A história de um suicídio (parte I)

Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.
 
Reportagem de Ian Parker
 
(publicado originalmente na  Revista The New Yorker)
Tradução livre: J. Fagner
 

Tyler Clementi, um estudante gay da Universidade de Rutgers, foi espionado por meios eletrônicos por seu colega de quarto, Dharun Ravi, e a amiga dele Molly Wei.

Tyler Clementi, um estudante gay de Rutgers,
 foi espionado eletronicamente  pelo seu
 companheiro de quarto, Dharun Ravi
 e  Molly Wei, uma amiga de Ravi.

Dharun Ravi cresceu em Plainsboro, Nova Jersey, em uma casa grande e moderna, com piso de madeira, um grande quintal e uma piscina nos fundos. Sociável e atlético, usava como senha do computador a palavra “DHARUNEIMPRESSIONANTE” e jogava em uma equipe de Ultimate Frisbee. Na época de sua formatura do ensino médio, em 2010, seus pais compraram um espaço no anuário West Windsor da escola secundarista ao norte de Plainsboro. ”Querido Dharun, Foi um prazer acompanhar você crescer e tornar-se uma pessoa solidária e responsável”, dizia o anúncio. ”Você é um irmão e um filho maravilhoso… Siga sempre assim. Segure-se em seus sonhos e sempre nos esforçaremos para que atinja seus objetivos. Temos certeza que você alcançará o sucesso”.

Seu pai, Ravi Pazhani, um homem franzino com óculos no estilo metal-frame, sentou-se atrás dele. Alguns passos à direita de Pazhani Joseph e Jane Clementi. Jane Clementi, tinha franjas cortadas muito retas e usava um crucifixo de ouro. Ela e seu marido formam um casal alto, pálido, mas, bonito de se ver. Seu filho mais novo, Tyler, havia morrido um ano antes. A tragédia da família era o foco silencioso de todos na sala.

Em setembro daquele ano, Tyler Clementi e Ravi eram colegas de quarto como calouros da Universidade Rutgers, em um dormitório a três milhas da sala do tribunal. Durante algumas semanas ao longo do semestre, Ravi e outra estudante, também caloura, Molly Wei, teriam usado uma webcam para, secretamente, assistir Clementi trocando carícias com um jovem rapaz.

Ravi expôs a vida do colega no Twitter: “Eu o vi saindo com um cara. Opa”. Dois dias depois, Ravi tentara gravar novamente o encontro homo afetivo de seu colega de quarto. No dia seguinte, Clementi cometeu suicídio pulando da ponte George Washington.

Um dia veio o susto, Ravi estava em um tribunal em New Brunswick, a quinze quilômetros ao norte, à espera de uma audiência de pré-julgamento. Em uma sala sem janelas, sentou-se entre dois advogados, vestindo um terno preto e uma gravata cinza listrado. Seus olhos estavam vermelhos. Embora ele tenha apenas dezenove anos, possui um rosto grande, bem desenvolvido o que lhe confere uma aparência muito peculiar, um semblante completamente adulto, que lembra vagamente [o ator] Sacha Baron Cohen.

Quando Ravi é visto em fotografias do colegial com uma sombra projetada em seu rosto, fica com a aparência de um grande canastrão.

A morte de Clementi tornou-se uma notícia internacional, e despertou o interesse de pais sobre os adolescentes, seus mundos ocultos vividos através dos computadores, além do sexo e da agressividade na adolescência. A rede ABC News e outras relataram que um vídeo de sexo havia sido postado na Internet. A CNN afirmou que o quarto de Clementi tinha “se tornado uma prisão” para ele nos dias que antecederam sua morte.

A Next Media Animation, empresa Tailandesa, transformou a história dos tablóides em um cartum, em que Ravi e Wei gravavam o vídeo de Clementi fazendo sexo debaixo de um cobertor. Ellen DeGeneres declarou que Clementi tinha sido “obrigado a sair do armárioo por conta de um vídeo postado na internet que expunha sua intimidade e por causa disso ele se matou. Algo precisa ser feito.”

Comentários enfurecidos na internet pediam a prisão perpétua para Ravi e Wei. O endereço da casa de Ravi e o número do telefone foram publicadas no Twitter. Ravi foi chamado de algoz e assassino.

Garden State Equality, um grupo de New Jersey que defende os direitos dos homossexuais, divulgou um comunicado que em parte dizia, “Estamos enojados que alguém em nossa sociedade possa considerar destruir a vidas dos outros por esporte, como supostamente fizeram de forma sub-reptícia estes alunos”.

O governador Chris Christie, de Nova Jersey, disse: “Eu não sei como essas duas pessoas vão dormir à noite, sabendo que eles contribuíram para conduzir o jovem a essa alternativa”. O senador Frank Lautenberg e o Representante Rush Holt, ambos de Nova Jersey, apresentaram a Lei Anti-Assédio na Educação Superior Tyler Clementi.

A história de Clementi tornou-se também ligada ao It Gets Better, um projeto que é funciona como uma coleção online de depoimentos em vídeo expressando solidariedade aos adolescentes gays infelizes ou assediados. O site foi lançado um dia antes da morte de Clementi, em resposta ao suicídio, duas semanas antes, de Billy Lucas, 15 anos, de Indiana, que, durante anos, havia sido chamado de “bicha” e ouvia coisas ainda mais cruéis, como “Você não merece viver.”

Naquele mês de outubro, o presidente Barack Obama gravou uma mensagem no It Gets Better, referindo-se a “vários jovens que foram intimidados e insultados por serem gays, e que finalmente tiraram suas próprias vidas.”

Foi muito noticiado que um aluno enrustido da Universidade Rutgers havia cometido suicídio após um vídeo dele fazendo sexo com outro homem ter sido secretamente publicado na internet.

Na verdade, não houve nenhuma filmagem de sexo que retirasse alguém do armário. Mas na primavera passada, pouco antes de Molly Wei fazer um acordo com os promotores, Ravi foi indiciado sob a acusação de invasão de privacidade (crimes sexuais), com viés de intimidação (crimes de ódio), violação e adulteração de provas.

Viés de intimidação é uma sentença de reforço, que se anexa a um crime subjacente, geralmente violento. Aqui a alegação, está ligada à espionagem, Ravi teria tido a intenção de assediar Clementi, porque ele era gay ou talvez Clementi se sentia perseguido por ser gay.

Ravi não é acusado de conexão direta com a morte de Clementi, mesmo assim ele pode ser sentenciado a dez anos de prisão. Enquanto estava sentado no tribunal, com o queixo apoiado desajeitadamente sobre, sua situação poderia ser vista tanto como uma forte punição do Estado para o tratamento abusivo aos jovens vulneráveis; ou como uma tentativa de criminalizar as manifestações de ódio entre adolescentes; usando o mesmo estatuto voltado para punir pervertidos e similares.

Ravi fez quatro aparições no tribunal desde a sua acusação. A audiência naquela manhã foi destinada a definir uma data para o julgamento, e para considerar as propostas anteriormente apresentadas por Steven Altman, advogado de Ravi.

O juiz Glenn Berman negou o pedido da defesa, de acesso a vários documentos em posse do Estado, incluindo um documento escrito à mão em que haveria os planos de suicídio e uma nota encontrada entre as coisas de Clementi na Universidade Rutgers.

Então, apesar das objeções de Julia McClure, um advogado no escritório do Condado de Middlesex, o procurador Berman confirmou uma decisão anterior: a defesa deve manter em sigilo o nome completo do parceiro romântico de Clementi na noite das supostas ofensas. O homem, conhecido no registro público como MB, era uma testemunha de acusação.

Ilustração: John Ritter; fotografias RAVI e Wei: AP; ponte: GETTY

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Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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