Arlindo azarado

Arlindo era conhecido pelo seu grande azar. Todos se afastavam dele com medo de serem atingidos por um raio. Quem o conhecia desde a infância sabia bem o porquê deste apelido. Os registros históricos do bairro provam que ele já nasceu azarado. Na barriga de sua mãe, ele conseguiu a proeza de se enrolar no cordão umbilical. Não teve outro jeito, nasceu de cesariana. Quando o tiraram do ventre materno, Arlindo já estava roxo. O médico resolveu dar as tradicionais palmadas, mas o recém-nascido acabou escorregando pelas mãos do doutor que, no reflexo de quem jogava futebol aos finais de semana, acabou dando um chute no moleque para amortecer a queda.

Sobreviveu sem muitas sequelas. Já a sua mãe, devido à crise de choro que teve com o episódio, acabou secando o leite para sempre. Arlindo nunca soube o que era leite materno. Aos dois anos de idade já estava andando e correndo para todos os lados. Certo dia, Arlindo errou a curva e acabou caindo da varanda, escada abaixo. Uma perna quebrada, um pulso trincado e um ombro deslocado. Levou três meses entre usar “gesso” e fisioterapia até voltar a andar normalmente (Só de falar nele, o meu computador travou e perdi o que tinha escrito após a última sentença. Terei que escrever de novo).

Com seis anos, já na idade escolar, sua mãe teve que fazer várias maratonas para encontrar uma vaga para o azarado. Passou um ano em casa sem poder estudar.

Já na escola, depois de alguns anos, ele era alvo de chacota. Tudo porque o time que ele era designado para jogar, nas aulas de educação física, sempre perdia. Acabou desistindo de praticar esportes para se concentrar numa função que não envolvia nenhuma técnica ou sorte. Era o roupeiro do time de futebol (Pausa para salvar o texto).

Lembro-me do dia em que o colégio foi jogar num bairro barra-pesada. O time estava ganhando quando, de repente, a torcida adversária começou a invadir o campo para agredir os jogadores. Eles saíram correndo até o ônibus para se protegerem. Só deu tempo de o motorista ligar o veículo e arrancar a toda velocidade, sem checar se todos haviam entrado. Ninguém ficou surpreso ao notar que o Arlindo não estava no ônibus. Conseguiu sobreviver, mais uma vez sem sequelas, mas com várias escoriações.

Ele também era “expert” em consertar pneus de bicicleta. A sua sempre dava problema no caminho de volta da escola. Ou era pneu furado ou corrente arrebentada. Passou a andar de ônibus.

Arlindo também gostava de ir ao cinema. Não se importava mais em só assistir ao filme dias depois da estreia. Havia se conformado depois de perceber que o ingresso sempre acabava na sua vez.

De um dia para outro a sorte do azarado começou a mudar. Pelo menos foi o que todos no bairro disseram, depois que o Arlindo ficou preso numa Roda Gigante por três horas. A equipe técnica do parque não podia fazer nada devido à chuva que não dava trégua.

Visto que não caiu nenhum raio durante as três horas de forte chuva, as pessoas acharam que a sorte dele havia mudado. Pobre Arlindo, acreditou.

Resolveu participar do primeiro concurso que surgisse. Queria ter certeza. Duas semanas depois começou uma promoção em um Shopping da cidade para concorrer a um carro e 20 mil cruzeiros. Ele entrou confiante, mesmo sabendo que teria mais de 50 mil participantes (pausa para instalar o auto backup).

Enquanto não chegava o dia do sorteio, Arlindo continuou levando sua vidinha pacata e, por incrível que pareça, sem desastres ou indícios de má sorte. Já não perdia o ônibus para ir ao trabalho. O despertador resolveu funcionar e o pneu de sua bicicleta nunca mais furou (e o meu computador não travou mais).

Chegou o grande dia, o Shopping estava lotado. Ele resolveu não comparecer, apesar de seu azar ter desaparecido. Foi dar uma cochilada para passar o tempo e acabou caindo num sono profundo. Começou a sonhar que havia ganhado o prêmio máximo. Foi festa total. Era um homem livre, sem preocupações e poderia até jogar no time do colégio. Mas logo o seu belo devaneio fora interrompido pela campainha de sua casa. Ele não acreditava que tudo havia sido apenas uma fantasia, começou a chorar e a pensar em como mudar a sua vida. Foi atender a porta. Para sua surpresa, havia uma multidão de repórteres com câmeras e microfones, pois ele havia ganhado o prêmio máximo.

Ninguém acreditava! O seu azar tinha realmente desaparecido.

Começaram a gritar seu nome e a bater palmas. O gerente do Shopping entregou a chave do carro junto com o cheque de 20 mil cruzeiros. Os repórteres perguntaram o que ele faria com o dinheiro e o carro. Arlindo respondeu que iria vender o carro e depositar tudo numa poupança e viver de juros. Mas o mais importante, ele iria trocar o seu nome no cartório.

A sorte foi tão grande que o próprio Shopping acabou comprando o carro e ele depositou tudo no mesmo dia, no Banco da Cidade. No dia seguinte, Arlindo acordou com dor de cabeça por ter bebido demais durante a comemoração.  Pegou o jornal e começou a fazer planos enquanto ouvia, na TV, uma certa ministra Zélia Cardoso de Melo anunciando o Plano Collor e confiscando a poupança de todo mundo.

E o pior, o cartório estava fechado.

 

Eddie Silva

Imagem de annca por Pixabay

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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