A potência da voz de Luiza

Situada na região nordeste do Estado de São Paulo, a 396 km da capital paulista, Franca é conhecida como a capital do calçado, do basquete e do café. Com cerca de 350 mil habitantes, o município é a terra natal de personalidades como Regina Duarte e a dupla Rio Negro e Solimões. Além desses nomes, a cidade é também o berço de uma das mulheres mais poderosas do Brasil.  Luiza Helena Trajano nasceu em 09 de outubro de 1951. E, desde então, vem deixando sua marca por onde passa.

Fotos: Equipe de O Berro

Quando tinha doze anos, Luiza abriu mão de suas férias escolares para trabalhar no comércio de sua família. A menina cresceu. Assim como a empresa, que se tornou uma loja de departamentos, batizada de Magazine Luiza. A partir dos dezoito anos, ela passou por todas as áreas da companhia. Até chegar ao topo.

Como presidente da varejista, Luiza percebeu que havia poucas mulheres à frente das grandes empresas. Não satisfeita, fez o que costuma fazer: agiu. Surgia, assim, o embrião do grupo Mulheres do Brasil, iniciativa que ganhou vida, de fato, em 2013. E que atualmente conta com mais de 35 mil mulheres, distribuídas por todo o globo, dispostas a transformarem o país e o mundo.

“Não somos contra os homens, apenas somos a favor das mulheres”, afirma Luiza, que defende políticas públicas que favoreçam a inclusão das mulheres na economia de forma mais ativa e sólida.

À frente do Magazine Luiza há mais de 20 anos, a empresária, formada em direito, serve de exemplo para muitas mulheres. Com um jeito despachado e confirmando a percepção de que é uma pessoa muito acessível e ativa, Luiza recebeu a equipe do Berro para um bate-papo.

Nossos repórteres foram atendidos na sala da empresária, no escritório central do Magazine, localizado na região norte da capital paulista.  A conversa teve início com Luiza informando que seu horário era restrito, e que ela entendia que seria mais proveitoso para os jovens a visita ao LuizaLabs, o laboratório de tecnologia que desenvolve tudo que se refere à estratégia digital da empresa há muitos anos.

A empresária explicou que a iniciativa começou pequenininha. Mas que hoje conta com quatro unidades divididas entra São Paulo, Uberlândia (MG), Franca e São Carlos (SP). “Tem gente de todo canto querendo conhecer o Labs, mas nos próximos dois meses não estamos autorizando a visita. Eles precisam trabalhar. Nós abrimos uma exceção para o Berro”.

É no LuizaLabs que são desenvolvidas todas as soluções tecnológicas do grupo, desde a criação de um aplicativo, passando pela logística da distribuição de produtos até todo os serviços prestados aos pequenos empresários parceiros do marketplace do Magazine Luiza. Na prática, o formato é uma espécie de “shopping virtual”, que reúne varejistas de diversas categorias de produtos.

A empresária explicou os motivos que tornaram o Magazine uma referência. E destacou que houve uma grande evolução no segmento de compras pela internet. Quando essa vertente ainda era apenas uma tendência, boa parte das varejistas decidiu separar as operações de suas lojas físicas das estruturas responsáveis pelos seus canais de e-commerce. Desde o início, o Magazine não acreditou nessa estratégia. E, na época, pagou um preço alto por essa decisão.

“Nós entendemos que cliente é cliente, independentemente do lugar onde ele compra. Por isso, insistimos na loja física trabalhando junto com a virtual. Houve um momento, em que perdemos muito valor de mercado, deixamos de valer R$ 4 bilhões e chegamos a valer R$ 200 milhões.” Mas a estratégia ousada deu certo. Hoje, o Magazine Luíza é avaliado em mais de R$ 71 bilhões.

 

Depois dessa primeira etapa da conversa, a empresária abriu espaço para nossos repórteres matarem a curiosidade sobre a sua trajetória. Confira:

 

Laura: Em toda a sua vida de estudante e de empresária qual foi sua maior dificuldade?

Luiza: Laura, eu nunca gosto de colocar a dificuldade. Não vejo a dificuldade como uma coisa ruim, mas como um aprendizado. A vida inteira vai ter dificuldade, por isso eu a encaro como um desafio. Ao invés de falar sobre as dificuldades, prefiro dizer o que eu acertei. Fiz muito bem em ter trabalhado sempre na ponta, estar sempre com o cliente, ter a simplicidade de ouvir o cliente e ter o hábito de pedir ajuda. Agora, é claro, que sendo mulher é mais difícil. Que ser do interior é mais difícil.  Mas, eu não isso via como algo ruim, via como um desafio. Tem gente que tem dó de si mesmo e só reclama. Eu nunca tive isso. Entendo que a dificuldade pode ser um sinal de que é preciso mudar de rota. Como eu tenho muita fé e sou muito bem-intencionada, na minha vida geralmente quando surge uma dificuldade é o momento em que eu paro e sei que virá algo melhor.

 

Kayky: O que o jovem deveria aprender antes de entrar no mercado de trabalho?

Luiza: Primeiro, aprender a lidar com as pessoas que estão ao seu redor: amigos, família. A lidar com o estresse, saber confrontar, pedir desculpas, conversar com as pessoas. Comportamento é muito importante,  hoje e futuramente. Estudar direitinho sem achar que está cansado. “todos que venceram deram mais do que podiam dar”. Depois, é preciso se esforçar para aprender o inglês e programação. Tem que entender que é preciso esforço e largar de reclamar, saber fazer relacionamento. “Você contrata uma pessoa pela capacidade técnica, mas manda embora porque ela não soube lidar com as pessoas e com o estresse”.

 

Pablo: O que o jovem precisa para crescer dentro de uma empresa como o Magazine?

Luiza: Primeiro, ele precisa ter oportunidade. E sabemos que, muitas vezes, o jovem da periferia não tem. Aqui, temos um trabalho de menor aprendiz. Mas, depois que chegar lá, você precisa querer fazer as coisas. Depois que a gente quer, tudo acontece. Mas, o querer significa abrir mão de muitas coisas. A gente não ganha de todos os lados.  Além disso, como eu disse antes, tem que aprender programação e inglês. E não esquecer do português e da matemática. Se não tem dinheiro para fazer bons cursos ou estudar em escolas particulares, é preciso ir atrás dos conteúdos gratuitos. Existem muitas alternativas.

(Nesse ponto da entrevista, Luiza aproveitou para contar a história de um dos seus funcionários e o convidou para participar da entrevista). “Esse menino que vou apresentar não entendia muito de tecnologia. Ele é da área financeira e começou a perceber que ia ficar sozinho. Daí começou a aprender programação sozinho. Estudava a noite e na hora do almoço. Depois começou a criar soluções para sua área e hoje ele já está ensinando para 20 funcionários do departamento dele.

Reinaldo: Estou aqui há oito anos, comecei a interagir com o pessoal do Labs. Ficava perdido, não entendia o que falavam, porque era uma linguagem mais técnica. Pensei: preciso aprender, senão vou ser engolido. Comecei a estudar no horário do almoço e em casa também, depois das dez da noite. Às vezes, fico até três horas da manhã. Tenho um filho de 4 anos, fico esperando que ele durma. Todo dia, é sagrado. Então, já aprendi muita coisa, consigo programar.  Só que achei que  ainda era  pouco. Há três meses, chamei um grupo de pessoas da minha área, mais ou menos 20 pessoas, e passei a  ensiná-los a programar também. Esse é um caminho sem volta. Num futuro próximo, todo mundo terá que saber programar. Quanto mais aprender, mais é necessário. Na minha época, não tinha YouTube, não tinha tanto conteúdo. Hoje, eu estudo tudo no YouTube. Está tudo lá, de graça!

Ana Clara: Como o Magazine Luiza trabalha a questão da diversidade?

Luiza: Somos muito fortes nisso. Aqui não temos idade limite. Temos um programa para deficientes e outro para mulheres. Nossas mães recebem um cheque para ajudar na criação dos filhos, até que elas completem 11 anos. No caso de crianças deficientes, nosso benefício é ampliado. Além disso, temos um programa de bolsas de estudo, o SaberLuiza. A ideia e ajudar aqueles que não conseguem entrar nas faculdades públicas a pagarem cursos em instituições privadas.

Kayky: A senhora poderia contar sobre a política de cotas?

Luiza:  Nós atendemos todas as cotas que são estipuladas pelo governo e, além disso, temos outras. Por exemplo, temos uma cota de 10% do programa de trainees para pessoas negras. Eu tenho como  meta pessoal a inclusão de negros em cargos mais altos. O programa de trainees é para pessoas que acabaram de se formar na faculdade. É um processo bastante concorrido. Da última vez, foram 20 mil inscritos para 15 vagas. Além disso, temos o programa de menor aprendiz. Aqui, aceitamos jovens a partir dos 16 anos. Eles trabalham por seis horas na empresa. Por último, temos o programa de estágio, destinado para pessoas que estão cursando o 3º ou 4º ano da faculdade.

 Rivaldo: Algo te fez pensar em desistir?

Luiza: Eu nunca pensei em desistir. Houve momentos em que não dormi, fiquei tensa, que fiquei com medo de não dar certo, que não tinha fluxo de caixa. Mas nunca falei que ia desistir. Nunca desisto de algo ou de alguém. Só desisto de quem não quer. Acho que as pessoas precisam querer, caso contrário não adianta nada. Não adianta você lutar com quem não quer.

Andreia: Em algum momento você se sentiu nervosa  por ter que falar com alguém?

Luíza: Às vezes, penso porque eu fico inventando tanta moda… Mas, não tem jeito.  Agora mesmo fiz duas filmagens. Sofro antes, mas na hora tudo dá certo. Com as palestras já não fico mais nervosa, estou me acostumando. Não fico nervosa porque eu não mitifico ninguém. Não existe ninguém diferente da gente. Eu trabalho com isso para não ter medo. Lógico que tem pessoas que agregam muito, mas não é porque elas são presidentes do Brasil ou de uma empresa. Depende muito mais do que as pessoas podem ensinar, da capacidade de doação. As pessoas são muito mais normais do que a gente acha. Tem gente que eu nunca esperava e que me ensina mais do que outros.

Pablo: Durante nossas pesquisas, soubemos que a senhora é formada em Direito. Mas, não encontramos nada referente à sua educação básica. A senhora poderia nos contar um pouco sobre isso?

Luiza: O primeiro lugar que estudei foi a Escola Estadual Barão de Franca. Na época, eles ofereciam o primário (atual fundamental I). Depois disso, tive que ir para uma escola particular para continuar meus estudos. Mas, não era uma escola muito elitizada e sim a opção que cabia no bolso.  Depois fui estudar Administração, mas não concluí o curso. Acabei me formando em Direito.

Eu sempre convivi com poucas mulheres. Na faculdade quase não havia alunas. Depois, quanto mais eu evoluía na vida profissional, me via menos cercada por mulheres.  Sou a única CEO nessa área. Agora imagina como era há 20, 30 anos. Aí eu penso que temos que incluir as mulheres. Mas, nunca quis perder meu lado feminino. Respeito muito o masculino. Não tenho medo de dizer: isso eu não dou conta. Quero manter meu jeito, chorar, falar que estou intuindo. O bom é que não trafego na mesma onda que os homens, então acabo respeitando a deles e eles respeitam a minha . O mais importante é as meninas não ficarem com dó de si mesmas. A luta ainda é grande, mas é muito menor do que era antes.  No começo, quando eu dizia que estava intuindo, ninguém me dava bola. Agora, todo mundo me ouve e já considera que vai dar certo.

Berro: E como você chegou a esse comportamento?

Luiza: Acho que é uma coisa de criação, sabe? Sou filha única e minha mãe era uma mulher com muita inteligência emocional. Ela morreu cedo. Quando eu era criança e chegava da escola reclamando de algo, ao invés de me consolar, ela perguntava o que eu tinha feito para que aquilo acontecesse.  Ela me colocava como protagonista dos meus problemas, então a responsável era eu e não outro. A solução estava em mim.  Aprendi, minha vida inteira, a fazer isso. Sem culpa. Se alguém não te dá bola, você também é responsável. Você tem que ser o protagonista da sua vida e não culpar o outro. Ela não me deixava culpar ninguém.

Berro: Como é o seu relacionamento com a escola pública na qual estudou?

Luiza: Não tenho muita proximidade, infelizmente. Mas, estou com um desejo de voltar lá, aproximar-me, ver como ela está. Tenho como meta voltar lá ainda esse ano.

Fagner: Qual o recado que a senhora gostaria de deixar para esses jovens?

Luiza: Vocês estão no caminho. Tenham gratidão com as pessoas que estão no seu caminho, pois a gratidão vai jogando energia no nosso caminho. É impressionante como a corrente de energia da gratidão te leva a mais coisas. Você precisa saber que sozinho não dá para fazer tudo. Tenha pessoas com vocês. Não é fácil, mas é muito bom quando a gente se determina e chega no lugar que quer. Com isso que vocês estão fazendo, vocês passarão ser modelo para outros jovens. Mas não é simples, depende de determinação. Não é fácil, mas vocês estão tendo oportunidade.  Na vida, eu tenho dois arrependimentos: não ter namorado mais e não ter morado fora do Brasil. Sonhem, busquem e acreditem que é possível realizar cada um dos seus sonhos.

Neste momento, a empresária convidou para a conversa seu filho mais velho,  Frederico Trajano, atual presidente do  Magazine Luiza. Frederico, que estava em uma reunião e mesmo assim conseguiu tirar um tempinho para nos conhecer,  é formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Ao sermos apresentados para ele, ele imediatamente sacou o celular e foi acessar o blog do Berro.

Berro: Frederico, o que você acredita que é preciso para vencer na vida?

Frederico: Eu digo que é mentalidade de crescimento. Tem um livro que eu gosto muito, ele se  chama ‘Mindset”. O autor da obra fala que tem dois tipos de pessoas: Aquela de mentalidade fixa – muito inteligente , mas que acha que não precisa ir além do que já tem, ou que não pode desenvolver novas competências;   E, aquelas com a mentalidade de crescimento: que acreditam que é possível desenvolver novas competências. Acredito que o ser humano é infinito em suas possibilidades.

Pablo: Frederico, o que um jovem precisa fazer para se destacar no processo seletivo de jovem aprendiz do Magazine Luiza?

Frederico: A gente tem os valores corporativos  e eles são os mesmos que buscamos em nossos profissionais. Nossos processos seletivos são organizado de forma que seja possível analisar se a pessoa tem as seguintes características:

  1. Gente que gosta de gente
  2. Atitude de dono
  3. Simplicidade de inovação: pensar fora da caixa
  4. Cliente em primeiro lugar
  5. Mão na massa.

Durante toda a entrevista, fomos acompanhados pelas integrantes do comitê Mundo Digital, do grupo Mulheres do Brasil. No final da visita, Dona Luiza gravou um vídeo conosco e publicou em sua rede social, confira o link abaixo da matéria.  Em seguida, a empresária disponibilizou uma van que nos levou ao LuizaLabs. Mas, isso é assunto para a próxima matéria…

 

 

 

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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