Artigo Usina Penúltima Parte: Usina nuclear: A redenção de Peruíbe?
Entre os primeiros rumores sobre a instalação das duas usinas nucleares na Juréia, no início de 1980 e a efetiva confirmação através do decreto federal de 4 de junho, o desencontro de informações acerca do empreendimento atômico deixou a população peruibense atônita e temerosa.
A imprensa regional — notadamente os jornais A Tribuna e Cidade de Santos — e os periódicos de abrangência nacional veiculavam com bastante frequência notícias sobre o possível projeto e sua localização no litoral sul paulista. Quando interrogados sobre a veracidade dos boatos, ministros, diretores das estatais envolvidas e técnicos do governo respondiam de forma vaga, ora negando, ora confirmando o projeto.
Após o decreto de desapropriação, o que se viu foram lideranças políticas e entidades ambientalistas tentando buscar, em Brasília, informações sobre os próximos passos do plano nuclear. Em 16 de julho de 1980, uma comitiva composta pelo prefeito de Peruíbe, George Popescu, e alguns vereadores foi recebida na capital federal pelo ministro das Minas e Energia, César Cals. Em reunião, ouviram do ministro que “a decisão de instalar duas usinas nucleares em São Paulo é irreversível”, embora tivesse concordado com a falta de esclarecimento governamental a respeito dessa decisão. (Cidade de Santos , 17.7.1980)
A promessa do governo em fevereiro de 1981 era de que “a construção das terceira e quarta usinas nucleares na região entre Peruíbe e Iguape, será iniciada em meados do próximo ano”. (Jornal do Commercio, 21.2.81)
Nota-se como as decisões eram tomadas sem a preocupação de estabelecer diálogos com a sociedade local.
Diante desta falta de informações e de interlocução quem mais sofria eram os moradores da região da Barra do Una, que teriam suas terras desapropriadas para a realização da obra. Em 9 de fevereiro de 1981, os caiçaras bloquearam o acesso a área a ser desapropriada como protesto contra o possível despejo. Nove dias depois, o chefe da Assessoria de Comunicação Social Nuclebras, Cezarion Praxedes, apareceu para uma reunião com a população de Una. Vejamos o que relata o Cidade de Santos sobre o encontro: “Antes mesmo das 15 horas, horário previsto para o início da reunião, muitas famílias permaneciam à frente do prédio da Primec [sic]. Homens, mulheres e crianças se comprimiam no espaço do prédio, pequeno em relação ao número de moradores. Alguns dormiam no chão, em colchões improvisados, vindos de muito longe. Era gente de Paranapuã [sic], Carambori [sic], Juquiazinho, Praia Verde e Barro Branco em Peruíbe ou quem sabe de terreno depois da Barra do Una, limite do município com Iguape.”
Os esclarecimentos prestados pela Nuclebras não parecem ter agradado os moradores – que a imprensa denominava “posseiros”. “Os posseiros demonstravam um pouco de ceticismo após as explicações dos representantes da Nuclebras. Argumentavam que o direito ao usucapião por exemplo será anulado, nos casos dos deslocamentos para outras áreas, mesmo que estejam dentro dos limites da gleba desapropriada.”
Talvez preocupada com a repulsa da população, a partir de 1982 a estatal iniciou ações mais efetivas em Peruíbe e Iguape. Prometia para meados daquele ano a construção de estradas de acesso à região em que seriam erguidas as centrais nucleares, o que proporcionaria, segundo a empresa, entre 1.000 e 1.500 empregos em dois anos. Também começaria a obra de complementação da linha de transmissão, obras marítimas, abertura do sitio no qual serão construídas as usinas e trabalhos de instalação dos canteiros.
Segundo A Tribuna (13.1.1982), a Nuclebras e as prefeituras dos municípios de Peruíbe e Iguape inauguraram “os cursos de treinamento e preparação de mão-de-obra para construção e montagem das usinas 4 e 5 do programa nuclear brasileiro”.
Dentro desta política de aproximação com a cidade, numa sexta-feira, 15 de outubro de 1982, o Presidente da Nuclebras, Paulo Nogueira Batista compareceria em Peruíbe para assinar um Protocolo de Intenções com a Prefeitura da cidade. Contudo, de forma mal explicada e à última hora mudou seus planos e mandou um preposto, o general José Pinto de Araújo Rabelo, diretor superintendente da Nuclebras. Hospedado no Hotel Glória, o general não escapou dos manifestantes que levaram faixas ao local. No domingo, dia 17, a Nuclebras divulgou um anúncio de página inteira nos jornais regionais (A Tribuna e Cidade de Santos) intitulado “NUCLEBRAS integra-se à comunidade de Peruíbe”, no qual era transcrito o discurso feito pelo general Araújo Rabelo, quando da assinatura do Protocolo.
Dirigindo-se ao Prefeito, aos vereadores e aos cidadãos peruibenses, o diretor superintendente inicia ressaltando que o projeto seria de longo prazo — “uma convivência que deverá ser longa e fecunda” — e destaca a importância e a necessidade do empreendimento — “as usinas a serem construídas aqui moverão indústrias e iluminarão cidades deste e de outros estados”. Afirma que a construção de usinas nucleares na região “deverá ir além das duas previstas” e que o prazo para conclusão de cada unidade é estimado em nove anos.
Em relação à mão de obra, além da promessa de uso do trabalhador local, números vultosos. 1500 empregos apenas para construir os acessos à região. Sete mil trabalhadores para levantar as duas usinas (cerca de um terço dos habitantes da cidade!). “Isto significa que toda a mão-de-obra disponível na região — qualificada ou não — poderá ser absorvida durante o período de construção”, ressalta o representante da Nuclebras. Os números continuam volumosos: “2500 a 3000 casas para abrigar essa força de trabalho” (mas não seriam moradores locais?!).
De acordo com o general a Nuclebras estava bastante preocupada com a estrutura urbana e com a qualidade de vida da população peruibense, por isso “encomendou a uma empresa de urbanismo — a CNEC — um plano que oferece agora à Prefeitura e aos legisladores de Peruíbe.” O Plano indicava quatro pontos como os de maior urgência: a construção do Mercado Municipal e a do Terminal Rodoviário; o revestimento do córrego da Avenida Ubatuba; e o enrocamento e desassoreamento do Rio Preto.
O bem-estar da população também era motivo de atenção dos executores do projeto nuclear. Questões sociais como “realização de programas de saúde, a ampliação do posto de saúde e construção de novos postos; programas de educação, como a ampliação da rede escolar e a instalação de creches; e programas de lazer e turismo, como a complementação do parque turístico e a criação da estância marítima e do ancoradouro turístico.”
O general cumpre seu papel: declara-se preocupado com a cidade e seus moradores, defende a necessidade premente do empreendimento, apresenta números empolgantes sobre o projeto e “oferece” à cidade um programa de obras e realizações no plano urbanístico e social que transformariam a modesta Peruíbe numa moderna e pulsante cidade. Contudo, no discurso do diretor nenhuma palavra sobre os efeitos da obra para o meio ambiente local e para o turismo, nada sobre o impacto social nas áreas periféricas da cidade (que, certamente, sofreriam um inchaço populacional, mas não seriam contempladas pelas obras propostas) e, principalmente, nenhuma consideração acerca dos maiores afetados — os moradores da Barra do Una.
O projeto atômico colocava-se como a redenção de Peruíbe, que levaria a cidade do carro de bois ao trem-bala, sem ter que passar pelo Fusca. O brilho dourado do átomo parece ter atraído os olhares ambiciosos de alguns na cidade, que embarcaram nessa aventura e passaram a defender, se não publicamente, de maneira velada, o empreendimento. Mas a turma do “Usina Nuclear Não!” continuava numerosa…e barulhenta.
Texto e Pesquisa: Fábio Ribeiro*
*Professor de História da Rede Pública e Mestre em História Social pela FFLCH/USP
Imagens: Creditadas no local
Publicação: Márcio Ribeiro / O Garoçá
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FONTES CONSULTADAS
Jornal “O Estado de S.Paulo” disponível em http://acervo.estadao.com.br
Jornal “Folha de S.Paulo” disponível em http://acervo.folha.uol.com.br
Jornal “O Globo” disponível em http://acervo.oglobo.globo.com
Outros jornais citados http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
Acervo DEOPS http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/escritos
Revista “Veja” https://complemento.veja.abril.com.br/acervodigital/index-novo-acervo.html
ANEXOS
Artigo usina parte 3: Movimentos antiusina e a vigilância do DEOPS
Ensaio fotográfico: Viaje no tempo e veja fotos históricas e recentes de pichações antiusina
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Sobre o autor
Sou Jornalista, Técnico em Turismo, Monitor Ambiental, Técnico em Lazer e Recreação e observador de pássaros. Sou membro da Academia Peruibense de Letras e caiçara com orgulho das matas da Juréia. Trabalhei na Rádio Planeta FM, sou fundador do Jornal Bem-Te-Vi e participei de uma reunião de criação do Jornal do Caraguava. Fiz estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Peruíbe e no Jornal Expresso Popular, do Grupo "A Tribuna", de Santos, afiliada Globo. Fui Diretor de Imprensa na Associação dos Estudantes de Peruíbe - AEP. Trabalhei também em outras áreas. Atualmente, escrevo para "O Garoçá / Editoria Livre" e para a "Revista Editoria Livre."