Uma razão porque não

Nos poucos momentos de ócio tento digitar algumas palavras no meu velho laptop ou navego no Netflix e Hulu para escolher algum filme e série para colocar na minha lista para assistir mais tarde, enquanto aprecio uma boa cerveja artesanal. Lógico que digitar algumas palavras ou selecionar filmes fica sempre em segundo plano. 

Algumas semanas atrás quando abri o app do Netflix no meu smartphone, dei de cara com uma nova série: “13 reasons why” no português direto “13 razões por que”. Por curiosidade abri a sinopse da série e era a história de um adolescente que recebeu uma coleção de fitas K7 contendo depoimentos de uma outra adolescente antes de suicidar. Cada fita abordava um motivo por assim dizer.  Achei um pouco pesada a abordagem da série mas depois ao navegar em varias outras sérias, acabei não dando mais confiança. 

Dias após este raro momento de ócio, recebi um link de um vídeo no Youtube via WhatsApp. Era meu Editor e amigo dizendo: “Você precisa assistir este vídeo”.  A primeira coisa que pensei  que o video poderia ser uma auto-ajuda em como escrever melhor. Acreditem, minha auto-estima não tava muito boa naquele dia. 

Dei uma pausa no que estava fazendo, afinal quem não para tudo para assistir algum video quando recebe pelo WhatsApp e repassa em seguida para o grupo da familia como sendo algo inédito? Mas o video não era o que eu esperava. Não era de auto-ajuda ou de algum bêbado caindo na frente do bar. Era o depoimento de uma jovem que ensina receitas em seu canal do Youtube. No vídeo, a jovem negra – que tem um lindo sorriso, diga-se de passagem – fazia um desabafo em que explicava o por quê iria acabar com o seu canal de receitas. Entre os vários motivos, ela reclamava do site que caiu, da falta de apoio e de todos os problemas que todos nós passamos por não conseguir monetizar o conteúdo que criamos. 

Até aí eu estava me solidarizando com ela, mas nada mais do que isto. Entendia o que ela passava e o mínimo que eu poderia fazer seria ajudar a divulgar o seu canal. Daí ela falou algo que me paralisou. Ela disse que tinha assistido toda a serie “13 Reasons Why” e se identificava com a adolescente. Ela mesmo falou que em alguns momentos enquanto o site estava fora do ar, ela queria desaparecer, não existir mais. Era difícil de acreditar. Uma linda moça, com um sorriso extraordinário, chorando, dizendo que se identificava com uma adolescente que sofreu abusos e bullying e tirou a sua própria vida.

Assisti ao resto do vídeo com outra expectativa. Enquanto assistia não conseguia tirar da minha mente algumas questões como: Será que ela falou aquilo sério?” Será que ela realmente se identificou com a outra adolescente ao ponto de se inspirar nas ações dela? Eu relutava em aceitar. Torço por ela e desejo que tenha sido apenas um lapso de comunicação.

Aquele video mexeu realmente comigo. Lembrei na primeira vez em que vi o anúncio da série no Netflix. Embora não tenha dado muito importância naquele momento, ocorreu-me a ideia de que aquela série poderia ser perigosa para jovens com depressão.

O mundo de hoje é diferente do mundo em que vivi minha adolescência. Sempre houve prós e contras. Por exemplo, nada substitui as peladas que jogávamos até o anoitecer no meio da rua, ou as corridas com carrinho de rolimã, ou os mergulhos no rio. Claro que eu trocaria meu estilingue feito com borracha de câmara de pneu de avião – falávamos que era de avião para ficar mais valorizado – por um iPhone 7 Plus. Assim eu poderia filmar um longa-metragem daqueles que imaginávamos enquanto descansávamos em baixo de uma árvore depois de uma partida de futebol. Mas isso já é assunto para outro texto. O ponto é que, o jovem de hoje não tem mais estrutura emocional. E eles não têm culpa. Estão presos ou são reféns de uma geração que foi criada com acesso à internet, celular e derivados.

O bullying que sofríamos geralmente era resolvido no braço ou de outra forma qualquer. Sempre sem nossos pais. Qualquer psicólogo diria que aquele não era o melhor, mas era o que tínhamos na época. Mudar de escola ou de bairro porque alguém me chamou de dentuço ou orelhudo, não estava nos planos.

Mas hoje, com as redes sociais, a coisa ficou complicada para o adolescente. Não basta mudar de escola, de bairro ou cidade. A sua identidade na internet te acompanha para onde você for. Se você sofre bullying em Curitiba, vai continuar sofrendo em São Paulo ou em outra cidade. É errado? Sim, é. Por isso que eu fiquei paralisado com o depoimento da moça. Se ela que tem uma boa desenvoltura para gravar vídeos, falar com o público e criar um bom conteúdo na internet teve esta identificação com a série, imagine aquele adolescente pobre coitado, que sofre calado todos os dias na escola, no bairro e muitas vezes os pais nem percebem. Se um jovem desses assiste e se identifica com a jovem suicida, é preciso ficar alerta. Será questão de tempo para que alguém imite e queira fazer suas fitas com as 13 razões.

Você pode até achar que eu estou exagerando. Bem, basta ver a nova mania que é o tal jogo do Blue Whale ou Baleia azul. Muitos jovens pelo mundo estão se suicidando, aparentemente sem nenhum motivo. E mesmo que as investigações venham a comprovar que os suicídios não têm nenhuma ligação com o jogo, o fato é que houve suicídios.

Seria então correto a Netflix ter feito esta série? A série foi baseada em um livro publicada em 2007 e se tornou best seller em 2011. Como sabemos os jovens hoje não são muito afim da leitura. Centenas de livros são lançados mensalmente e este passou desapercebido talvez por muitos adolescentes. Uma série no Netflix direcionada aos jovens, acaba cativando mais o interesse deste público.

O problema não é da Netflix. Afinal muitos filmes no gênero são lançados normalmente sem O problema não é da Netflix. Afinal, muitos filmes no gênero são lançados normalmente sem nenhum alarde. O problema é que hoje muitos jovens passam por dificuldades e os pais acabam não percebendo a mudança de atitude do filho. Talvez pensem que é a transição da infância para adolescência e desconsideram os sentimentos dos rebentos.

Os jovens estão sozinhos neste mundo assustador cheio de bullying, cheio de drogas, cheio de abusos sexuais e cheio de desejos materialistas. Um jovem com pouca estrutura emocional não tem onde se escorar.

Cabe aos pais dar mais atenção aos filhos, dar amor, melhorar a comunicação.  Coisas simples, ao alcance de qualquer um, poderão evitar consequências posteriores que irão afetar a vida de toda a família.

Espero que a audiência saiba separar as coisas. Não queremos adicionar novos capítulos e novos personagens a essa história. A vida dos nossos jovens vale muito. E, sem dúvida, esta seria uma razão porque não.

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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