Uma viagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una em 1868 (Parte final)
O engenheiro Capanema alertara em seu relato que a partir de Peruíbe “terminam as facilidades de transporte em carros de defunto” e começa “uma nova fase cheia de impressões para o viajante”. De fato, até atingir Iguape tem-se que seguir a pé ou carregado em redes. A impossibilidade de levar cavalos ou carros de boi exige que se arregimente “camaradas que lhe são indispensáveis para levar a sua bagagem à cabeça (…) e para remarem as canoas de que necessariamente tem de fazer uso”. Cada camarada custa 8$000 por viagem, “porém quando embirram impõem preço e, às vezes, não aparece gente”.

O rio Peruíbe (provavelmente o rio Preto) é transposto de canoas e caminhando pela praia chega-se “à raiz do morro, ao qual se investe pela sua maior declividade por sobre barro vermelho, duro, excessivamente escorregadiço quando chove”. O Barão não poupa reprovações às condições da viagem pelo morro dos Itatins que exigiam “exercícios ginásticos”. Grossas árvores caídas requeriam do viajante “trepar em cima e a pular do lado oposto”. Outros troncos tombados “obrigam a passar por baixo, de gatinhas”. A falta de iniciativa governamental de criar ali uma estrada é observada: “O morro presta-se a dar uma rampa, pela qual com facilidade poderiam transitar carros”. As críticas continuam. Sobre as três pontes que existem na descida do morro e a manutenção feita por um certo Urcesino Antônio Ferreira da Conceição — contratado pelo governo provincial para fazer o conserto da estrada de Iguape, que recebeu seis contos e fez serviço malfeito e incompleto. “Hoje três dessas pontes estão com uma cabeceira na água, de modo que os dois pranchões formam um plano inclinado. Viva a mania das empreitadas! O dinheiro foi posto fora e tem-se hoje de gastar outro tanto”.
Ao chegar ao rio Guaraú a expedição deveria encontrar canoas para fazer a travessia, pois a província pagava 800$000 a um indivíduo para manter 4 embarcações ali, seis em Uma e uma no rio Peruíbe. Contudo, “há ocasiões em que não se encontra ali canoa alguma, e o guarda ou alguns camaradas têm de subir pelos mangues e atravessar o rio a nado para ir buscá-la no porto de desembarque” o que levava cerca de duas horas e fazia com que o viajante tivesse de aguardar “na lama, no meio do mangue, atormentado por uma nuvem de meruins [mosquito-do-mangue cuja picada faz inchar a pele] e se tudo for acompanhado de chuva, torna-se um martírio horrível”.
A expedição navegou pelo tortuoso rio Guaraú por uma hora até atingir um porto de onde seguiu amassando lama até o sopé do morro de Una. Do lado do rio Una encontrava-se a casa de João Sabino Pinto, empreiteiro das canoas, que recebia os viajantes e dava-lhes agasalho e comida gratuitamente. As chuvas de julho brecaram a expedição, que ficou alojada três dias na casa do canoeiro Sabino.
Após a pausa, os viajantes seguiram por duas léguas (cerca de 10 quilômetros) da praia de Una até o rio Crajaúna [sic], atravessado em pequena canoa. “O morro de Crajaúna é isolado e alonga-se meia légua pelo litoral, pedregoso do lado do mar; a estrada sobe suavemente até encontrar o espinhaço, pelo qual segue”. A trilha causou vertigens no Barão. “A extremidade desse trilho era medonha; um despenhadeiro quase a prumo, com mais de cinquenta palmos de altura, no qual havia degraus cavados em barro escorregadiço afundado pelas águas, formando saltos de dois a três palmos, e em baixo uma porção de rochedos”.
Caminhando pela praia chega-se às encostas do morro da Guréa (talvez Juréia). No trajeto Capanema vê roças e mandiocas e chama a atenção para uma cultura que se dá bem naquelas terras. “Aqueles terrenos ainda estão mal cultivados apesar de haver porções férteis tanto ali [Guréa] como em Una e Guaraú. Dá neles bem o café, porém é necessário que seja protegido pelo mato”.
O pernoite, sobre bancos, foi feito na casa bastante desmoronada da proprietária da sesmaria. Na manhã seguinte, seguiram de canoa para a cachoeira do rio Verde. “A cascata é mais bela que a da Tijuca, e mais bela ainda a tornava a manhã fria e o ar ambiente com perfume de baunilha mais puro”. Nesse ponto, o metódico e exigente engenheiro rende-se a beleza exuberante da Mata Atlântica. As agruras da viagem e as mazelas dos governantes são deixadas de lado e compensadas pelo ar doce e a espetacular queda d´água.
Após subir o morro da Guréa “ por caminho ora íngreme e pedregoso, ora plano e sombrio” e depois descer até quase beira-mar os viajantes avistaram uma cachoeira “que chamam de Nosso Senhor, porque por aí foi lavada a maravilhosa imagem de Iguape”.
Com uma légua de caminhada pela praia a comitiva alcançou o caminho que vinha do porto do Prelado e encontrou-se com a parcela do grupo que vinha de canoa com a maior parte das cargas. O Barão logo assentou o seu aparelho telegráfico de campanha e telegrafou para a Ribeira de Iguape, “ para que nos aprontassem jantar”.
A expedição organizada para efetuar reparos no ramal sul da rede telegráfica elétrica brasileira, liderada por Guilherme Schüch, continuou em direção ao sul do país. O relato em quatro partes publicado no Diário do Rio de Janeiro, contudo, se encerra com a chegada a Iguape. Na etapa que mais nos interessou — a passagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una — o Barão nos presentou com saborosas descrições da paisagem, dos moradores e de seus costumes em meados do século XIX. Caso você, caro leitor, prezada leitora, ainda esteja irritado com a falta de conexões em seu smartphone nesta temporada de férias, vai aí uma sugestão. Que tal deixar o aparelhinho de lado e ir caminhar na praia, observar a paisagem e a imponente Serra dos Itatins e imaginar o que os olhos do engenheiro Capanema vislumbravam em sua viagem há 150 anos.
Texto e Pesquisa: Fábio Ribeiro *
*Professor de História da Rede Pública e Mestre em História Social pela FFLCH/USP
Foto: Márcio Ribeiro
Postagem: O Garoçá
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ANEXOS
Uma viagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una em 1868 (Parte 2)
Uma viagem por Peruíbe, Guaraú e Barra do Una em 1868 (Parte 1)
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Sobre o autor
Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."