Morgan Lost: resenha
“…Eu não sou criminólogo e nem psiquiatra, mas aprendi que os assassinos em série se contam nos crimes, descrevem a própria crueldade…”
Morgan Lost é uma publicação da Editora 85, de 2020 e traz as duas primeiras edições italianas do personagem, com roteiro do Claudio Chiaverotti e desenhos do Nicola Rubini e Giovanni Talami.
A história começa nos mostrando uma cidade situada num universo paralelo, onde importantes fatos da história não ocorreram, como a Segunda Guerra Mundial. E a tecnologia foi desenvolvida de forma mais prematura que em nosso mundo. A narrativa é ambientada numa espécie de Nova York, no que seriam os anos 1950 deste universo, uma época em que, por algum motivo, o hemisfério Norte já não recebe luz do Sol como em décadas anteriores. Neste ambiente sombrio, existem poucas leis trabalhistas, e a população em geral cumpre jornadas de 14 horas de trabalho. Neste contexto, surgem vários assassinos seriais que se tornam espécies de celebridades entre a população. E programas de TV mostram, com freqüência, seus crimes e os valores de recompensa pela sua captura. Morgan Lost é um caçador de recompensas que busca prender ou matar esses assassinos seriais.
Durante as duas histórias contidas nesta edição, nos são apresentados os motivos que levaram o Morgan a caçar criminosos. Ele foi vítima de uma tentativa de assassinato, numa situação que terminou de maneira bastante traumática, e isso faz com que ele carregue as marcas (físicas e psicológicas) até os dias em que se passam a história.
Na trama da edição aqui resenhada, uma nova assassina surge na cidade, e Morgan se interessa pelo caso. Ao começar as investigações, elas o levam a um caminho que cruza com o seu próprio eu de anos antes. Cada vez mais envolvido emocionalmente no caso, Morgan consegue identificar a assassina, mas isso só deixa mais perguntas na cabeça do personagem.
A criatividade é talvez o ponto forte no roteiro deste personagem. Logo na primeira página, percebemos algo diferente das outras publicações advindas da editora Bonelli: a presença da cor vermelha entre os tons de cinza. Estamos tão acostumados a ler histórias em tons de cinza ou em preto e branco, que é difícil imaginar algo diferente produzido pela editora italiana, quanto mais a cor vermelha. Durante a primeira história, somos informados que o personagem principal é daltônico, e vê o mundo justamente em tons de cinza e vermelho. O fato de nos levar a enxergar a aventura com os olhos do personagem é uma maneira incrível de imersão na obra, e uma das melhores idéias que já vi/li nos quadrinhos. Algo parecido já havia sido feito num quadrinho nacional (O Despertar de Cthulhu da editora Draco), mas não porque o personagem assim enxergava.
Os artistas responsáveis pela arte nos entregam desenhos acima da média. As expressões faciais, o trabalho do espaço negativo com cenários detalhados e sensação de movimento nas cenas de luta foram muito bem trabalhadas. Apesar de serem pessoas diferentes desenhando em cada edição, o padrão ficou constante e muito bonito. Os tons de cinza e a cor vermelha foram muito bem utilizados, bem como o emprego das sombras em cenas com certo grau de suspense ou tensão.
O roteiro, escrito pelo criador do personagem, é muito criativo e se desenvolve muito bem durante as quase duzentas páginas da edição. No início da leitura, fiquei com a impressão de uma clara inspiração nas histórias de investigação da Júlia Kendal (outra personagem da Editora Bonelli), mas com o passar das páginas, percebi uns pontos que lembram muito o Spirit. Quem já leu algo do personagem criado pelo Will Eisner vai se deparar com muitos elementos semelhantes, como o clima dos anos 50, e 0 roteiro sobre crimes, romance, mistério e drama, além é claro da máscara.
Apesar das já citadas semelhanças com a Júlia e Spirit, Morgan Lost é muito mais violento. Cenas explicitas mostrando pessoas recebendo tiros, sendo esfaqueadas e mortas são bastante presente na história e interagem muito bem com as cores. Há um grande contraste entre os tons de cinza e o vermelho decorrente do sangue nestas cenas e este efeito é utilizado de maneira magistral pelos autores…
A Editora 85 surgiu no mercado há pouco tempo trazendo material italiano de alta qualidade, e Morgan Lost é, na minha opinião, uma das melhores publicações do gênero. Resta torcer para que a continuação não demore muito.
Para quem gosta de histórias de suspense e investigação policial é um prato cheio.
A edição consta com capa cartonada, 194 páginas em preto, branco e vermelho, a um preço de R$ 39,90, podendo ser encontrada no próprio site da editora ou em lojas na internet.
Por Maxson Vieira
Sobre o autor
Formado em Física, Mestre e Doutor em Engenharia Espacial / Ciência dos Materiais. Fã de J. R. R. Tolkien, José Saramago, Sebastião Salgado e Ansel Adams. Passou a infância e adolescência dividido entre Astronomia, quadrinhos, livros e D&D. Atualmente é professor do IFBA.