A história de um suicídio (parte VII)

Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.

Reportagem de Ian Parker
(publicado originalmente na Revista The New Yorker)
Tradução livre: J. Fagner

Durante o colegial, Clementi não havia assumido sua homossexualidade publicamente. Ele já postava mensagens no Justusboys desde os 14 anos, mas raramente essas mensagens eram de cunho sexual. Normalmente, eram troca de opiniões sobre televisores, carros compactos, sempre em conversas com outros internautas muito afáveis. Alguns usavam nicknames como Bigpimpboy14. Em um post, Clementi escreveu: “Podem me chamar de puritano, mas eu não acho, sinceramente, que as pessoas estejam maduras o suficiente para manterem relações sexuais antes de irem para a faculdade… O sexo não é algo que uma pessoa de 16 anos deve perder tempo discutindo. Por isso que eu digo que sou praticamente assexuado, ou pelo menos me considerava assim até os 17 (quando entrei na puberdade), eu acho que existem muitos preconceitos”. Este post poderia refletir a verdade, mas ele foi escrito quando Tyler tinha apenas 16.

Após a morte de Clementi, seus pais souberam que ele estava se encontrando com um amigo, na primavera de 2010, e que no verão ele aparentemente arrumou online, um par. Não se sabe se um parceiro romântico ou sexual. Três dias antes de iniciarem as aulas em Rutgers, ele contou à família sobre suas preferências.

Quando descreveu essa experiência para Cruz, Clementi relatou que seus pais foram “muito receptivos” com a notícia, mas acrescentou: “Com meu pai tá tudo bem / se não fosse ele, eu estaria em sérios apuros / minha mãe me rejeitou completamente”. Mais tarde, ele acrescentou que ela tinha sido “muito desprezível”.

Jane Clementi me disse recentemente que Tyler contou a ela sobre sua opção sexual de forma privada, numa conversa de fim de noite, e que isso vinha como uma “bola de neve” em que ela tentava fingir que não tinha percebido ou que não desconfiava. Ela lembra que ao final da conversa, “ele chorou, eu chorei, nós nos abraçamos”. Disseram que se amavam. Mas, Jane Clementi acabou confessando: “Eu devo admitir, que não fui surpreendida, mas, me senti traída”. Ele não tinha confiado nela, embora ele soubesse que era gay desde o ensino médio. Ela me disse que, ela e seu marido, há muito presumiam que o irmão de Tyler, James, era gay, e tinha até discutido o assunto com Tyler, perguntando-lhe: “Por que ele não conversa comigo?” (Hoje, James já assumiu sua homossexualidade).

Ela disse que um dia após Tyler ter assumido “Eu percebi que parte de mim estava sofrendo. Eu esperava que um dia Tyler se casasse, que fosse pai”. Comentou que: “estava triste, mas estava tranqüila”, e ela pergunta se era disso que ele falava quando escreveu que havia sido “rejeitado”. Esse comentário a machucou. Lembrou-se de ter passado o resto da semana com ele, levou-o até a faculdade e, ao longo de todo o mês de setembro, falava com ele ao telefone todos os dias. E ela estava esperando que Tyler viesse visitar a família durante um fim de semana: “Tínhamos bilhetes para o jogo de futebol. Tínhamos planos para o dia inteiro”.

Em setembro, Clementi assistiu pelo menos uma reunião da Aliança de Bissexuais, Gays e Lésbicas, uma organização estudantil da Universidade de Rutgers. Ele comentou com Cruz, “Eu me considero um cara assumido. . . queria que alguém me ajudasse nesse processo”. Embora ele tenha levado tempo para assumir suas preferências, quando chegou à Rutgers encontrou um traço de ousadia. Talvez tenha sido isso que o deixou tão exposto. Havia superado sua timidez, mas a verdade é que ele não era tímido em tudo. Seus interesses sexuais tomaram vazão na internet, na sombra de pornografia e isso parece ter sido, em grande parte, o principal causador de sua exclusão social. Depois que Clementi morreu, Gawker encontrou o que parecia ser uma conta que ele tinha aberto no Cam4 um site onde mulheres e homens se expõem tirando a roupa na frente de uma webcam. Clementi era também usuário de um site chamado Adam4adam. No segundo dia de setembro, Cruz disse a ele, “Você precisa ficar longe do computador… especialmente do adam“.

Duas semanas depois, Clementi teria exclamado ao telefone para Cruz “Tudo está tãããooo bem!”. A repentina felicidade era por conta de um homem que o visitara no Davidson Hall no dia 16 de setembro, depois deles terem cogitado, a princípio, alugar um quarto de motel. Este homem ficou conhecido como MB, mas, vai perder seu anonimato caso ele queira testemunhar no julgamento de Ravi. De acordo com Clementi, M.B. tinha 25 anos, trabalhava em dois empregos, e não era assumido, ficou nervoso com a ideia de vir ao dormitório (Só era possível acessar os quartos pela entrada na sala principal, onde outros alunos poderiam vê-lo). Clementi argumentou que havia mandado uma mensagem a Ravi para solicitar o uso da sala, brincou que “seria horrível” se Ravi entrasse “enquanto eu estiver sendo fodido”, acrescentando: “se bem que, isso ‘estragaria tudo’“.

Num domingo, 19 de setembro, Clementi estava esperando MB para uma nova visita. Da mesma forma que fizera antes, enviou uma mensagem de texto para Ravi requisitando o uso do quarto. Naquela noite, Ravi foi se divertir praticando Ultimate Frisbee (um esporte que, numa discussão on-line sobre o caso Clementi, foi descrito como “mais divertido do que transar com um cara”). Voltou ao Davidson Hall, cerca de nove da noite. Ravi disse à polícia que pensou que Clementi “havia apenas chamado um amigo para sair”. Ravi começou a recolher as coisas em direção a um chuveiro, que ficava no corredor dos fundos quando Clementi perguntou: “Você precisa de mais alguma coisa?”. De acordo com a declaração dada à polícia, Wei conversava com Ravi momentos depois, só então Ravi percebeu que estava sendo solicitado para não voltar, ele se lembra de ter perguntado a Clementi, “Ah, você quer que eu vá?”.

No início do semestre, Wei, esquecendo das grosserias que Ravi aprontou, retomou a amizade. Ao deixar o Quarto 30 pela primeira vez, Ravi fez uma visita rápida ao seu quarto através do salão. Wei disse que ele estava agitado, perguntando: “Por que ele quer monopolizar o quarto?”. Entrou no quarto para organizar suas coisas para mais uma noite de exílio enquanto Clementi recepcionava MB na entrada do dormitório e o trazia para dentro do quarto. Do seu breve encontro com MB, Ravi disse, “não me respeita. Sentou na cama, na cama do Tyler”.

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Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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