LIBERDADES INDIVIDUAIS E TOTALITARISMO

As liberdades individuais são a primeira vítima em regimes que se aproximam do autoritarismo em direção ao totalitarismo

Comparado às outras espécies animais, nós, seres humanos, somos fisicamente prejudicados. Não temos garras, não temos longos dentes, não temos revestimento de couro, não temos grande força muscular, não corremos tão rápido a ponto de fugir dos predadores. Em resumo, se dependesse de nossas habilidades físicas, seríamos presas fáceis, animais quase que indefesos.

No entanto, somado à nossa inteligência e consequente capacidade de planejamento – habilidade muito superior a qualquer outra espécie conhecida –, somos criaturas gregárias. Aprendemos que somos mais fortes quando unidos. É mais fácil executar o planejado, os planos ficam mais elaborados, a execução fica mais precisa e eficiente. No início da nossa história, a união era necessária se quiséssemos sobreviver. Com o passar do tempo isso se tornou um traço da nossa cultura.

Foi por causa disso que desenvolvemos as sociedades, criamos cidades e agremiações. Esse é o traço da nossa personalidade que nos impele a torcer para um time, frequentar uma igreja, criar um fã clube, nos filiarmos a um partido.

MINHAS COMUNIDADES GREGÁRIAS

Quando voltei do Rio de Janeiro para a Bahia, montei uma espécie de escola de desenho. A escola, que funcionava em minha casa, ia muito além das aulas de ilustração. Ali discutíamos música, literatura, política, cinema. Criamos um fanzine para que os garotos tivessem um canal de divulgação das suas ideias e para que se sentissem pertencentes a algo mais coeso. Não sei o quanto aquilo foi importante para eles, mas marcou a minha vida profundamente. Eram os meus valores que estavam sendo repassados.

Já aqui em São Paulo, logo após terminar o mestrado, fui chamado pela professora Andreia Drska e pela professora Luana Werneck para dar suporte a um jornal que estava sendo criado pelos alunos de uma escola pública na comunidade de Heliópolis. O jornal extrapolou os muros da escola e se tornou um veículo de comunicação da comunidade. Mais uma vez, não saberia dizer o quanto foi importante para eles. Sei o quanto aquilo me fez bem.

IMPOSIÇÃO DE VALORES

Essas duas experiências fazem parte da nossa crença de que a humanidade precisa ser aperfeiçoada. Estamos constantemente tentando impor nossos valores e anseios aos outros. Por um lado, isso é muito positivo porque nos permite compartilhar o conhecimento e passar o bastão; por outro, é assim que nos fechamos em grupos ou comunidades utópicas. Nem sempre uma comunidade utópica é algo negativo, é bom que se diga. Desde que ela seja voluntária – ou seja, desde que seus membros tenham o direito de renegá-la quando quiser –, qualquer malefício que possa dela decorrer será autocontido, impedindo o fomento do totalitarismo.

O objetivo essencial do totalitarismo também é o aperfeiçoamento da vida humana. Com a diferença de que esse suposto aperfeiçoamento será imposto pelo Estado. Tomemos como exemplo o caso da comunidade criada por Jim Jones. Ela acabou de forma trágica, todos nós sabemos, mas poderia ter sido pior se aquela comunidade buscasse impor sua máxima para o resto do mundo. Em resumo, se o poder do Estado fosse evocado teríamos o fomento do totalitarismo.

MAS, AFINAL, O QUE É TOTALITARISMO?

Totalitarismo é um sistema político ou uma forma de governo que proíbe partidos de oposição, que restringe a oposição individual ao Estado e às suas alegações e que exerce um elevado grau de controle na vida pública e privada dos cidadãos. É considerado a forma mais extrema e completa de autoritarismo. Nos estados totalitários, o poder político é geralmente detido por autocratas que recorrem a extensas campanhas de propaganda difundidas por meios de comunicação de massa detidos pelo Estado. Para que ele exista, é preciso que seja direcionado por uma crença utópica. Caso a crença utópica comece a enfraquecer, o totalitarismo pode se transformar em autoritarismo.

Autoritarismo é uma forma de governo caracterizada por obediência absoluta ou cega à autoridade, oposição a liberdade individual e expectativa de obediência inquestionável da população. Tanto o autoritarismo quanto o totalitarismo só podem existir quando existe intervenção do Estado. No passado recente, tivemos vários exemplos de comunidades utópicas que nos foram impostas pelo Estado. Para fins de exemplo, podemos citar as duas mais conhecidas. O comunismo era uma visão radical de um ideal de igualdade do qual toda a humanidade participaria, mas o nazismo, por sua vez, excluía a maior parte da humanidade e a condenava à morte.

ANTES QUE RECLAMEM

Comunismo e nazismo foram regimes totalitários. Defensores do comunismo podem dizer que é um absurdo compará-lo ao nazismo, mas qualquer regime que, imposto pelo Estado, retire as liberdades individuais e imponha seu ideal utópico de mundo deve ser classificado como totalitário. Essa é a definição.

O grande problema não está em acreditar que nossa verdade é melhor do que a do outro, está em querer impor seu credo àqueles que não têm interesse. E note que estou falando de credos, não estou me referindo a fatos comprovados e corroborados pela ciência. Contra fatos não há argumentos, mas contra crenças é sempre importante que haja liberdade.

 

José Fagner Alves Santos

 

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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