A história de um suicídio (parte VI)

Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.

Reportagem de Ian Parker
 
(publicado originalmente na  Revista The New Yorker)
Tradução livre: J. Fagner

Quando Wei chegou a Rutgers, com o objetivo de se tornar farmacêutica, ela estava “orando a Deus” para não encontrá-lo ali. Só quando se mudou para Davidson Hall, que viu o nome “Dharun” colado na porta, do outro lado do corredor, e se perguntou: “Merda, quantos Dharuns eu conheço?”

Tyler Clementi também conheceu seu companheiro de quarto via internet. Naquele verão ele contou a um amigo: “o nome do meu colega de quarto é Dharun / eu peguei um azn [sigla para descendente de asiático]!” Clementi conversava com uma pessoa que foi identificada nos documentos judiciais como HY (Hannah Yang), um asiático, que foi colega de orquestra durante o ensino médio.

Clementi e Ravi mudaram-se para o quarto de número 30 no Davidson Hall no sábado, 28 de agosto. A sala tinha dezesseis metros de comprimento por três e trinta e cinco de largura. Os pais de Clementi chegaram um pouco antes do horário marcado e depois de organizar as coisas foram com Tyler comer alguma coisa. Quando voltaram, Ravi e sua família já estavam lá; Ravi foi montar seu computador e, de acordo com Joseph e Jane Clementi, ele teve que ser puxado por seu pai para se virar e dizer Olá.

Registros do MSN de Clementi nos oferecem uma visão mais intimista de suas primeiras horas com Ravi, depois que seus respectivos pais os deixaram. Enquanto Ravi desempacotava, Clementi conversava com Yang. “Eu estou lendo o Twitter dele e ele tá sentado ao meu lado”, escreveu. “Eu ainda nem sei como pronunciar seu nome”. Yang respondeu:  “Que vacilo!! É até engraçado”. Clementi disse a Yang que os pais de Ravi pareciam “Muuuiittoo com a primeira geração de indianos americanizados”, acrescentando que “são, definitivamente, perdedores e dunkin [algo depreciativo como fodedores de rosquinhas]”. Clementi e Ravi parecem ter reagido de forma semelhantemente exagerada às aparentes raízes modestas um do outro.

Havia janelas no final da sala, e ao longo de cada parede lateral havia uma cama, uma escrivaninha, uma cômoda e um armário independente. Clementi contou a Yang que Ravi tinha mudado seu armário de lugar de modo a formar um espaço semi-privado como uma divisória; Clementi chamou esse espaço de cubículo (mais tarde chamaria o lado modificado por Ravi de “a coisa mais esquisita que você já viu”). Graças ao Twitter, Clementi sabia que Ravi tinha visto suas postagens no Justusboys, e este sabia também o que ele pensava sobre o “cubículo”, Ravi deu o silêncio como resposta, apesar de tudo isso nenhum dos dois nunca tocou no assunto sobre a sexualidade de Clementi.

Clementi colocou sua mesa ao pé da cama, de modo que ele ficasse de frente para a janela. Ravi, à sua direita, empurrou a mesa contra a parede lateral, de modo que Clementi ficasse ao fundo e a tela do seu computador ficasse virada para a entrada do quarto. Clementi notou que a webcam em cima do monitor de Ravi estava “apontava diretamente para mim”. Comentou com Yang, “Eu sinto que ele está me observando observá-lo.”

“Você devia tentar conversar,” disse Yang. “Como. . . hei, como diabos eu pronuncio seu nome?“, perguntou Clementi: “Eu realmente tenho tentado pronunciar, eu acho que é / dah rune”. As cortinas da sala do lado de Ravi estavam fechadas, e Clementi se sentiu incapaz de pedir ao seu colega de quarto para abri-las. Yang deu um conselho: “Tente perguntar: hei, por acaso, você se importaria de abrir as cortinas da sua janela?”

“Isso é muito engraçado / você está me dando um roteiro de como devo conversar”, disse Clementi. Ele a chamava de “a roteirista da minha vida”.

Ravi e Clementi viveram juntos por três semanas, mas parece que mal tiveram uma conversa. Em uma troca de mensagens instantâneas com Sam Cruz, Clementi disse: “Eu não acho que realmente nunca tenha falado com ele He he He… a gente, meio que, simplesmente se ignora”. “Ravi contou à polícia que, cada vez mais, suas conversas com Clementi eram “curtas e breves. “Eu pensei, que ele devia ser apenas um carinha tímido”. Ele acrescentou que Clementi “não parecia ter quaisquer amigos”. Ravi não parecia ter reconhecido a boa natureza de Clementi.

Tam mostrou-me mensagens que Ravi escreveu em 29 de agosto:

“Eu acho que o meu colega de quarto gosta de exercer sua privacidade quando eu estou fora do quarto”. “Ele é muito agradável e muito quieto”, e apesar de Clementi ter ficado, por vezes, irritado com a bagunça de Ravi – em um bate-papo, ele mencionou um recipiente de iogurte deixado jogado por dias, ele também percebeu que a inteligência e a capacidade de reflexão de Ravi estavam muito abaixo do que sua arrogância sugeria. Ele ficou impressionado com as habilidades de tecnologia do seu colega de quarto; Ravi tinha escrito um programa de computador capaz de falar chamado Jarvis, por causa do mordomo computadorizado do filme do “Homem de Ferro”. Jarvis mantinha o controle dos horários de aula de Ravi, e anunciava quando o ônibus universitário chegava. (Em uma conversa no mês de agosto sobre seu colega de quarto, Ravi chegou a brincar: “Eu tenho que programar o Jarvis para me avisar caso ele tente me estuprar à noite”).

Clementi tinha interesses muito fortes na área de biologia, mas ele preferiu manter o foco no violino. Fez um teste para a orquestra da universidade, teste esse que ficou em segundo lugar, mas acabou conseguindo um espaço na Symphony Rutgers, que é composta, em grande parte, de estudantes do doutorado em música. No seu primeiro show, em outubro, ele tocou a tempestuosa “Symphonie Fantastique” de Berlioz. Kynan Johns, diretor da orquestra da universidade, ficou muito impressionado com a desenvoltura de Clementi, e também notou sua falta de jeito, que ele considerava como reserva típica dos calouros. “Eu estava esperando que ele se transferisse de vez para o curso de música”, disse-me Johns. Em Davidson C, Clementi praticava seu violino, apesar de ter consciência de que seu som vazava pelos corredores.

Ravi estava muitas vezes fora, na farra, até às cinco da manhã. Clementi não era disso, embora ele, às vezes, fosse às festas com um grupo de quatro meninas, todas, abstêmias. “Eu morreria se fosse forçado a ter sempre pessoas ao meu redor”, disse Cruz. “A primeira semana aqui foi tão difícil antes de me acostumar, que meu colega de quarto, propositadamente, deixou-me sozinho.” Ravi, ele observou, foi “muito atencioso e perceptivo”.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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