Eu sou o palhaço de Kierkegaard

Não me recordo de outro momento em minha vida em que tenha me sentido tão cansado. Não que algum momento da minha vida tenha sido fácil, mas nada me cansou tanto quanto o atual trabalho que estou realizando.

Convocado para diagramar nove cadernos didáticos, estou preso num trabalho que mais parece o dia da marmota. Estou há três meses tentando explicar que o texto a ser diagramado precisa de revisão, mas fui acusado de preciosismo. Frases incompreensivas, erros de escrita que beiram o analfabetismo e teimosia cega. “Pode diagramar, depois a gente revisa”, foi a resposta que ouvi. Resultado: eu diagramo, mas como está com erros, o trabalho precisa ser refeito. E de novo, e de novo, e de novo…

Como se isso não bastasse, os nove cadernos se transformaram em vinte, sem qualquer menção a aumento do valor recebido. Nem estou mencionando as dificuldades da pandemia, o sofrimento do isolamento, a preocupação com a família. Falo apenas do ato de diagramar e re-diagramar os mesmos arquivos há três meses, quatro, cinco, seis vezes. Já tentei dialogar, já tentei explicar, já tentei não dar importância. Nada funcionou.

Essas pessoas estão ocupando cargos de destaques em ONGS, universidades e nas mais diversas instituições. Essa é a diferença que faz ter uma boa rede de sociabilidade – o famoso networking. Eu não tenho, tanto é assim que estou no meio de um trabalho desse tipo, levando todo o peso do projeto.

Situações como essa, que têm se tornado um tanto constantes em minha vida, fazem com que eu me lembre de uma famosa anedota de Kierkegaard. A história é que um incêndio havia começado nas cortinas ao fundo do teatro. O palhaço subiu ao palco desesperado tentando avisar o público. Foi aplaudido com muito entusiasmo. Percebendo que não havia sido compreendido, o palhaço repete o alerta. Novamente foi aplaudido entre gritos e risadas. Kierkegaard então conclui sua história: “É desta forma, penso eu, que o mundo será destruído – entre a universal hilaridade de avisos e acenos que são encarados como piada.”

Tomara que eu tenha saúde mental para chegar ao final dessa jornada.

Boa semana para você.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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