O que podemos refletir sobre o filme “Coringa”

Na noite do último domingo do dia 5 de janeiro de 2020 aconteceu a cerimônia do Globo de Ouro, em Los Angeles, uma das mais importantes, além do Oscar, com premiações entregues pela Academia de Imprensa Estrangeira de Hollywood para profissionais do cinema e da televisão.

Uma das premiações mais aguardadas da noite foi a de melhor ator em filme dramático e, como já esperado por muitos, o ator Joaquim Phoenix venceu esta categoria por sua ilustre atuação no longa Coringa, da DC Comics. Sucesso nos cinemas em diferentes partes do mundo, o personagem que se consagrou como o vilão do Batman assume, desta vez, o protagonismo da trama para apresentar ao público o seu complexo universo, que levou à construção de um dos palhaços mais famosos do mundo com sua risada inconfundível.

Neste novo longa-metragem dirigido por Todd Phillips, Phoenix interpreta o palhaço Arthur Fleck, que trabalha para uma agência de talentos e faz acompanhamento com uma agente social por ter problemas mentais. Após ser demitido do seu emprego, ele tenta se lançar na carreira de comediante de stand up, sem muito sucesso. E, para completar, ele é satirizado na rua e até mesmo na TV por um famoso apresentador norte-americano, interpretado por Robert De Niro, ao exibir o vídeo de uma de suas apresentações de stand up.

Para completar, Fleck descobre ter um passado muito mais conturbado do que parecia, envolvendo a sua mãe, com quem ele mora, e não consegue avançar na vida. Sentindo-se sozinho, sem um emprego fixo e com a cabeça cheia de perturbações, fomentadas pela violência psicológica e física que ele sofre, o protagonista torna-se violento no decorrer da trama, culminando na construção física e psicológica do Coringa.

Um dos elementos-chave do filme é a típica e singular risada incontrolável do personagem que faz parte de seu problema mental e que surge, principalmente, quando ele passa por momentos de tensão.

Vale ressaltar a atuação de Phoenix tanto na reprodução desta risada quanto na encarnação da complexidade do personagem como um todo. Ele consegue expressar, com maestria, a turbulência de sensações e variações de humor prestes a explodir a todo o momento em Fleck, com destaque para o trabalho cênico realizado em sua risada que, embora, externamente, se configure como uma gargalhada, vem acompanhada de uma expressão triste e um som de choro doído ao final do riso. Ou seja, o ator consegue expressar tristeza e dor, enquanto gargalha, numa espécie de referência ao palhaço que faz os outros rirem, mas não ri por ser triste. Uma interpretação profunda e exigente que não é para qualquer ator.

Assim é o Coringa, que apresenta seu universo interno doloroso e sombrio que contrasta com sua imagem de palhaço e oferece ao público uma análise psicológica do personagem e do contexto social em que ele está inserido. Uma variação de cores e a própria trilha sonora – a produção também levou o Globo de Ouro pela melhor trilha sonora original – auxiliam na elucidação desses devaneios mentais do protagonista que, na verdade, estão fundamentados em situações concretas que o assolaram.

O filme é um grito sobre o descaso do Estado com tantas pessoas que sofrem com transtornos psíquicos, com uma sociedade violenta que possui fácil acesso às armas, com a falta de instrução e de humanização dos indivíduos, entre diversas outras questões.

Uma produção que gerou polêmicas e dividiu opiniões entre aqueles que criticaram a exaltação de um vilão e seus atos violentos e aqueles que o olharam com compaixão devido a sua trajetória sofrida. Mas analisar o filme envolve ir muito além de uma divisão tão simplista e superficial, pois a complexidade da produção não defende nem condena o protagonista, mas se configura como um alerta sobre os problemas sociais existentes no mundo contemporâneo. Portanto, não se trata de defender ou de repudiar o Coringa, mas de ultrapassar uma visão maniqueísta para adentrar no complexo de personalidades chamado ser humano.

Sobre o autor

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Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.


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