Quando todo o resto falha

O final do ano vai chegando e, com ele, a exaustão. Nos próximos 15 dias precisaremos subir todas as informações do diário de classe para o site da SED, a frequência, as notas. Confesso que estou com tudo atrasado, inclusive minhas leituras diárias. Não leio a edição completa da revista piauí já há uns dois ou três meses. A revista 451 é outra que vai se acumulando na prateleira.

comentei aqui sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores da educação básica. Mesmo quem tem interesse em continuar estudando, não tem tempo.

Nos pouquíssimos dias de folga, o professor precisa cumprir suas tarefas diárias, precisa descansar, precisa dormir aquilo que não dormiu ao longo da semana. O trabalho anda tão sucateado que afasta qualquer pretendente. Fico imaginando que, em alguns anos só abraçará a profissão aqueles que não tiverem opção.

Não sai da minha cabeça que isso seja proposital. Os alunos, quase sempre vindos de famílias disfuncionais e sem o menor interesse pelo universo acadêmico, não têm o menor interesse nas aulas. Os professores, assolados por uma realidade cruel e imutável, acabam se rendendo diante da agressividade diária. “Os professores fingem que ensinam, os alunos fingem que aprendem”, diz um velho ditado. Creio que isso nunca foi tão real.

Na última sexta feira, no entanto, recebi presentes de duas ou três alunas. Chocolate, sabonete, bilhetes de agradecimentos.

É por causa desses poucos alunos – que reconhecem o esforço do professor e se interessam pelo que ele tem a dizer – que os professores continuam com seu trabalho diário.

Esgotados pelos mandos e desmandos dos políticos, estressados pelas cobranças de pais insatisfeitos e irritados por aquela meia dúzia de bagunceiros que não permitem o andamento da aula, o professor precisa se guiar por uma utopia de que seu trabalho pode fazer a diferença para, ao menos, um ou dois alunos.

Como diria Raul:

“E você ainda acredita
Que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social”

Mas a verdade é que, apesar da crítica debochada do cantor, algumas utopias são necessárias. Elas nos ajudam a manter a sanidade mental quando todo o resto já falhou.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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