O valor da curadoria e de um bom tutor
Como selecionar corretamente aquilo que se deve ler, entre tantas opções existentes?
Uma coisa muito comum de se ouvir dos pais, e das pessoas mais velhas de modo geral, é: leia bastante. É um consenso. Ler faz bem, expande os horizontes, melhora a percepção do mundo, nos permite o contato com ideias e autores que não teríamos acesso de outra forma, melhora a capacidade de escrita. O grande problema é: o que devo ler? Para um jovem sem muita orientação será normal focar nas histórias em quadrinhos ou nos livros de autores como John Green ou Nicholas Sparks.
O amigo leitor não me entenda mal. Eu compreendo o valor desses autores, assim como compreendo o valor das histórias em quadrinhos. Eu já fui um grande colecionador, e ainda leio algo nesse formato esporadicamente. A questão que estou querendo debater não tem relação com discriminar estilos ou autores, está mais relacionada com o hábito que alguns leitores têm de estacionar naquele tipo de leitura. Conheço alguns amigos – aos trinta ou quarenta anos – que possuem no seu currículo de leitura: Quadrinhos, Paulo Coelho, Augusto Cury, Nicholas Sparks, John Green e nada mais.
Volto a afirmar que todos os citados possuem seu valor. Não tenho a menor intenção de diminuir ninguém. Então, qual é o problema? Muito simples, cada autor possui apenas sua própria visão de mundo. Quanto maior o número de autores que você conhecer, maior será o seu referencial sobre as diversas perspectivas existentes. É com o apoio dessas diversas perspectivas que vamos criando uma concepção mais universal do que é a vida.
É claro que existem pessoas extremamente cultas e completamente bitoladas. Não há garantias de que o ato de conhecer vai te transformar como pessoa, mas, ao menos, te dará ferramentas intelectuais para se expressar melhor, para argumentar melhor, para se tornar alguém melhor se esse for o seu interesse.
Mas aí vem um segundo problema. A quantidade de livros produzidos é infinitamente maior do que a capacidade de leitura de qualquer ser humano. Nossa vida é muito curta para se conhecer tudo o que já foi produzido. O que fazer?
Bem, minha primeira sugestão é que se tome consciência que nem tudo que já foi produzido merece ser conhecido, e isso é válido para qualquer campo da arte. Muita coisa é cópia malfeita, muita coisa não atinge o nível mínimo de qualidade, muita coisa é repetição. Então, como selecionar o que ler? Em tese, é para isso que serve a escola. Essa instituição deveria fazer a curadoria daquilo que merece ser lido, ouvido e admirado. Na prática, no entanto, os alunos costumam se formar bem aquém do que deveriam.
A solução é arrumar um tutor. Normalmente o tutor precisa ser alguém com maior experiência, maior bagagem de leitura, que possa indicar autores, obras e exercícios a serem realizados. O ideal é que seja uma pessoa de fácil acesso, mas nada impede que seja um completo desconhecido. Algum cronista que faz a indicação de um livro, filme ou música em seus textos, alguém que costuma escrever continuamente sobre o mesmo assunto, alguém que demonstre o domínio em determinada área do seu interesse. Mas não se prenda a esse tutor. Aprenda com ele tudo que puder e siga em frente.
As referências de leitura te levarão a outras referências. Persiga-as com afinco. Crie um hábito diário de leitura, com número de páginas pré-estabelecido. Em quatro ou cinco anos você se erguerá, culturalmente, muito além do que imaginou ser possível.
José Fagner Alves Santos
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Sobre o autor
José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.