Questionando o papel social feminino, “A Mulher de Bath” transita entre o medieval e o contemporâneo

Foto Sabrina Moura

Uma mulher audaciosa e corajosa que não titubeia em impor seus desejos femininos e sua soberania, numa tentativa incessante de firmar seu papel de destaque, diante de certos comportamentos retrógrados masculinos. Embora tal mulher possa perfeitamente ser alguém da contemporaneidade – pois sabemos que, mesmo com as diversas conquistas femininas, as mulheres seguem na luta para reafirmar seu papel de destaque social – trata-se de uma personagem de meados do século XIV, presente nos Contos da Cantuária. A obra é uma coleção de histórias escritas a partir de 1387 por um dos precursores da literatura em língua inglesa, Geoffrey Chaucer (1343 – 1400).

Sete séculos se passaram e muitos dos anseios vividos pela personagem se refletem nos dias de hoje, afinal, a mulher medieval também tinha suas inquietações, porém muito mais implícitas pelo caráter conservador da época. E Chaucer tanto soube enxergar além do seu tempo que a obra do escritor se transformou em peça de teatro e chega pela primeira vez ao Brasil, com tradução de José Francisco Botelho. É o espetáculo A Mulher de Bath, que está em cartaz no teatro do Sesc Bom Retiro.

Em formato de monólogo, a peça traz Maitê Proença no papel de uma viúva que busca seu sexto marido, depois de já ter passado por cinco matrimônios. Ao longo do espetáculo, a personagem discursa em versos rimados sobre as experiências vívidas com cada um dos seus ex-maridos, tendo se casado pela primeira vez aos doze anos, e desde então, se viu obrigada a amadurecer e a aprender a se impor. Uma tarefa bem complexa, especialmente para a mulher medieval, submissa ao homem, e que mal podia pensar em rebelar-se e impor suas vontades.

Mas, para a protagonista da época, ousadia era o que não lhe faltava, e por meio de truques e jogos ela adquiria soberania dos maridos. Impetuosa, ela condenava o celibato e se questionava sobre o motivo do desejo sexual ser tão reprimido – considerado um tabu à época – buscando na própria Bíblia explicações para suas dúvidas. Sua frase era: “Melhor o casamento do que queimar por dentro”.

Embora o roteiro se baseie num discurso do século XIV, as falas transitam entre o medieval e o contemporâneo graças ao formato da linguagem, que mais parece um diálogo informal entre a personagem e a plateia, com vários toques de humor.  A história é bem simples e o maior destaque vai para o trabalho cênico de Maitê Proença, que parece extrair do roteiro mais até do que ele pode oferecer, com sua atuação vivaz. Ressalto também as alternâncias de personagens, em que ela encara os maridos da protagonista num diálogo com ela mesma, deixando clara a linha divisória entre os papéis.

Enfim, A Mulher de Bath é um monólogo cômico simples, mas que levanta reflexões sobre como a mulher, mesmo com todas as conquistas atuais, ainda precisa se impor na busca por soberania e liberdade de expressão de seus desejos – sem pré-julgamentos – um dos fatores que justifica a boa repercussão de um texto medieval.

Serviço:

A Mulher de Bath

Onde: Sesc Bom Retiro: Alameda Nothmann, 185, Bom Retiro, São Paulo – SP. Tel: (11) 3332-3600

Quando: sexta a sábado às 21h e domingo às 18h

Quanto: R$ 12 a R$ 40

Até 4 de março de 2018

Sobre o autor

+ posts

Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações