SUS e Mais Médicos

Há alguns anos discuti com uma aluna de direito sobre o programa Mais Médicos, do Governo Federal. Segundo essa estudante, a contratação de profissionais cubanos resolveria o problema da saúde no País. Afinal, os médicos brasileiros se recusam a trabalhar nas cidades do interior do Nordeste, e esse, segundo ela, era o principal problema do Sistema Único de Saúde (SUS). Detalhe, a universitária fazia questão de me lembrar que sua mãe era médica. Talvez para dar credibilidade à argumentação.

Que ela não conheça o Nordeste pouco importa, afinal, ela já viajou para a Austrália, para os Estados Unidos, para o México, Inglaterra, França e não sei mais quantos países. Que ela jamais tenha precisado se tratar no SUS não faz diferença, a mãe dela é médica. Eu, nordestino, pobre, pardo e feio, sou apenas um representante da elite burguesa que não quer ver o pobre progredir.

No momento em que essa conversa aconteceu, eu tinha acabado de voltar de uma temporada na cidade de Itacaré, no litoral Baiano. Durante o período em que passei lá – quatro meses, no total –, 16 pessoas foram assassinadas e duas crianças foram baleadas na porta do colégio (Itacaré tinha apenas 17 mil habitantes na ocasião). Tudo por causa de uma disputa entre gangues rivais. Jornalista curioso, fui até o posto de saúde local para saber como andava o tratamento dos feridos. Descobri que todos os casos graves eram transferidos para Ilhéus, cidade vizinha. O hospital de Itacaré não funciona e o posto de saúde, naquele momento, não tinha nem dipirona para tratar dos casos mais simples. Fiquei com a impressão de que, colocar um médico – de qualquer nacionalidade – trabalhando naquela cidade, não resolveria o problema.

É ridículo como tudo no Brasil se resume a petralhas versus coxinhas. As pessoas são incapazes de dar um passo além. É mais fácil repetir o discurso da moda, pensar cansa. É mais fácil arrotar arrogância do que tentar conhecer seu próprio país. Não vou entrar no mérito de quantos médicos cubanos desertaram, fica para outra ocasião.

Toco no assunto porque a minha mãe, que ainda mora no interior da Bahia, passou mal neste último fim de semana. Não preciso dizer que, mesmo com médicos cubanos, o SUS da minha cidade não teve recursos para atendê-la. A clínica particular em que ela foi tratada cobrou preço abusivo. Só para que o amigo leitor entenda o que estou dizendo: o soro que ela tomou durante os 45 minutos em que foi tratada, custou 200 reais. Sim, você leu direito. No final do procedimento a conta estava em mais de r$ 1000, e ela nem sequer foi diagnosticada. E isso porque ela é conveniada à clínica.

Foi necessário transferi-la para uma cidade maior. Agora, num hospital (do SUS) com recursos, os médicos descobriram que se tratava de um problema neurológico. Uma série de exames foi feita para diagnosticar corretamente o caso. O profissional de saúde que a atendeu (obrigado, Dr. Roberto), a medicou e disse que ela poderia ficar em casa até que saia o resultado final dos exames.

Num país em que o salário mínimo não chega a 900 reais, como poderemos pagar por um sistema de saúde digno? Trazer médicos de Cuba, sem implementar a infraestrutura necessária não resolverá nada. Não importa o que digam os acadêmicos.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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