amado, Ariano Suassuna, e tantos outros. Intelectuais tipicamente brasileiros. Eruditos usando bermuda e chinelos de dedo – alpercatas no caso do Suassuna. Pessoas que realmente acreditavam na nação. Sem falsas esperanças, sem ilusões de que algum dia nos assemelhemos à cultura nórdica. Nós somos brasileiros, com nossas idiossincrasias, com nossos chinelos de dedos e nossas bermudas – para ajudar a suportar o calor tropical -, com nossas dificuldades e alegrias.

Não digo que devamos nos conformar com nossa miséria intelectual, com a corrupção endêmica, com a violência fora de controle ou com a nossa falta de infraestrutura. Mas, se as mentes pensantes resolverem, em massa, desistir da nação, nosso futuro não será muito diferente do presente.

Se eu acho que posso, de alguma forma, contribuir para a melhoria da nossa sociedade, tenho a obrigação fazer a minha parte. Por mais que seja tentador ir lavar pratos no EUA, meu compromisso primeiro é para com os meus patrícios. Aqui todos falam a mesma língua que eu, todos estão acostumados ao calor intenso – incluindo o calor humano -, todos somos irmãos na mestiçagem.

Vou lutar por melhorias, mesmo sabendo que minha contribuição é insignificante. Talvez assim eu tenha algum direito de reclamar.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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