A literatura não é para todo mundo

Enquanto não entendermos isso vamos continuar agindo como os chatos pedantes que vivem empurrando sugestões de leituras para pessoas que não estão interessadas

Tenho tentado me policiar quanto ao aliciamento de novos leitores. Sempre fui daqueles chatos que ficam empurrando livros para que os amigos, e a namorada, leiam. O desejo de compartilhar aquilo que me interessa era a força motriz por trás da minha chatice. Mas, o tempo passa. E em alguns assuntos, em alguns casos, a gente costuma amadurecer. Percebi, já faz um tempo, que aquilo que é interessante para mim pode não ser para o outro.

Tenho amigos de infância que até hoje só leem histórias em quadrinhos. Alguns outros têm interesse por livros de fantasias – Harry Potter, Game of Thrones e tutti quanti –, mas existem também aqueles que não gostam de ler. Eu sei, parece chocante, mas essa é uma verdade que precisamos compreender.

Não é uma simples relação de escolaridade. Conheço muita gente com mestrado e doutorado que não cultiva o prazer da leitura descompromissada. Seria bom se o hábito fosse desenvolvido muito cedo, mas nada garante que esse mesmo hábito será alimentado na fase adulta.

Alguns motivos são até evidentes: as obrigações diárias tomam boa parte do tempo, impossibilitando que se reserve um tempinho para a leitura; também é preciso lembrar que ler cansa, mesmo que seja algo descompromissado; além disso, existem outras opções de entretenimento que exigem menos. É muito mais fácil assistir a um episódio daquela série marota, na Netflix.

É claro que se pode argumentar em favor dos enormes benefícios cognitivos que a prática da leitura nos traz. Pode se afirmar, inclusive, que o livro é melhor que o filme, que a reportagem é melhor que o documentário etc. Mas o fato é que algumas pessoas não são leitoras habituais e nunca serão.

Para se formar um bom leitor é preciso um longo período de treinamento logo após o processo de alfabetização. É preciso dedicação e investimento de tempo e esforços. Algumas pessoas não passaram por isso na infância e não estão dispostas a passar por isso na fase adulta. Outras desenvolveram a leitura muito cedo, leem muito bem, mas preferem outro tipo de atividade. O importante é que se saiba reconhecer cada um, sem rotular ninguém, e que se respeite essas características.

Como eu já disse ali em cima, há algum tempo venho percebendo isso e tentando ser menos chato. Posso indicar uma boa leitura para o caso de alguém perguntar, mas tenho evitado ficar empurrando livros para pessoas que eu sei não terem interesse. Assim eu tento ser um pouco menos chato e meus amigos ganham um motivo para me suportar.

 

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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