Viva Narciso

A nossa vaidade nos impede de construir um ambiente mais tolerável

A palavra “insentão”, popularizada nos últimos anos, serve para classificar a pessoa que não se deixa iludir pelo canto da sereia da direita ou da esquerda. O grande problema é achar que todas as visões de mundo se resumem a esses dois espectros. Pior ainda é classificar de modo pejorativo aqueles que não rezam pelo mesmo credo que você.

Já flertei com os dois lados, até perceber que não apoio nenhuma ideologia na sua totalidade. Fico me perguntando quando foi que procurar o caminho do meio virou um defeito? A partir de que ponto se tornou desejável abraçar ideias extremistas?

Qualquer um que frequente as redes sociais sabe que aquilo lá virou um campo de guerra. Uma guerra ideológica e sem muito sentido. O povão contra o povão. Seria mais sensato o povão contra os governantes, não importando o espectro político desses governantes. A divisão dicotômica, no entanto, tem servido muito bem aos interesses dos poderosos.

Por definição, quem está no poder deveria ser vidraça, mas isso é inconcebível para alguns. Os erros dos governos anteriores não devem ser esquecidos ou anistiados, mas isso é inadmissível para outros. A velha crença teleológica está muito forte em toda a sociedade. As pessoas realmente querem acreditar que determinadas figuras são a encarnação messiânica que irá nos salvar.

Ter coragem de admitir que errou não é para qualquer um, exige maturidade, exige consciência da nossa insignificância, exige apreço à verdade. Tudo que temos é um insano desejo de impor a nossa visão de mundo, não importando o preço que teremos de pagar por isso. Honestidade intelectual é para poucos.

Não podemos ignorar o nosso narcisismo. É ele quem nos impulsiona a insistir no erro, mesmo quando já está visível para todos ao redor o nosso vacilo. Seria mais honroso assumir a falha. Em tese, é assim que aprendemos, que amadurecemos, que nos aperfeiçoamos.

Mas, impulsionados pelos recursos digitais, todos queremos parecer mais interessantes do que somos, mais inteligentes, mais atraentes, mais capazes. É muito doloroso assumir a nossa pequenez diante do mundo. Enquanto alimentamos nossa vaidade os conflitos se propagam. Viva Narciso!

José Fagner Alves Santos

Imagem de Mabel Amber, still incognito… por Pixabay

Sobre o autor

Website | + posts

José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações