Tracy K. Smith no Brasil: a poesia como instrumento de reconexão e revelação
A premiada poeta norte-americana Tracy K. Smith desembarca no Brasil com a força de uma obra que há décadas transforma a maneira como lemos o mundo — e a nós mesmos. Vencedora do Pulitzer por Vida em Marte e finalista do National Book Award com Ordinary Light, a autora chega ao país em maio com o lançamento simultâneo de duas coletâneas inéditas em português: Vida em Marte (Relicário) e Uma fome tão afiada (Malê). Sua passagem inclui conversas em São Paulo e no Rio de Janeiro, e marca a abertura do Festival Poesia no Centro, no dia 16 de maio.
Smith descobriu a poesia aos dez anos, ao se deparar com Emily Dickinson. Desde então, construiu uma obra que explora com profundidade temas como luto, espiritualidade, maternidade, identidade e a paisagem política e cultural dos Estados Unidos. Em entrevista à Quatro Cinco Um, a autora compartilha a origem de seus poemas, suas influências (de David Bowie a Star Trek), sua vivência como mulher negra na América, e a crença de que a poesia é uma linguagem para o que ainda não conseguimos nomear.
A poesia como vocabulário do indizível
Em Vida em Marte, Smith mistura ficção científica e autobiografia para processar a morte do pai — um engenheiro que trabalhou no telescópio Hubble — e refletir sobre o universo, Deus e a possibilidade de uma vida após a morte. Ao mesmo tempo em que lida com o luto, também estava grávida, o que intensificou sua meditação sobre a continuidade da vida. “Minha filha e meu pai estavam juntos, em algum lugar, me ajudando a compreender onde eu estava”, diz.
Já Uma fome tão afiada é uma antologia que percorre toda sua carreira, incluindo poemas recentes e traduções cuidadosas feitas por Salgado Maranhão e Alexis Levitin. Poemas como “Ministro da Saudade” e “Catedral kitsch” evocam a experiência da autora no Brasil — especialmente em Salvador, onde esteve vinte anos atrás — com imagens vívidas e sensoriais.
Poesia como ponte em tempos de ruptura
Além de escrever, Smith levou a poesia a comunidades rurais dos EUA por meio do projeto American Conversations. Durante dois anos, visitou cidades com públicos diversos para compartilhar poemas sobre amor, exílio, cidadania e perda. O projeto buscava criar espaço para escuta e vulnerabilidade em um país marcado pela polarização. Em Kentucky, por exemplo, uma mulher branca compartilhou gravações da avó como um gesto de reconhecimento e desejo de reconciliação após ouvir poemas sobre soldados negros na Guerra Civil.
A experiência foi tão transformadora que resultou em Fearless Poetry, Imperilled Times (Poesia destemida, tempos perigosos), novo livro que reafirma a poesia como prática de abertura, encontro e coragem diante de tempos sombrios.
A imagem como revelação
Com forte influência visual, a escrita de Smith é marcada por cenas concretas e evocativas. O gosto por cinema e fotografia moldou sua forma de criar — ela aprendeu a pensar em imagens antes das palavras. “Se eu fosse diretora de um filme mudo, o que mostraria para transmitir essa emoção?”, conta. Essa busca por traduzir o invisível em imagens palpáveis é o que torna seus poemas tão intensos e acessíveis.
Poesia como comunhão
Professora em Harvard, Smith fala com firmeza sobre a importância da liberdade acadêmica e da diversidade como motor do conhecimento. Suas referências literárias incluem nomes como Lucille Clifton, Jericho Brown e colegas de formação como Tina Chang, com quem mantém uma comunidade criativa e afetiva. Ela também se vê em comunhão com seus ancestrais, cujas vozes diz escutar ao escrever.
Convite ao leitor
Tracy K. Smith constrói pontes. Entre tempos, culturas, pessoas. Seus poemas convidam à escuta, à memória e à empatia. E agora, com Vida em Marte e Uma fome tão afiada, o público brasileiro tem a chance de adentrar essa obra tão vasta quanto íntima, tão política quanto espiritual.
A poesia que muda a forma como nos vemos começa com uma leitura. Não perca a chance de conhecer Tracy K. Smith. Confira seus livros já disponíveis no Brasil e acompanhe sua participação no Festival Poesia no Centro. Entrada gratuita — e transformação garantida.
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Sobre o autor
José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.