Medo de morcego? Eu?

Numa manhã dessas, resolvi dar uma saída pela cidade, andar sem destino. Conectei-me ao Spotify e escolhi a primeira playlist que apareceu na tela do meu celular. O dia estava bonito, céu limpo e sem vento. Perfeito para caminhar. Coloquei os fones nos ouvidos e segui em direção do parque. De repente, começou a tocar uma música que me remeteu aos meus tempos de piá pançudo. Tempo em que eu acampava todo mês. Cada acampamento era uma história nova para contar.

O nosso acampamento era diferente dos tradicionais. Não usávamos barraca ou tenda. Apenas uma rede que era amarrada, cada ponta em uma árvore, e uma lona plástica por cima. Podia chover, nevar ou acontecer qualquer coisa parecida, não haveria preocupação.

Durante o dia ficávamos pescando, nadando e procurando um lugar melhor para nos instalarmos. À noite, sentados em volta da fogueira, jogando conversa fora, contando algumas mentiras, cantando ao som da viola e assando algum peixe ou rã. Realmente aquilo era muito bom.

Mas, nem tudo era perfeito, por assim dizer. Algumas vezes, passamos por vários apuros. Certa vez, acampamos na frente de uma gruta. Ela era enorme. Passava um rio por dentro dela. Não fazia diferença se era dia ou noite. Era escura do mesmo jeito.

Amarramos as redes na entrada sobre o rio. Para deitar-se na rede, era preciso se pendurar pela corda até chegar a ela. Tínhamos de ter cuidado para não cair no rio.

Depois que anoiteceu e todos nós já estávamos deitados, saíram da gruta, centenas ou milhares de morcegos. Nunca vi tanto morcego na minha vida. Aliás, nunca ouvi tanto morcego, pois eu estava com a cabeça enfiada no meio das pernas e só tirei quando alguém ameaçou dizer: Será que já Foram?”

Respondi rapidamente sem pestanejar: “Já foram e eram milhares.”

Passei então a vangloriar a minha coragem de enfrentar os morcegos apenas com o meu olhar.

Depois de responder muitas perguntas, aconselhei meus amigos a tirarem as meias, molhá-las no rio e amarrá-las no pescoço para dormir. Assim, quando os morcegos voltassem para a gruta, não morderiam ninguém.

Foi aquele tumulto. Pessoas tirando as meias, pulando no rio, emprestando meias para quem não tinha. Teve até quem se molhasse por inteiro, só para garantir.

Deu pena de ver a molecada, tomando banho no rio em plena madrugada, num frio de lascar em que eu não sairia da minha rede nem para tirar a água do joelho.

Passado um tempo, todos já estavam dormindo, com meias amaradas no pescoço, nos braços, nas pernas…

Uns espirrando, devido ao frio, outros já estavam efetivamente resfriados. E eu, é claro, na minha rede, bem quentinho, disfarçando o riso. Não acreditava que eles haviam caído naquela lorota.

No dia seguinte, levantamos acampamento. Todos contentes. Eles porque não haviam sido mordidos pelos morcegos, e eu porque tinha pregado uma peça neles.

Cheguei em casa, como sempre depois dos acampamentos, todo sujo, cheirando a fumaça. Minha mãe grita da porta: “Pode tomar um banho no tanque e faz o favor de tirar esta meia ridícula do teu pescoço.”

Meia? Oops.

 

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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