A história de um suicídio (parte IX)

Dois universitários, uma webcam e uma tragédia

Reportagem de Ian Parker
(Publicada originalmente na Revista New Yorker)
Tradução livre: Luana Werneck

A notícia se espalhou para muito além do quarto de Wei – pelos meios eletrônicos e tradicionais. Um pouquinho depois das dez, um amigo de Ravi, postou no Twitter “@Dharun you perv!”(@Dharun, você é pervertido!). Ravi deixou o quarto e, mais tarde, retornou com um amigo que vivia no dormitório. Cassandra Cicco, companheira de quarto de Wei apareceu com outras três amigas. Ravi e seu amigo decidiram sair para “fumar”. (Wei presumiu que eles se referiam a maconha).

Durante o tempo em que Ravi se ausentou, as cinco jovens que estavam no quarto discutiram sobre a possibilidade de dar outra olhada. Decidiram que seria melhor não fazer, de acordo com o depoimento de Wei, mas “uma garota foi muito persistente, então eu disse tudo bem”. Ela ligou. “Eu cliquei no botão do vídeo e ele apareceu novamente por um ou dois segundos, depois eu desliguei. Vimos Tyler novamente”. Clementi e M.B. haviam saído daquela posição, “e suas partes superiores não apareciam e assim que percebemos isso desligamos”. Wei disse que eles estavam de calças.

O monitor do computador de Ravi permaneceu escuro a noite toda. Mas em um determinado momento, Clementi anunciou que a webcam de repente começou a brilhar com uma luz verde. Quando ele se aproximou da mesa de Ravi com a intenção de virar a câmera de lado, a luz se apagou. (Essa deve ter sido uma das visões do outro lado do corredor – naquela noite, o computador de Ravi estava conectado apenas com o de Wei) M.B. saiu por volta das dez. À meia noite, Ravi retornou ao quarto de Wei e adormeceu em uma cadeira. Às duas da manhã, Wei pediu que ele voltasse ao seu quarto.

Clementi leu o tweet de Ravi “Yay” no dia seguinte e fez as conexões com a luz verde da webcam. Naquela noite, um pouco antes das 23h30, ele e Hannah Yang iniciaram uma longa conversa por mensagem instantânea. Eles conversaram, principalmente sobre a intrusão de Ravi. Embora Clementi tenha sido sempre solitário, em Yang, ele, aparentemente, encontrou uma amiga atenciosa ( Como a amizade que ele aparentemente tinha com Sam Cruz. Este o lembrara recentemente, em uma conversa sobre a solidão: “você tem meu celular e pode ligar ou me mandar uma mensagem de texto se precisar de alguma coisa”). Naquela noite, mesmo tentando protegê-lo, Yang, gentilmente insistiu que ele conversasse com Ravi sobre a espionagem com a webcam, “Eu acho que”, Clementi disse, “não é como se ele tivesse deixado a câmera ligada ou gravando ou algo do tipo / ela só ligou por 5 segundos”.

Um artigo recente desenvolvido por duas estudiosas das novas mídias – Alice Marwick, da Havard e Danah Boyd, da Universidade de Nova Iorque – descreve a tendência dos adolescentes em categorizar os comportamentos, mesmo os bastante agressivos, na mesma categoria das fofocas ou piadas onlines, com o termo “Drama”.

Os formadores de opinião e os apresentadores de TV falam sobre “bullying”, mas os adolescentes tendem a dar pouca importância porque, segundo os estudiosos do assunto, eles necessitam de algo com que possam se identificar. “Estigmas sociais previnem que os adolescentes reconheçam suas fraquezas  e poucas pessoas estão dispostas a admitir que ferem os outros propositalmente…”  O termo ‘Drama’ também indicaria algo para não ser levado a sério, enquanto a definição de ‘bullying’ para um adulto denota infantilidade ou imaturidade de adolescentes.

O psicólogo Dan Olweus forneceu a definição padrão de bullying: “A pessoa que sofre bullying quando exposta repetidamente e ao longo do tempo a ações negativas por parte de uma ou mais pessoas, fica com dificuldade para se defender”. Por Ravi ser um adolescente de comportamento agressivo e por ele ter usado um computador, há uma tendência a chamar este caso de “cyberbullying”, mas uma invasão breve e furtiva, juntamente com a publicação de alguns tweets, não podem ser facilmente alinhadas a situações de assédio que ocorrem de forma “repetida e durante muito tempo”.

De qualquer forma, Clementi tentou resolveu o problema do comportamento de seu colega de quarto. Ele parece ter se distraído com a forma baixa daquilo que Ravi escreveu naquele tweet, considerando a breviedade da visualização do vídeo e o fato de que nada havia sido gravado ( Ele estava certo sobre essas informações, mas não está claro como é que ele sabia disso). Clementi disse a Yang que Ravi tinha sido “apenas curioso”. Além disso, ele disse, que não queria que Ravi soubesse que ele estava lendo seu Twitter. Ela argumentou:

YANG: Eu me sentiria seriamente violada.

CLEMENTI: Quando eu li pela primeira vez o tweet, me senti violado, mas depois quando eu me lembro o que aconteceu exatamente…idk (Eu não sei)

YANG: um

CLEMENTI: não parece tãoooo ruim lol

YANG: cara

CLEMENTI: hahaha

YANG: ele não só espionou ele contou para o mundo inteiro sobre isso

CLEMENTI: yah

YANG: Está tudo bem para vc?

Dois minutos depois, Yang disse, “Eu realmente não gosto de Dharun”. Clementi riu e disse, “Yah / ele é um idiota”. À 1 da manhã, a atitude de Clementi parece ter mudado. Ele leu o código de conduta dos estudantes da universidade, que incluía uma seção onde proibia a gravação secreta de áudio ou vídeo com conteúdo de nudez ou atividade sexual. Ele queria saber se deveria fazer uma denúncia que poderia resultar na expulsão de Ravi:

YANG: eu não encorajaria isto…

CLEMENTI: por que não?

YANG: pq vc disse que não se sente mais violado

CLEMENTI: hahah

hmmm

eu não sei

Eu me sinto como . . .Eu tentei ser legal com ele e ele nada

YANG: é. Poderia ser interpretado como um crime de ódio ou o desenvolvimento de…

CLEMENTI: hahaha um crime de ódio lol

YANG: É!

CLEMENTI: isso seria tão divertido, os brancos nunca se odeiam

YANG: heheh, você é gay. . .

CLEMENTI: é

 

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Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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