A história de um suicídio (parte II)

Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.
 
Reportagem de Ian Parker
 

(publicado originalmente na  Revista The New Yorker)

Tradução livre: Luana Werneck

Ravi estava visivelmente ansioso quando o juiz lhe dirigiu a palavra. Berman o lembrou que ele rejeitara a oferta feita por McClure no final de maio. ”Você se declarou inocente”, ele disse. “Mas se você se declarasse culpado, a exposição“ – a possível sentença – “seria insignificante“. Apenas para a acusação com viés de intimidação, o juiz esperava que a sentença de Ravi fosse entre cinco e dez anos. Se Ravi aceitasse a oferta e se declarasse culpado, ele poderia pegar no máximo cinco anos. Berman perguntou a Ravi se ele entendia. Ravi disse que sim, com um tom de voz inesperadamente alto, e lhe devolveu um sorriso introspectivo. Ele não aceitaria este acordo. Berman definiu a data do julgamento para 21 de Fevereiro. Os pais de Clementi esperaram Ravi e seus pais saírem, então, caminharam para a saída de mãos dadas.                                                                                                                                                                                 

Numa noite de sábado, em Agosto de 2010, uma semana antes de começar a faculdade, Dharun Ravi decidiu pesquisar na internet sobre seu futuro colega de quarto da Universidade Rutgers.

Ele morava com seus pais em Plainsboro. Ravi, que estava planejando se formar em matemática e economia soube que ele tinha sido selecionado para morar em Davidson Hall – uma coleção de quartos-dormitórios em formato de quartel no campus Busch, que é considerado o de menor proeminência dos quatro campi de Rutgers, em Nova Brunswick na vizinhança de Piscataway.

Ele ficaria no Davidson Hall C, um dormitório em que os apartamentos são divididos entre dois estudantes e que, no total, tem espaço para cerca de oitenta pessoas. Ele sabia qual era o primeiro nome do seu futuro companheiro de quarto e que seu sobrenome começava com C, sabia seu email, [email protected] — aparentemente, uma mistura de termos musicais – e tinha mandado uma mensagem para este mesmo endereço de e-mail, mas não obteve resposta.

Mais tarde, de acordo com as mensagens instantâneas liberadas pelos advogados para o registro público, Ravi procurou por “keybowvio“ no Google. Isto inciaria um conflito entre os dois estudantes que nunca foi superada no mundo real – mesmo despois de terem se mudado para o pequeno quarto que viriam a dividir. Um pouco antes da meia noite, Ravi começou uma troca de mensagens instantâneas com Jason Tam, um antigo amigo de colégio. Ravi encontrou algumas postagens de Keybownio no fórum do Yahoo: alguma coisa sobre tanques de peixes, foi o que Ravi disse a Tam, e outra coisa “referente a violinos”.

Se Ravi buscava, de forma dissimulada, referências sobre seu novo parceiro de quarto, Tam já demonstrava uma visão pré-concebida: “Escreva o que eu estou dizendo. Esse cara é retardado”. Ravi mostrou a Tam o link de um fórum de saúde onde, três anos antes, Keybowvio perguntava por quê seus sintomas de asma pioraram repentinamente, mesmo fazendo uso dos remédios prescritos. Ninguém respondeu. Tinha apenas um outro comentário de Keybowvio: “Ninguém?”. “Que bicha!”, escreveu Tam.

Ravi e Tam também encontraram questões sobre anti-vírus e contribuições para um site contra-revolucionário sem muita credibilidade chamado Anythingbutipod (Qualquer coisa menos iPod). Ao menos, nesses posts antigos, Keybowvio – que era de fato Tyler Clementi – aparece interessado em informações sobre como proteger seus dados pessoais em seu computador. Ravi zombou do seu colega de quarto por ter perguntado num fórum se ele deveria “inicializar o Linux toda vez que navegasse pela internet”. Um pouco antes da meia noite, Ravi escreveu para Tam: “PUTA QUE PARIU/ Ele é gay.” Ele tinha achado o nome Keybowvio no Justusboys (só os meninos), um site de pornografia gay com fórum de discussão. Ravi mandou para Tam o link da página, repleta de anúncios de sexo que iam mudando de modo aleatório.

Em uma conversa de 2006, em que Keybowvio pergunta sobre um problema no disco rígido de seu computador, ele comentou que suas pastas eletrônicas foram meticulosamente organizadas, provavelmente brincando, ele disse, “eu tenho TOC” No instante seguinte, Ravi escreveu “wtf”— “what the fuck” (que merda) – sete vezes seguidas. Ele postou em seu Twiter um link do Justusboys com os dizeres: “Descobri que meu colega de quarto é gay.” Mas quando Tam perguntou “por quê sites pornôs gays teriam fóruns,”Ravi riu – “hahaha“ – e escreveu, “é apenas um fórum gay”.

Molly Wei

Isso parecia ser o fim da conversa, mas Ravi percebeu ler as mensagens no fórum seria uma forma fácil de conhecer um pouco mais sobre a suposta homossexualidade de Keybowvio. Dois minutos depois da descoberta do Justusboys, Ravi fez um comentário sobre a preocupação de Keybowvio em consertar seu computador. “Ele é pobre,” Ravi escreveu, adicionando um emoticon daqueles que franze a testa. Ele achou o Zazzle, o site de uma gráfica de impressão sob demanda, onde Keybowvio, provavelmente anos antes, havia criado uma camisa, onde se lia, “If Opposites Attract Why Isn’t Anyone Attracted to Me?” (Se os opostos se atraem, porque ninguém fica atraído por mim?) e outra que dizia, “I Love My Mommy . . . ” (Eu amo minha mãe…) e, nas costas, “Do You?” (E você?), Ravi escreveu, “Eu me sinto mal por ele”.

Seis minutos após a meia noite, Tam apresentou um relatório a Ravi. Seu colega de quarto era “um gay que fazia muitas perguntas, é, sobretudo, um analfabeto digital, e cria blusas com frases feitas”. Ravi respondeu, “Eu sou literalmente o oposto disso / MERDA.” Tam disse que se ele estivesse na situação do outro ele “simplesmente se mataria”. Ravi disse que não sabia o que pensar: “Eu me sinto como um idiota / Talvez eu seja só raiva passageira”. Tyler Clementi não era um usuário do Facebook, mas, Ravi encontrou a página de um Tyler C. Picone, que começaria a estudar em Rutgers e se descrevia como homossexual. Ele tinha boa aparência e um longo cabelo ondulado que às vezes estava escondido por um boné; possuía vídeos indicando que tinha talento musical. Tam escreveu, “esse cara é realmente é uma fruta. Ravi disse, “ Eu sou um mafioso perto dele.”

Os colegas estavam impressionados com a confiança e popularidade de Picone, bem como o número de amigas que possuía. Estavam, também, confusos; Picone não se parecia com o ansioso asmático que escrevia frases auto depreciativas em camisetas. Tam relembrou que Ravi conheceu, durante a orientação na Rutgers, um estudante gay chamado Carter e desde então falava dele com admiração. Tam escreveu, que “se todos os gays fossem iguais a Carter”, ele “não seria homofóbico/ São viados como estes que causam todos os problemas”. Ravi respondeu, “Eu sei”. E depois: “Ele nasceu em Janeiro / Que mês gay.” Aproximadamente às 2 da manhã, Ravi e Tam mudaram o assunto para vídeo games.

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Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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