A história de um suicídio (parte III)

Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.

 
Reportagem de Ian Parker
 
(publicado originalmente na  Revista The New Yorker)
Tradução livre: J. Fagner

Enquanto conversava com Tam, na tarde do dia seguinte, Ravi dizia que, “a única coisa com que me importo é o que meus pais vão dizer. Meu pai é capaz de arremessar esse cara pela janela”.

Naquele dia, Ravi recebeu uma mensagem de Bigeaglefan75, um amigo que não foi identificado nas atas do processo, que fazia o comentário de que Picone “parecia uma mulherzinha” e era provável que iria “chupá-lo enquanto dormisse”. A linguagem de Ravi foi mais contida, e ele respondeu ao comentário sobre sexo oral dizendo: “Eu tenho certeza que ele vai saber se comportar”.

Em determinado trecho da mensagem, Bigeaglefan75 disse sobre o colega de quarto de Ravi: “E se ele te quiser /não vá pelo caminho errado” Ravi respondeu: “Talvez ele queira /porque ele é chegado / mas, se ele me quiser / Eu não quero nada com ele”.

Bigeaglefan75 reforçou um pensamento da noite anterior: “Ele vai levar garotas gostosas para o seu quarto/ e, aí, você será uma delas / uma mocinha / eu é que não sou gay”. Ravi riu e disse: “Eu realmente não estou preocupado com essa possibilidade”, acrescentando “enl”. “Eu não ligo”.

Mas mesmo tendo demonstrado este desinteresse ele comentou que tinha enviado um vídeo de Picone para todos que conhecia.

Ravi parecia está confuso sobre Picone: Picone era uma pessoa de quem poderia vir a gostar, mas era também alguém que geraria boatos sobre ele está “dividindo o quarto com um gay”.

Ravi certamente parece ter se importado muito mais com a sua própria reputação e os boatos sobre a sexualidade de Picone (Em depoimentos de testemunhas, para o caso Clementi, ninguém sequer mencionou que Ravi tivesse desprezo aos homossexuais).

Se isso o protegeu da acusação de extremo preconceito, ele ainda poderia ser acusado de falta de empatia: não há sinal de que os comentários no Facebook ou no Twitter tenham lhe inibido, causado medo, embaraço ou algum aborrecimento sério.

Sua conta no Twitter – @dharun – era pública e fácil de encontrar. Tyler Clementi leu o primeiro tweet que seu colega escrevera a seu respeito mesmo antes de começar em Rutgers.

Ravi enviou a Tyler Picone uma mensagem, via Facebook. Picone escreveu de volta, explicando que ele era o Tyler errado. No mesmo dia, Ravi finalmente recebeu, por e-mail, uma resposta de Clementi. O atraso de Clementi em contatar Ravi pode ter sido causado pelas complicações emocionais de seus últimos dias em casa, quando chorou por ter de se afastar da sua família. Após receber a mensagem, Ravi falou de Clementi a um amigo como “um gay, mas um gay equilibrado”.

Encontrei recentemente Tyler Picone em um Au Bon Pain lotado, no campus da Universidade Rutgers. Picone, que cresceu nas proximidades de South River, é charmoso e seguro de si. “Eu percorri todos os setores da minha escola”, disse ele, sorrindo. “Fui presidente da classe, editor do jornal, se você quisesse fazer alguma coisa, você teria que passar por mim.” Ele relembrou sua breve interação com Ravi, e eu lhe mostrei as conversas Instantâneas entre Ravi, Tam, e Bigeaglefan75.

Grande parte da confusão, incluindo a frase sobre a homossexualidade do mês de janeiro o fez rir. Quando a linguagem se tornou mais abusiva, ele disse: “Caramba, calma lá”, e “Parece que ainda estão no ensino médio”.

Quando terminou de ler, ele disse, “Eu já vi coisa pior.” E ele disse enxergar uma leve diferença entre Ravi e seus amigos. “As besteiras que Dharun diz são compreensíveis em certo sentido: ele não teve uma educação aberta e um belo dia teve que dividir o quarto com um desconhecido que era gay, ele deve ter pensado: ‘Oh meu Deus, o que vou fazer? Ele provavelmente vai dar em cima de mim’. Mas os amigos de Ravi são idiotas.”

Picone imagina que, se ele e Ravi dividissem o mesmo quarto, poderiam ter se tornado amigos. Mas ele reconhece que falar tão generosamente de Ravi pode desestabilizar o retrato deste como o autor de crimes de ódio mais detestado da Universidade Rutgers. “Eu gostaria que a comunidade gay não estivesse com tanta raiva, tanta raiva. Eu acho que deveriam perdoar, mas não esquecer”. Ele acrescentou: “Dharun não queria que Tyler morresse”. E completou: “Ravi provavelmente queria que as pessoas se divertissem com suas ações, que pensassem nele como um cara divertido”.

Uma vez que Ravi entendeu que viveria com Clementi e não com Picone, percebeu que as únicas coisas que sabia era que: seu companheiro de quarto era gay, muito chato, e pobre. Se o primeiro atributo criou tanta complicação e tantos boatos, o segundo e o terceiro foram tidos como falhas. “Eu estava com esperança de alguém que usasse ao menos uma conta de gmail, mas não”, Ravi escreveu a Tam. O endereço de e-mail do Yahoo de Clementi simbolizava, em sua visão, um mundo sombrio e idiota. Uma vida que poderia se resumir a tanques de peixes e violinos. Nas suas mensagens instantâneas Ravi tinha muito mais certeza sobre a suposta pobreza de Tyler do que sobre sua orientação sexual. Em determinado ponto da troca de mensagens com seu amigo Tam naquele fim de semana, Ravi escreveu: “Cara eu odeio pobres”.

Uma noite, não muito tempo atrás, eu visitei Paulo Mainardi, um advogado profissional que vive na Filadélfia, em um prédio de apartamentos com uma ampla vista do Rio Delaware. Mainardi tragava algumas doses de uísque. Ele é advogado de negócios, não é um advogado criminal, mas ele é primo de Jane Clementi, e se dispôs a ajudar a família depois da morte de Tyler. Ele tem acompanhado os Clementi’s em audiências judiciais e nas ocasionais emissões de comunicados à imprensa.

Quando eu mencionei o comentário de Ravi sobre “pobres”, Mainardi ficou um pouco chocado. “Ele disse isso?”, Perguntou. “A família não é bem de vida, mas eles certamente não são pobres.” Os Clementi’s vivem em Ridgewood, dezesseis quilômetros a noroeste da Ponte George Washington. A cidade, que é rica e branca, foi recentemente classificada como a décima quinta em uma lista das cidades com melhor renda per capita do país, um lugar abaixo do Greenwich, em Connecticut.

No ano passado, o Colégio Municipal de Ridgewood, onde Tyler estudou, foi alcançou o posto de vigésimo sétimo em uma avaliação do Washington Post sobre escolas de Nova Jersey. (A escola de Ravi foi a de número XVIII.) Uma ex-colega de Clementi me descreveu um mundo de pais hiper ambiciosos e um lado luxuoso no estacionamento da escola. Ela notou a diferença que havia uma diferença econômica entre os lados leste e oeste da cidade. Os Clementi’s vivem em uma casa de quatro quartos em uma rua bonita, mas é do lado leste que é menos afortunado, segundo disse Route de 17 anos. Na escola, “os que moram do lado oeste são os mais populares, eles sabem como fazer conexões”, a ex-colega disse. “Os moradores do lado oeste são diferentes”.

Continuar lendo>>>

>>>Voltar um capítulo

Sobre o autor

Website | + posts

José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações