A história de um suicídio (parte XI)
Dois universitários, uma webcam e uma tragédia
Reportagem de Ian Parker
(Publicada originalmente na Revista New York)
Tradução livre: Luana Werneck
Naquela noite, Ravi também mandou uma mensagem de texto para Michelle Huang, uma amiga de escola que estudava na Cornell. “Eu a tenho [a câmera] apontada para a cama dele e o meu monitor está desligado, então não tem como ele vê”, ele escreveu. E “ela aceita automaticamente, eu já testei e deu certo”. Depois adicionou, “vou avisando, pode ser nojento” e “ o pessoal está fazendo uma reuniãozinha para assistir”( Huang não aceitou a oferta).
Por volta das 20h30, Ravi deixou o dormitório e foi praticar Ultimate Frisbee. Depois que Clementi leu o tweet de Ravi “aconteceu novamente”, pouco antes da meia noite – este parece ter acabado com suas dúvidas e decidido sobre que atitude tomar. Clementi foi ver Raahi Grover, um conselheiro residente, pouco antes de M.B. chegar. Grover ficou preocupado com a história e pediu que ele a escrevesse em um email. E para aquela noite, ele ofereceu uma cama em seu próprio quarto. Clementi recusou e voltou ao seu dormitório.
Ele desplugou o computador de Ravi. E às 21h41 mandou uma mensagem de texto para Yang “Eu tenho medo de talvez ele ter escondido outra webcam, então eu também desliguei a energia do quarto”. Os promotores insistem na acusação de viés de intimidação, pois consideraram que este sentimento de “medo”, neste contexto constitui uma evidencia do terrorismo praticado.
Ravi afirmou que à essa altura tinha mudado de ideia sobre a transmissão ao vivo e havia desativado sua webcam. No entanto, ele ainda se referia a uma “reuniãozinha para assistir” quando saiu do dormitório para jogar Frisbee, e no dia seguinte, mandou uma mensagem para Huang dizendo “ele ficou confuso e não funcionou LOL”.
Quando M.B. chegou às 22h19, Clementi não contou sobre o que aconteceu no domingo. Ravi retornou ao dormitório e ficou esperando no quarto de Agarwal. Um pouco depois das 23h ele enviou uma mensagem de texto para Clementi perguntando se ainda estava usando o quarto. E às 23h48 Clementi respondeu: “nós acabamos”.
Aproximadamente quinze minutos depois, Clementi mandou um email para Grover. Ele descreveu dois incidentes, o de domingo e sobre as mensagens no Twitter de Ravi, escreveu “Eu sinto que minha privacidade foi violada e estou extremamente desconfortável a continuar a dividir um quarto com uma pessoa que agiu de forma descontrolada e inadequada”.
Naquela noite, ele escreveu no Justusboys “Desde domingo, quando eu pedi o quarto pela primeira vez, eu nem sequer vi meu colega de quarto…e ele fez isso outra vez, brinca comigo…falar com ele não parece ser uma boa ideia”, e adicionou “entretanto eu fiquei louco procurando outras câmeras escondidas e desligando seu computador e a energia do quarto…e depois de tudo isso, eu tive um grande momento”. Alguns minutos depois ele respondeu à sugestão de tirar um screenshot da página do twitter de Ravi: “Oh, haha eu já fiz, baby”.
No final da manhã seguinte, Clementi falou com sua mãe por telefone. Segundo ela, ele parecia normal, no entanto, “em alguns momentos ele pareceu reflexivo”. Ele também recebeu um e-mail do gabinete de habitação da Rutgers pedindo para que entrasse em contato.
Naquela tarde, ele passou três horas ensaiando a “Symphonie Fantastique”. Kynan Johns, que dirigia o ensaio, falou que não tinha visto nada marcante no comportamento de Clementi e ainda compartilhou algumas boas notícias com ele, que tinha conseguido aulas de violino para Clementi de graça. Paul Mainardi contou que Clementi “sentou-se ao lado de uma garota nas aulas de violino, sempre se sentava ao lado dela. Eles discutiram sobre a passagem de umas notas em suas músicas que consideravam particularmente difícil e até falaram de alguns eventos programados. Tudo estava tipicamente comum”.
Ravi não teve aulas naquele dia e passou a maior parte do tempo em seu quarto. Durante a tarde, Raahi Grover, o conselheiro residente, o visitou em seu quarto e contou sobre a reclamação de Clementi. De acordo com o depoimento que Grover deu à policia, Ravi tentou se defender, mas ele o cortou. Ravi “parecia bastante chateado” e “confuso”, disse Grover.
Ravi estava no quarto quando Clementi retornou ao Davidson C. após às cinco horas. Essa foi provavelmente a primeira vez que eles interagiram desde domingo. Mais tarde, Ravi recordou de Clementi “estar fazendo algo em sua mesa”. Foi a carta que a polícia encontrou dentro de sua mochila (O conteúdo da carta ainda não foi revelado à família). Ravi e Clementi estiveram juntos por menos de uma hora. Não se sabe se eles conversaram – não há registro eletrônico.
Ravi contou à polícia que foi chamado, para fora de seu quarto, por um amigo e quando voltou, Clementi já não estava mais lá, embora sua mochila ainda estivesse. Ele imaginou “Oh, talvez ele tenha saído para pegar uma comida ou algo assim”. Se Clementi e Ravi tinham discutido, Ravi não demonstrou sinal de estresse quando conversou via mensagem de texto com Jason Tam, que estava em Nova Yorque, entre às 17h40 e 18h30. Ravi o encorajou a visitar Rutgers, “Venha para Universidade Rutgers, bicha” e Tam respondeu, “Não, a UR é muito gay”.
Mainardi contou-me o que ele sabia sobre as horas seguintes. Clementi foi para a praça de alimentação do campus e comprou um hambúrguer e, aproximadamente às 18h30 pegou o ônibus da universidade para a estação ferroviária, onde tomou um trem para Nova York e depois um metrô de superfície. Ele foi em direção a ponte George Washington.
Estava com seu celular e tinha instalado recentemente o aplicativo do Facebook, esta ação tinha sido documentada em seu feed de notícias. Às 20h42, ele atualizou seu status e postou “Pulando da ponte gw, desculpem”. Mainardi disse que não havia testemunhas, as pessoas disseram que viram Clementi sobre o trajeto sul e depois viram que ele não estava mais lá. A queda, a partir do centro da ponte, é de cerca de 61 metros. Seu celular e sua carteira foram encontrados na ponte.
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Sobre o autor
José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.